Um espetáculo como nenhum outro na natureza. O chamado “canhão de Nazaré” despertou no último fim de semana para a temporada de ondas gigantes em Portugal. Enquanto surfistas do mundo todo tentaram se aventurar na água, milhares de turistas acompanharam o visual da costa da Praia do Norte de pertinho e aplaudiram os melhores e mais ousados movimentos.
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As condições meteorológicas e oceânicas apontaram para ondas que poderiam ultrapassar os 20 metros entre os dias 25 e 30 de janeiro. As previsões foram confirmadas com os atletas que utilizaram do tow-in surfing (quando um jet ski reboca o surfista no mar) para se aventurar e buscar seus recordes pessoais.
Catarinense de Jaguaruna, Thiago Jacaré foi um dos presentes em Nazaré para praticar naquela que considera a “melhor onda do mundo”. É a oitava temporada do surfista na mítica praia portuguesa.
– Nazaré é a maior onda do mundo, é a melhor onda grande do planeta. Há também os dias de treino com as ondas menores, quando a onda é muito perfeita. Pra mim não tem nada pra bater Nazaré – explica o catarinense, que completou 40 anos na segunda-feira (27).
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O surfista recebeu a reportagem do NSC Total no galpão onde guarda os equipamentos, como jet skis e diversos tipos de pranchas, no Porto de Nazaré, no início da noite de sábado (25). Estava com os outros integrantes do grupo Jagua Boys, o conterrâneo André Paulista, o uruguaio Pepe Elesio e o gaúcho Giuliano Homem, após a primeira grande sessão de surfe da temporada.
Trabalho em equipe
Surfar ondas gigantes exige toda uma preparação. É como se fosse uma concentração de equipe antes de uma partida. Jacaré, Paulista e Pepe são os surfistas que vão para a água, enquanto Giuliano prepara a logística das atividades e auxilia na orientação das ondas, com ajuda do português local Abel Santos. O fotógrafo Bred Oliveira completa o time.
– Fizemos toda uma concentração de manhã cedo, nos reunimos, montamos um plano estratégico e fomos para o mar. As condições não estavam favoráveis, mas o big surfe é assim. É adrenalina, vento forte, mar com bump. Valeu a pena, a gente está sempre evoluindo – conta.
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Na prática, surfar ondas gigantes realmente funciona como equipe. Jacaré, Paulista e Pepe entram juntos no mar para a prática do tow-in surfing. Ou seja, enquanto um deles estará na prancha e será impulsionado por um jet ski, outro veículo estará em prontidão para fazer o resgate.

Os surfistas que estão no mar não estão sozinhos. Quem pilota um jet ski fica com um rádio em contato com um chamado “spotter“, que é alguém posicionado fora do mar com visibilidade maior. É ele quem avisa das melhores ondas e também orienta para os picos mais propícios.
– Tento dizer qual a maior onda, se é o pico um, ou o pico dois e, se algum cair, avisar para ir resgatar o amigo. Sou filho de Nazaré, assim como meus avôs e bisavôs, além de pescador e mergulhador. A minha vida foi fugir das ondas para as ondas não me matarem. Como tenho conhecimento do mar, posso fazer isso – diz Abel, que vai completar 60 anos em fevereiro.
Além do uso do jet ski, a prancha de tow-in também é muito diferente das habituais. Embora esses equipamentos sejam menores e mais finos, têm a base revestida com carbono e contêm chumbo internamente. Assim, uma prancha desse estilo pode ter de oito a 12 quilos, sendo que as tradicionais têm em média dois quilos. E há também as chamadas “gunzeiras”, pranchas enormes para o surfe tradicional de remada.
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Segurança reforçada
Tudo isso é pensado para proporcionar um equipamento capaz de suportar a força colossal de uma onda monstra e também gerar segurança. Afinal, as vacas acontecem. Em 2023, o surfista Márcio Freire morreu após sofrer um acidente ao descer de um dos “paredões” da praia do Norte. No ano anterior, Maya Gabeira também teve de ser resgatada. Em outubro de 2013, no entanto, a brasileira chegou a perder a consciência no mar e correu risco de perder a vida.
O próprio Jacaré também teve seu momento de tensão em Nazaré. Em dezembro de 2018, o catarinense caiu da prancha ao descer um paredão, ficou submerso por alguns segundos, e sofreu com o impacto de outras ondas gigantes. Acabou sendo socorrido pelo alemão Sebastian Steudtner, o atual recordista mundial.
– Foi o pior caldo da minha vida. Eu tomei quatro ou cinco ondas de quase 20 metros na cabeça e fui resgatado na minha última. Acho que se tivesse tomado mais uma, tinha apagado. Tiveram que me colocar no oxigênio, fui resgatado pela ambulância na praia – relembra.
Segundo o atual Guinness Book, o alemão Sebastian Steudtner detém o recorde da maior onda já surfada no planeta, justamente em Nazaré. O brasileiro Lucas Chumbo, assim como o próprio Steudtner, disputam números ainda maiores que podem entrar para a história com medidas que ainda passam por avaliação.
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As maiores ondas já surfadas
1. Sebastian Steudtner (Alemanha) – 29 de out. de 2020 | Praia do Norte, Nazaré, Portugal – 26,2m
2 . Rodrigo Koxa (Brasil) – 8 de nov. de 2017 | Praia do Norte, Nazaré, Portugal | 24,4m
3. Garrett McNamara (EUA) – 1 de nov. de 2011 | Praia do Norte, Nazaré, Portugal | 23,8m
4. Mike Parsons (EUA) – 5 de jan. de 2008 | Cortes Bank, Califórnia, EUA | 23,5m
5. Justine Dupont (França) – 13 de jan. de 2023 | Cortes Bank, Califórnia, EUA | 22,8m
6. Maya Gabeira (Brasil) – 11 de fev. de 2020 | Praia do Norte, Nazaré, Portugal | 22,4m
7. Francisco Porcella (Itália) – Praia do Norte, Nazaré, Portugal | 24 de out. de 2016 | 22,3m
8. Yuri Soledade (Brasil) – Peahi/Jaws, Maui, Hawaii, EUA | 25 de fev. de 2016 | 21,6m
9. Sebastian Steudtner (Alemanha) – Praia do Norte, Nazaré, Portugal | 11 de dezembro de 2014 | 21,6m
10. Justine Dupont (França) – 11 de fevereiro de 2020 | Praia do Norte, Nazaré, Portugal | 21,5 metros
O Canhão de Nazaré
A temporada de big waves geralmente acontece entre outubro e março, quando as tempestades no Atlântico geram ondulações potentes que se deslocam em direção à costa. O fenômeno é intensificado graças a formação geológica subaquática do Canhão de Nazaré.
O Canhão é uma enorme ravina submarina que se estende por cerca de 230 quilômetros, com uma profundidade que pode ultrapassar os 5.000 metros. Sua formação geológica é resultado de movimentos tectônicos e da erosão ao longo de milhares de anos. À medida que as ondas do Atlântico se aproximam da costa, a profundidade do canhão provoca uma propulsão que gera aumento repentino na altura das ondas.
– Minha vida foi sempre ver isso. Antigamente, as tempestades (no oceano) não traziam dinheiro a Nazaré, hoje em dia trazem – recorda o português Abel, da equipe de Jacaré.
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Turismo de surfe em Nazaré

Com cerca de 15 mil habitantes, Nazaré é uma localidade que se transformou graças ao turismo de surfe. A cidade ganhou notoriedade a partir de 2011, quando o surfista havaiano Garrett McNamara surfou uma onda colossal de 30 metros, estabelecendo um novo recorde mundial.
A partir de então, explodiu o comércio local com ampla gastronomia para receber os turistas. Consequentemente, houve também um aumento drástico no preço dos alugueis.
É justamente esse turismo de surfe que faz a equipe dos Jagua Boys pensar no crescimento do surfe de ondas grandes no Sul do Brasil. Eles querem melhorar a divulgação do Laje da Jagua, a considerada a maior onda do Brasil. E também de Torres, no litoral norte do Rio Grande do Sul.
Para os surfistas e visitantes, Nazaré permanece como um verdadeiro santuário para os amantes do esporte radical. É um símbolo de aventura, força e beleza do oceano que inspira o mundo todo.
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*Diego Guichard é correspondente do NSC Total em Lisboa