É ver para crer. A partir deste fim de semana, os canais de TV por assinatura no Brasil estão obrigados por lei a exibir conteúdo nacional em faixas no horário nobre da programação. Neste domingo, o espectador pouco vai perceber de diferente, pois muitos dos principais canais infantis, de variedades, entretenimento e filmes já contam com atrações locais – mas a presença de atrações nacionais deverá se intensificar gradativamente, conforme previsto na lei.
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Zero Hora conversou sobre estas mudanças com executivos de dois grandes grupos de canais internacionais em operação no país: André Rossi, diretor de programação da Discovery Networks, e Paulo Franco, vice-precisente de Programação e Conteúdo da Fox International Brasil.
Confira trechos:
Zero Hora – O que os espectadores vão encontrar de conteúdo nacional neste domingo?
André Rossi – Como em um primeiro momento teremos de ter uma hora e 10 minutos de programação nacional no horário nobre, a mudança não será tão drástica, pois já possuímos bastante conteúdo. Temos Peixonauta e Meu AmigãoZão, no Discovery Kids, documentários e séries no Discovery e Home & Health, além de novas aquisições e pacotes de filmes para os demais canais do grupo. Teremos em outubro a série Águias da Cidade, no Discovery. Conta com oito episódios e mostra o trabalho dos policiais do Grupo Águia, responsável pelo resgate de pessoas em situação de risco na maior cidade do Brasil (São Paulo).
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Franco – No canal BemSimples, boa parte do conteúdo é nacional. Entre os talentos do canal, estão Palmirinha, Helô e Ticiane Pinheiro, Bruna Di Túlio, Joana Limaverde e Carla Pernambuco. Os canais Fox e FX, por exemplo, exibirão filmes nacionais com grande sucesso de bilheteria, além de estreias como A Vida de Rafinha Bastos, Contos de Edgard, com produção de Fernando Meirelles, e a série Se Eu fosse Você. No NatGeo teremos novos episódios do Missão Pet, do Ciência em Casa e a estreia de Reino Animal: Diários de Lawrence Wahba, que apresenta o universo selvagem ao redor do mundo com o documentarista Lawrence Wahba. Entre as produções voltadas para o público infantojuvenil está o Ciência em Casa, recém-lançado no canal NatGeo.
ZH – Existe demanda para esse acréscimo de conteúdo nacional?
Rossi – A demanda é por boas histórias, independentemente do local onde elas se passam.
Franco – Acredito que sim, mas só as audiências dirão se existe mesmo. Portanto, vamos aguardar as medições futuras para ver como o público irá reagir.
ZH – O canal sugere a produção de conteúdo específico ou analisa projetos que lhe são encaminhados pelas produtoras?
Rossi – Produzimos no Brasil desde 1999, muito antes das leis de fomento à produção para a TV por assinatura. Temos contatos com diferentes produtoras que já conhecem os perfis dos nossos canais. As parcerias são feitas das duas formas.
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Franco – As duas coisas.
ZH – Há quando tempo o grupo se prepara para se adequar à nova lei?
Rossi – Desde que iniciou-se o processo de regulamentação da lei, estamos estudando como adequar as grades de forma que a programação não sofra alterações drásticas para o telespectador. Analisamos como utilizar o acervo de produções locais que possuímos e estratégias para colocar no ar novas atrações que já estão sendo finalizadas. Passamos também a estreitar ainda mais o relacionamento que já temos com o mercado independente de produção.
Franco – A Fox iniciou em 2011 os investimentos em produção nacional, portanto não haverá problema em atender aos requisitos da regulamentação.
ZH – As produtoras nacionais estão capacitadas para atender a esse acréscimo de conteúdo?
Rossi – Temos uma estrutura de produção audiovisual muito bem desenvolvida no Brasil para cinema e publicidade. Mas a produção independente para TV tem uma história mais recente e, embora já haja produção de altíssima qualidade sendo feita para diversos canais, o número de produtoras realmente qualificadas ainda é relativamente pequeno. Produtoras de menor porte ainda estão se capacitando para desenvolver projetos que realmente atendam com qualidade a tantos canais que já demandam conteúdo local. Produzir um conteúdo correto e que pode ser exibido sem maiores problemas é relativamente simples. Mas produzir pensando no real gargalo, que é o imperativo de o conteúdo agradar a muitas pessoas e contribuir para a audiência dos canais, ainda é privilégio de poucas produtoras no Brasil. O produtor independente precisa entender que o trabalho dele não acaba quando nos entrega as fitas de exibição. Nossa relação é de parceria, e o sucesso ou o fracasso de uma produção vai depender do quanto ela será apreciada pelos espectadores. Em alguns gêneros, como a animação infantil, estamos muito bem servidos. Há casos de grande sucesso, com séries do Discovery Kids sendo exportadas para diversos países do mundo.
Franco – Claro que sim. As produtoras brasileiras têm qualidade internacional.
ZH – Existem leis como esta nos outros países em que o canal opera?
Rossi – Sim. No Canadá, por exemplo, há cotas rigorosas para conteúdo nacional. As emissoras de TV particulares devem transmitir conteúdo canadense em 60% de sua programação total, sendo 50% no horário nobre.
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Franco – Como executivo no Brasil, posso responder apenas àquilo que se refere ao mercado nacional.
ZH – Que tipo de reação o canal está tendo de seus espectadores?
Rossi – Provavelmente, não haverá reação brusca, pois independentemente de ser produção nacional ou não, todo programa da Discovery preza pela qualidade. E todas as coproduções locais e aquisições do grupo que entrarão em cartaz seguem esse padrão.
Franco – Temos recebido diversos comentários positivos através de nossos canais de interação com o público, como o nosso site e os perfis oficiais nas mídias sociais.
ZH – Na sua avaliação, existem pontos na lei que não foram plenamente esclarecidos e que podem dar margem a diferentes interpretações?
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Rossi – Durante o processo, mantivemos conversas com a Ancine para conseguir entender e avaliar as obrigações previstas na Lei 12.485/11. Claro que há dúvidas que surgirão somente com o dia a dia, após a implantação das novas regras.
Franco – A Fox International Channels atua de acordo com as regras dos países em que está presente e, portanto, está em cumprimento com a legislação vigente.
ENTENDA: O QUE MUDA NA TV PAGA
O que diz a lei: sancionada pela presidente Dilma Rousseff em setembro de 2011, a Lei 12.485 tem duas diretrizes básicas: estimular a concorrência no setor da TV por assinatura e fomentar a produção e a circulação de conteúdo audiovisual nacional nos canais pagos. Se a primeira medida vigorou de forma imediata, com a abertura do mercado às empresas de telefonia, esta que diz respeito à obrigatoriedade do conteúdo nacional seguiu em discussão e começa a valer a partir de amanhã.
Canais que terão a programação alterada: a lei abrange apenas os chamados canais de espaço qualificado, que exibem filmes, documentários, seriados, animações, programas de variedades e reality shows. Não estão enquadrados, entre outros, canais jornalísticos, musicais, esportivos, religiosos, eróticos, de órgãos públicos, de televendas e os chamados étnicos (voltados para comunidades de outros países)
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Horário de exibição: a inserção das atrações nacionais deverá ser no horário nobre (das 11h às 14h e das 17h às 21h nos canais para crianças e adolescentes, e das 18h à meia-noite nos demais), de acordo com o calendário a seguir:
– De 2 a 12 de setembro: 1 hora e 10 minutos semanais.
– A partir de 13 de setembro: 2 horas e 20 minutos semanais.
– Setembro de 2013: 3 horas e 30 minutos semanais.
Exceções: versões brasileiras de programas estrangeiros não contam como produção nacional.
Cota para canais nacionais: a lei faz distinção entre canais nacionais e estrangeiros. Os nacionais de espaço qualificado devem ser assim disponibilizados pelas operadoras aos assinantes:
– De 2 a 12 de setembro: um canal brasileiro a cada nove canais internacionais de espaço qualificado.
– A partir de 13 de setembro: um brasileiro a cada seis internacionais.
– Setembro de 2013: um brasileiro a cada três internacionais.
Polêmica: uma das questões ainda em discussão diz respeito aos canais de filmes clássicos. A lei determina que metade do conteúdo nacional deve corresponder a produções lançadas há, no máximo, sete anos. Essa exigência, no entanto, só vale a partir de setembro de 2015. Até lá, esses canais poderão passar filmes nacionais clássicos.
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Reprises: o uso de reprises de atrações nacionais para preencher as cotas não é abrangido pela lei. A aposta é de que o mercado vai estimular a produção de conteúdo inédito.