
Camila atende o telefone. Ela tem a voz doce, fala devagar, num tom sereno que pouco se altera no decorrer da conversa. É agradável ouvi-la contar sobre a infância em São Bento do Sul, quando ainda era uma menina jogando futebol entre os garotos da escola.
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— Foi lá onde tudo começou. Eu gostava de jogar bola com meu irmão, quatro anos mais velho que eu. Foi ele que me influenciou — recorda.
A jovem Camila Martins Pereira, de 24 anos, está em Orlando, na Flórida. Ela se mudou para os Estados Unidos dois anos atrás para jogar pelo Orlando Pride, um dos grandes times do futebol feminino, que tem no seu rol de estrelas ninguém menos que Marta, a brasileira eleita seis vezes a melhor do mundo.
Poucos dias atrás, Camila recebeu a notícia que toda jogadora mais espera: a catarinense foi convocada pelo técnico Vadão para defender o Brasil na Copa do Mundo de Futebol Feminino, que inicia em junho, na França. Será a estreia dela em mundias.
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— Acho que todo atleta, independente do esporte, tem esse sonho de defender o próprio país. E era algo que eu já tinha como meta desde quando saí da casa dos meus pais. Pra mim, é um momento muito gratificante, principalmente porque eu acabo de me recuperar de uma lesão — declara.
Nos gramados, Camila vira Camilinha – como a jogadora é conhecida por conta de sua baixa estatura. Para alguém que gosta de se retratar como uma "menina-mulher", o apelido faz ainda mais sentido. Outras palavras que ela cita são "coragem" e "superação", essas duas para definir sua trajetória.
Em busca do sonho de ser jogadora, Camilinha saiu da casa dos pais aos 13 anos, deixando para trás os olhares de estranhamento de quem não entendia a escolha dela pelo futebol.
— O início é mais complicado, o preconceito sempre ocorreu, inclusive na própria família. Como eu era muito nova, não entendia direito e deixava de lado. Alguns anos depois foi acontecendo mais. Ofensas, xingamentos, assédio verbal. É o que mais ocorre — relata, e acrescenta que essa realidade é mais cruel no Brasil.
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A jogadora da seleção brasileira hoje se considera feminista, e diz ter encontrado um jeito próprio de responder aos insultos: com futebol, fazendo o que sabe melhor. Nesse caminho difícil, ressalta que contou com o apoio dos pais, Edson e Iraides.
— Meu pai sempre me incentivou muito, me levava aos treinos. Agradeço muito a eles por todo o apoio que me deram, sempre me incentivando para que eu não deixasse o futebol.
Aprendendo na prática
A caçula entre os três filhos de Edson e Iraides, um irmão e uma irmã, Camilinha passou parte da infância e praticamente toda a adolescência se dividindo entre o futsal e os estudos – o futebol só viria um pouco depois. No meio disso, conta ter aprendido com a vida a como se entender e buscar ser feliz.
— Ao mesmo tempo em que tinha que treinar, estudar, eu queria descobrir quem eu era fora de quadra, queria sair, me divertir. E assim eu fui aprendendo, com a vida, com as pessoas. Tive meus altos e baixos, por achar que eu já era madura o suficiente, mas eu era só uma menina — desabafa.
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Uma menina que já jogava como gente grande. Nas quadras catarinenses, a jovem logo chamou a atenção. Primeiro, na equipe de Futsal do Falcão, ainda em São Bento do Sul, e depois em times como a Malwee e o Jaraguá do Sul.
Em 2012, passou ao futebol de campo, no então Kindermann, de Caçador. Os bons desempenhos se repetiram nos gramados, com a habilidade e a rapidez herdadas das quadras, e em 2013 ela foi convocada pela primeira vez para a seleção brasileira sub-20, onde alcançou a titularidade na lateral-esquerda.
A trajetória de sucesso teve sequência no Houston Dash (EUA), com passagens ainda pelo Corinthians-Audax, até a chegada ao Orlando Pride, em 2017.
Longe de casa, nos Estados Unidos, ela ainda sente falta do convívio com os familiares e amigos da pequena cidade natal, mas encontra afeto para lidar com a distância nas amigas que fez em campo. Para esfriar a cabeça e se desligar um pouco da intensa rotina de treinos, Camilinha conta que costuma visitar as colegas.
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— Às vezes eu vou na casa da Marta, a gente faz uma "resenha", conversa, toca violão. Ela toca violão, eu tento cantar um pouco. Também gosto de passear por parques da cidade.
A saudade da família ameniza aos finais de temporada, quando ela volta a São Bento do Sul para passar um, dois meses.
— É a mesma casa onde eu vivi desde os 8 anos de idade. É muito bom, é o meu berço, eu posso estar aqui, no Estados Unidos, ou em outros lugares, mas é sempre diferente quando você está com a sua família.
Apesar disso, a jogadora revela que não pretende voltar a morar no Brasil. Camilinha está feliz onde está, com a vida que escolheu, e caminha com as próprias pernas para se tornar uma mulher.
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