Uma candidata que recebeu a cola do gabarito em um concurso público realizado em Xaxim, em 5 de maio, revelou como foi o esquema para equipes do Fantástico, e Diário Catarinense. O inusitado nesse caso é que a denúncia foi motivada pela candidata ter recebido “cola errada”. Ela fez concurso para auxiliar de enfermagem, no dia 5 de maio, e recebeu o gabarito da prova de enfermagem. Resultado: as respostas geraram a nota 2.8 na prova dela. A candidata, indignada, procurou o Ministério Público e denunciou o vazamento do gabarito, no dia 17 de maio.

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Em 1º de junho, uma força-tarefa apreendeu documentos na prefeitura, na SC Cursos e Treinamentos Ltda, empresa responsável pelo concurso, e na casa dos proprietários da empresa, Sandra e Emerson Dell’Osbel. Depois, foi realizada nova busca e apreensão, que encontrou papéis similares ao da cola na bolsa da assistente social do município, Eliane Perosa. O promotor Fabiano Baldissarelli informou que a assistente social e a primeira-dama Rita Vicenzi são suspeitas de participarem do vazamento.

“Participei, mas sou contra”

DC – Como surgiu a cola?

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Candidata – Trabalho na saúde há 12 anos e fiz vários processos seletivos em Xaxim. Em 2010, fiz concurso para auxiliar de enfermagem, mas não passei. Ouvi boatos que, em 2010, algumas pessoas foram favorecidas com a entrega de gabaritos. E as médias de quem passou foram altíssimas: nove, teve gente que tirou 10. Decici procurar alguém ligado à prefeitura. Encontrei um assessor do prefeito. Disse que não estava decidida a fazer a inscrição. que havia comentários de que alguns candidatos iriam ser privilegiados. Ele disse que era para me inscrever. Tentei depois e não consegui mais falar com ele. Então fui procurar outras pessoas.

DC – Como você recebeu a cola?

Candidata – Na véspera do concurso, a Rita Vicenzi, mulher do prefeito, me ligou. Era para ir a um local que uma pessoa iria me passar o gabarito. Fui até lá e encontrei a assistente social do município, a Eliane Perosa. Ela tirou uma folha de papel da agenda e foi me ditando a cola.

DC – Queriam algo em troca?

Candidata – Quando recebi o gabarito ela me falou: a gente tá te ajudando mas você sabe o que a gente quer com isso.

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DC – Aí você decorou o gabarito e foi fazer a prova?

Candidata –Ela disse que era para decorar e jogar fora. Eu decorei, mas segurei a cola comigo. Fiz a prova e quando fui conferir o gabatiro na internet, não batia. Fiquei revoltada. Conferi com a prova de enfermeiro e o gabarito batia. Comecei a ficar desesperada. Me deram por engano. Pensei até que fosse armadilha. Comecei a ligar para as pessoas. Liguei para a Rita Vicenzi e ela demonstrou ficar apavorada. Disseram para eu ficar tranquila, que seria contratada.

DC – O que você fez, então?

Candidata – No dia 7 (de maio), às 15h30min, estava no meu trabalho e me ligou o assessor. Ele me chamou, disse que falava em nome do prefeito, Disse que eu iria ser contratada. Eu estava muito indignada, pois sabia que, com aquela nota, iria ficar em último lugar. Aí ele falou que iriam me passar. Disseram que eram quatro vagas e que iriam alterar minha nota. Eu disse que nunca ninguém tinha me ajudado e se fosse assim que tirasse meu nome da lista pois é muito humilhante ficar em último lugar no concurso.

DC – Quando você decidiu denunciar o vazamento do gabarito?

Candidata – Eu fiquei sabendo que meu nome não estava na lista no dia 17 pela manhã, quando uma colega ligou para perguntar quem passou e disseram que eu tinha tirado 2.8. Às 18h05min fui até o Fórum dizendo que tinha uma dúvida. Eu sabia que também tinha sido cúmplice de algo errado. Sei que o que eu fiz é ilegal e grave. No dia 18, conversei com um assessor do prefeito e ele falou que era para deixar tudo quieto que eu iria ficar trabalhando contratada. Mas aí já tinha decidido contar tudo.

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DC – O que você achou de tudo?

Candidata – Achei uma grande injustiça. Participei disso mas sou contra esse tipo de coisa. As pessoas ajudadas dessa forma depois não tem desempenho bom no serviço público. Acabam sendo colocadas pessoas não capacitadas. Eu trabalho com saúde há 12 anos e preferia continuar contratada. Reconheço que errei.

DC – Está sendo ameaçada?

Candidata – Muitas pessoas ligadas à prefeitura disseram que eu deveria ter saído do município. Estou em tratamento psicológico pelo desprezo da própria equipe. Estou tomando medicamento controlado. Tenho chorado muito. O trabalho que venho fazendo é com amor.

DC – Você considera que denunciando o caso está reparando o erro que fez no início?

Candidata – Estou ciente que cometi um crime. Também não estou denunciando por questão política pois me filiei ao partido do prefeito no ano passado. Gostaria que as pessoas que passassem que fosse por mérito.

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CONTRAPONTOS

O que diz a empresa

Os sócios das empresas SC Cursos e Treinamentos Ltda e da Dell’Osbel e Vieira Ltda, Sandra Dell’Osbel e Emerson Dell’Osbel, não foram encontrados para falar sobre as supostas irregularidades em relação aos outros 15 contratos que estão sob suspeita.

Na terça-feira da semana passada, Sandra Dell’Osbel divulgou uma nota informando que a empresa aguarda a conclusão das investigações do Ministério Público. Ela afirma que tudo não passa de suspeita por enquanto e que, se os fatos forem comprovados, tomará as providências para responsabilizar quem cometeu algum ato ilícito. A nota cita que as gerentes não contribuíram para nenhuma fraude em concurso público e que a aplicação do concurso em Xaxim aconteceu na mais absoluta lisura.

Em relação a carimbos de outras empresas encontrados nas ações de busca e apreensão do Ministério Público, ela disse que pertenciam a empresas antigas de seu marido.

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O que diz o prefeito

O prefeito de Xaxim, Gilson Vicenzi, foi procurado várias vezes nas duas últimas semanas, inclusive em sua casa, mas não foi encontrado. Ontem, em sua residência, familiares disseram que tinha ido numa festa junina no interior, onde não havia sinal de celular. Quando alguém atende o celular ou dá retorno geralmente é outro familiar.

Na segunda-feira passada, ele se manifestou através da assessoria de imprensa afirmando que tão logo soube da suspeita de irregularidade, mandou anular o concurso realizado em maio. Ele não foi encontrado para falar sobre a suspeita de envolvimento de outros funcionários em irregularidades do concurso.

O que diz a primeira-dama

A primeira dama de Xaxim, Rita Lunardi Silveira Vicenzi, foi procurada várias vezes nas duas últimas semanas, mas não foi encontrada. Ontem, em sua residência, familiares disseram que ela também tinha ido numa festa junina no interior, onde não pegava celular.

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No dia 16 de junho, a primeira-dama foi contatada por telefone pelo DC e, inicialmente, disse estranhar a denúncia. Depois questionou como estariam sendo divulgados dados de uma investigação. Em seguida disse que o que deveria falar já tinha falado para o Ministério Público e que eles teriam que provar o que estavam divulgando.

O que diz a assistente social

Eliane Regina Evangelista de Marco Perosa foi localizada apenas na segunda-feira passada, para comentar sobre a suspeita de ter entregue a cola do gabarito. Ao ser questionada sobre a suspeita, ela afirmou apenas: “Não, não sei”. Após nova pergunta, ela desligou o telefone.