O vocabulário vasto, a facilidade de comunicação e a desenvoltura podem até enganar, mas o uniforme do colégio e os 14 anos na carteira de identidade não deixam mentir: Laura Sumensari é uma garota que recentemente entrou na adolescência. A diferença é que enquanto outros jovens da mesma idade preferem arrastar o dedo sobre a tela do celular à procura de fotos para curtir, ou fazer maratona de seriados na internet, ela já procura vivenciar e tentar entender a política. Fala em mudar a comunidade onde vive e em incentivar a participação maciça das mulheres. Laura quer fazer diferença e ser parte de um processo de renovação.
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Eleita vereadora mirim em Blumenau neste ano e empossa na última semana, a garota faz parte de um grupo de 15 jovens que têm a chance de ser o novo fôlego da política, inseridos em um projeto que é pioneiro em Santa Catarina. Crianças e adolescentes que mesmo em meio a escândalos espalhados pelo país e a radicalismos que pendem a bombordo e estibordo, fazem questão de estar em um plenário, representando uma fatia da sociedade.
– Hoje a política está ligada à corrupção, mas não é só isso. Há todo um trabalho sério por trás e pelo menos isso eu quero poder levar de lição. Quero sair daqui querendo, no mínimo, votar melhor – conta a legisladora mirim, eleita na última segunda-feira presidente da Mesa Diretora.
Laura integra a 19ª legislatura da Câmara Mirim de Blumenau, projeto que iniciou em 2000 capitaneado pelo ex-vereador Deusdith de Souza. De lá para cá, poucos deram sequência à vida política na prática, embora outros almejem conquistar uma cadeira pública daqui para frente. É o caso do ex-vereador mirim Igor Felipe Stanck, 18 anos, hoje coordenador da ouvidoria da Câmara. Foi justamente no período em que pôde participar do programa, em 2013, que despertou nele o interesse em se aproximar do Legislativo municipal. Anos depois tornou-se estagiário de um vereador e percebeu que estar naquele lugar era realmente o que queria.
– E tudo começou cinco anos atrás, quando fui vereador mirim e percebi que as pessoas querem políticos que falam a verdade, não aqueles que enrolam, dão tapinhas nas costas e dizem que vão dar um jeito para as coisas – defende Stanck.
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Por outro lado, há uma maioria que sequer cogitou a possibilidade de concorrer a qualquer que fosse o cargo ou mesmo se inserir em algo que envolva política. Demérito? Para Rafaela de Oliveira, 31 anos, longe disso. Integrante da primeira legislatura de um projeto até então inédito no Estado em 2000, ela conta que não passou nem perto de ter um cargo público, mas que mesmo assim os ensinamentos daquele ano foram capazes de torná-la uma pessoa mais apta a pensar:
– Não me tornei política, nem tive qualquer cargo público ou algo parecido. Então, aquele foi um ano perdido? Com certeza não. Foi um ano para entender
a importância de ser um indivíduo pensante, para aprender sobre cidadania e compreender que somos responsáveis pelo rumo do nosso país.
Idealizador do programa defende criação de uma Câmara Jovem
Para o criador do programa, o ex-vereador Deusdith de Souza, uma forma de dar mais relevância ao projeto seria criar uma Câmara Jovem – espécie de sucessão da Câmara Mirim –, com alunos de 15 a 18 anos do Ensino Médio. Para o ex-parlamentar, participar da iniciativa provoca interesse no jovem de se tornar ativo politicamente, formando não necessariamente políticos, mas também cidadãos mais participativos.
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– Não gosto de dar pitaco, até porque as últimas conduções têm sido maduras, mas essa ideia seria interessante e se tornaria uma extensão da Câmara Mirim, com o objetivo de despertar a cidadania nos jovens – argumenta Desudith.
A Câmara Mirim foi pioneira em Santa Catarina, se consolidou ao longo dos anos e permitiu a inserção de jovens no âmbito político. Porém, ampliar o projeto, o que culminaria em uma expansão da vivência política para os mais jovens, esbarra em barreiras como a própria questão orçamentária. O coordenador do programa, Wagner Schanaider, valoriza a formação de cidadãos via projeto, mas explica que a falta de dinheiro para levar os vereadores mirins diretamente à escola é o que freia uma ampliação do projeto.
– São muitas as barreiras, infelizmente. A principal envolve recursos. Fazemos sessões itinerantes nas escolas duas vezes ao ano, nas quais crianças e adolescentes podem conhecer o programa e ter uma prévia de comoé o trabalho de legislador. Mas essas sessões têm um custo e por isso são limitadas – lamenta o coordenador.
Há trabalhos paralelos que são desenvolvidos junto à Câmara Mirim, mas hoje eles são restritos e só ocorrem graças a trabalhos voluntários. É o caso de palestras organizadas pelo diretório acadêmico de Direito da Furb, que traz à sala de aula o debate sobre questões que envolvem os três poderes. Levar a discussão política para a escola, de acordo com o cientista social e professor da Furb, Josué de Souza, é fundamental para a construção do saber político na população. Para ele, há uma contradição de ideais no próprio legislativo municipal de Blumenau.
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– Recentemente a Câmara de Vereadores de Blumenau estava propondo um projeto para proibir as discussões políticas em sala de aula, isso contraria o ideal da Câmara Mirim, que é de despertar um conhecimento e discernimento político entre os alunos e nada melhor que o ambiente escolar para isso – defende o cientista político, lembrando a polêmica sobre o Programa Escola Sem Partido, que foi arquivado nesta semana e proibia professores de apresentar opiniões políticas em sala de aula.
Aumentar a participação feminina é um dos desafios
A Câmara Mirim de Blumenau historicamente é o oposto da Câmara de Vereadores quando se fala de representatividade das mulheres, com a maioria das cadeiras ocupadas por garotas. É diferente do que ocorre nas eleições municipais, que há dois pleitos não elege uma vereadora – a última mulher eleita no Legislativo municipal foi Helenice Luchetta, em 2008.
O doutor em Sociologia e professor de Ciências Políticas da Furb, Oklinger Mantovaneli Júnior, afirma que historicamente a sociedade atribuiu ao homem questões que envolvem valor e tomada de decisões e que isso precisa ser desconstruído, o que, para ele, é uma das missões do programa:
– Não adianta termos um monte de meninas na Câmara Mirim, sem que elas tenham a informação de como isso se dá nas câmaras adultas e o significado que isso tem. Esse assunto é tão importante que as Nações Unidas pactuaram que até 2030 é preciso melhorar índices relacionados à participação feminina na política.
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Desde 2000, seis projetos de vereadores mirins viraram leis
Os alunos, além de vivenciarem todo o ambiente legislativo, também têm condições de criar projetos de lei. De 2000 para cá, 46 propostas foram apresentadas e votadas nas sessões da Câmara Mirim e alguns deles saíram do papel, após apreciação e aval da Câmara de Vereadores. Uma demonstração de que é possível trazer mudanças à sociedade.
Ao todo, seis propostas alcançaram este status de lei, como a que disciplina a coleta seletiva de materiais no município, aprovada em 2006. Dos projetos incluídos nas leis municipais, muitos afetam diretamente a vida escolar dos alunos em diversos segmentos, como a que dispõe sobre a implantação de hortas nas escolas municipais (foto); sobre a obrigatoriedade das escolas públicas apresentarem relatórios dos cardápios da merenda escolar; e da criação de campanha para arrecadar livros por meio de doação, para que eles sejam destinados às escolas públicas do município.
Outro projeto relevante e que envolve os jovens também só saiu do papel após discussão dos vereadores mirins. Também em 2006, foi sancionada a lei que trata de violação dos direitos de crianças e adolescentes, que prevê a colocação de urnas nas escolas públicas, privadas e em Centros de Educação Infantil (CEIs), com o intuito de coletar denúncias de violência familiar, social e institucional.
Lei municipal que dispõe sobre a implantação de hortas nas escolas municipais teve origem em proposta da Câmara Mirim, em 2000.
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