Cerca de 30 quilômetros além dos portões ao norte de Bagdá, no caminho para a disputada cidade de Samarra, lar de um dos locais de culto mais sagrados para os xiitas, as ruas estão vazias como se uma barreira invisível tivesse sido transposta.

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Deste local em diante, as fronteiras estão em constante transformação, com o controle do governo iraquiano se estendendo a apenas poucos metros além da estrada ou, às vezes, nem isso.

O caminho de 120 quilômetros entre Bagdá e Samarra mostra ao viajante a precária nova realidade do Iraque. Esse é um mundo de milícias xiitas, onde muitos dos homens que carregam armas em nome do governo possuem apenas laços incertos com as forças de segurança iraquianas. Esse é um mundo onde militantes sunitas estão a poucos quilômetros de distância, depois de chegarem a cerca de 80 quilômetros de Bagdá em seu ataque inicial, de onde não conseguiram mais prosseguir.

Os viajantes devem compreender sinais que seriam invisíveis para os recém-chegados: bandeiras e uniformes sinalizam perigo ou segurança.

– Você está entrando em uma zona de guerra – afirmou um atirador em um posto avançado perto da cidade de Balad, cerca de 40 quilômetros ao sul de Samarra.

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Ele usava calças largas, uma camiseta e um quepe da polícia federal, além de um colete com munições. Era impossível saber de que lado estava, mas uma bandeira amarela com imagens verdes pintadas balançava na traseira de uma caminhonete parada logo ao lado. Essa é a bandeira do Kataib al-Hezbollah, milícia treinada e financiada pelo Irã.

As milícias xiitas mascaram sua presença com bandeiras. Em Dujail, ao norte de Bagdá, há uma bandeira do Asaib al-Haq: um fundo branco com um desenho do mapa do Iraque em verde, coberto por a imagem de um Kalashnikov e duas espadas.

O Asaib al-Haq se orgulha por ser a mais dura milícia financiada pelo Irã no Iraque. Assim como no Kataib, seus membros estão habituados ao campo de batalha, tendo enfrentado as forças do presidente Bashar Assad na Síria, e estão mais bem preparados para esta guerra do que muitas outras pessoas. Mais ao norte, nos arredores de Samarra, é possível ver a bandeira de uma nova milícia formada pelo clérigo radical xiita Muqtada al-Sadr, exibindo uma pomba e o seu retrato.

O sagrado Templo de Askariya, em Samarra, conta com as tumbas de dois imãs xiitas, e os xiitas juraram protegê-lo. O objetivo dos militantes sunitas é destruir ou danificar o templo, como fizeram em 2006, levando a terríveis conflitos sectários que duraram até 2008.

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Naquela época, depois de sofrerem por mais de dois anos com ataques suicidas de homens-bomba, os xiitas se voltaram contra os sunitas. As forças de segurança ocidentais afirmam que o grupo extremista sunita que lidera o ataque atual – O Estado Islâmico do Iraque e do Levante, ou EIIL – espera que isso volte a ocorrer, atraindo toda a comunidade sunita para sua causa.

– Esta área é extremamente vital – afirmou o tenente-general Sabah al-Fatlawi, chefe do Comando das Forças Especiais de Samarra, à frente das batalhas na cidade e que agora conta com centenas, senão milhares, de voluntários e milicianos xiitas.

Embora os militantes sunitas tenham sido empurrados de volta para os arredores da cidade, eles continuam a disparar morteiros em sua direção, com o objetivo de danificar o magnífico domo dourado. Uma barreira explodiu no início de julho a apenas 15 metros da entrada do templo.

Uma caminhonete passa cheia de homens jovens vestidos de bege. Se eles estavam armados, as armas não eram visíveis, e suas faces inocentes indicavam que eram voluntários. Eles pareciam extremamente vulneráveis na caçamba da caminhonete aberta. Em qualquer outro ano, seriam um grupo de jovens indo aproveitar as sombras dos palmeirais que enfeitam ambos os lados da estrada.

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A ofensiva do EIIL e a subsequente convocação para a guerra feita pelo grande aiatolá Ali al-Husseini al-Sistani, clérigo chefe dos xiitas iraquianos, trouxe um grande número de voluntários para o exército iraquiano e para as milícias xiitas. Voluntários dessa região estão sendo treinados em um campo no interior de Balad, onde a eletricidade é escassa e bandeiras negras ou verdes – duas das cores prediletas dos Xiitas – podem ser vistas em portões e janelas.

Os ânimos andam agitados no acampamento. Apensar do calor escaldante, os voluntários se alinharam para montar guarda. Quase todos os homens – entre 200 e 300, no total – arranjaram algum tipo de vestimenta apropriada para o treinamento da milícia.

A poucos metros de Balad, os sinais de uma batalha recente podem ser vistos em toda a parte: nos locais onde a grama está escura, carcaças queimadas de caminhões estão viradas como se tivessem sido varridas e derrubadas por um tornado de fogo. Os postos de checagem colocados de forma improvisada na faixa central da estrada eram pouco mais que pequenas torres com uma abertura para armas, com as paredes cravejadas de tiros.

Nessa área conhecida como Ishaki, as bandeiras pertencem ao Kataib al-Hezbollah.

Quando um carro para no posto de checagem, a estrada está completamente silenciosa, exceto pelo som do vendo batendo na grama alta e nas palmeiras. O olhar desconfiado dos atiradores e a falta de qualquer outro sinal de vida deixam uma sensação tenebrosa, como se todos estivessem esperando, observando, temendo que algo ou alguém ainda esteja por ali.

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Poucos quilômetros adiante, o clima fica mais leve. É possível ver algumas lojas de beira de estrada, alguns melões ao sol, com os donos esperando do lado de dentro. Em uma grande rotatória, cerca de 20 carros e caminhonetes passam com bandeiras da nova milícia de al-Sadr, a Saraya al-Salam, ou Brigadas da Paz.

Apesar do templo xiita bem no meio da cidade, Samarra tem maioria sunita, de forma que a chegada de milhares de milicianos xiitas foi vista com desconfiança. A cidade parece estar completamente deserta, e os peregrinos que costumavam encher as ruas do centro pararam de vir há alguns meses.

Como parte da iniciativa para não sobrecarregar os habitantes da cidade, os membros da milícia de al-Sadr foram enviados para a periferia da cidade, onde a maioria dos habitantes sunitas têm menos chances de encontrá-los, afirmou Hakim al-Zamili, o líder da milícia de al-Sadr.

Agora restam apenas os voluntários que vieram para proteger o templo. No calor do meio-dia, praticamente todos eles estão espalhados pelo saguão de entrada, dormindo um sono profundo, como se tivessem sido drogados.

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Um dos poucos que não estava dormindo era Sabah Sadiq, de 55 anos, que trabalha de tempos em tempos na reconstrução do templo, mas que havia voltado para sua casa em Nasiriyah no sul do Iraque. Quando ouviu falar na convocação feita por al-Sistani no dia 13 de julho em prol da defesa do país, ele correu de volta para Samarra.

Muito gentil, ele explicava para um visitante o que havia em cada uma das quatro tumbas da área central do templo, sempre procurando as palavras certas para falar sobre seus sentimentos e o de muitas outras pessoas que se voluntariam para ajudar.

– Agora nós estamos prontos para sermos mortos. Esses são nossos imãs e este é um dos lugares mais sagrados de todo o Iraque – afirmou com um tom suave.

Eles são como membros de nossas famílias, afirmou a respeito dos imãs enterrados no local.

– Essa é uma de nossas maiores prioridades. É mais importante que nossas vidas – afirmou.

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