Com a posse do primeiro vereador cadeirante na história de Joinville, Alisson Julio, a Câmara de Vereadores da cidade precisou passar por algumas adaptações de acessibilidade. Ajustes de mesas, púlpito no plenário e rampas de acesso são alguns dos exemplos. Mas a pergunta que fica é: por que alguns lugares começam a pensar em acessibilidade quando alguém, de fato, passa a utilizá-los?
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A reportagem do AN visitou a Câmara de Vereadores acompanhada do presidente do Centro Esportivo para Pessoas Especiais (Cepe) e também vice-presidente do Conselho Municipal do Direito da Pessoa com Deficiência, Sérgio Luiz Celestino da Silva, que é cadeirante há mais de 30 anos, para verificar o que ainda precisa ser feito no local que, até antes da pandemia, recebia público constantemente.
A Câmara de Joinville foi projetada e construída entre os anos 2000 e 2003. Naquele período, as regras vigentes de acessibilidade correspondiam às definições da legislação de 1994. De acordo com o engenheiro civil responsável pelas adaptações do prédio, Nion Bransfeld, desde então a estrutura passa por mudanças de acordo com as revisões das normas.
– O entendimento sobre acessibilidade era outro naquele período. Mas temos feito melhorias, temos ações para este ano e também para o próximo – pontua.
DIFICULDADES NA CÂMARA
A dificuldade para quem é cadeirante e acessa a Câmara já começa logo na porta de entrada. A principal rampa de acesso é longa e muito inclinada, fora dos padrões estipulados pelas Normas técnicas Brasileiras (NBRs).
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– Aqui começa a ficar difícil – diz Sérgio logo nos primeiros 10 segundos da subida que leva, pelo menos, dois minutos, sem contar com a parada para o descanso.
Ele reforça que, para pessoas que possuem doenças mais graves e, portanto, necessitam de cadeiras motorizadas, a dificuldade para subir a rampa não é tão aparente. Esse seria o caso do vereador Alisson Julio, por exemplo. No entanto, cadeirantes que tenham condições de se movimentar manualmente – e que precisam manter a movimentação desta forma para garantir a atividade física – enfrentam dificuldades, especialmente quando acessem ao local sozinhos.

De acordo com engenheiro Nion, a Câmara está abrindo o processo de licitação para a construção de uma segunda entrada.
– Hoje a Câmara tem uma entrada, que é pelo primeiro piso. A ideia é fazer adaptações no térreo e uma segunda entrada para dar mais facilidade a pessoas com deficiências ou problemas com locomoção – explica o engenheiro.
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Pontos para melhorar no elevador e nos banheiros
Seguindo o percurso, ao subir pelo elevador, outra dificuldade apontada está nas teclas para selecionar o andar. Mesmo que contem com o sistema Braille, as teclas são hipersensíveis ao toque. Na tentativa de encontrar o andar, pessoas com deficiências visuais acabam selecionando mais botões, o que dificulta o acesso.
– Quando a gente fala de acessibilidade, falamos em desenho universal para atender a todas as pessoas com deficiência. E que não precisasse ficar adequando, porque a reforma é muito mais cara e trabalhosa. É preciso atender a todas as pessoas. É o direito delas irem aos locais sozinhas – reforça o presidente do Centro Esportivo para Pessoas Especiais (Cepe) e também vice-presidente do Conselho Municipal do Direito da Pessoa com Deficiência, Sérgio Luiz Celestino da Silva.
Segundo a Câmara de Vereadores, neste caso, o elevador é um item adquirido e que já vem com as características de fábrica. No entanto, para 2021 o projeto é de instalação de um segundo elevador que funciona como plataforma de acessibilidade. O projeto está em etapa licitatória.
No segundo piso da Casa, a dificuldade apontada está nos banheiros. Mesmo que eles possuam divisórias para cadeirantes, algumas estão fora da regra que padroniza o espaço, além de não serem exclusivas: os espaços são compartilhados com os banheiros tradicionais.
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– Você consegue imaginar a dificuldade que é para um cadeirante se despir para conseguir fazer as necessidades? Imagine como é chegar em tempo ao banheiro para isso, estando sozinho e enfrentando esses obstáculos – aponta Sérgio.

Chegando ao plenário, as vagas para cadeirantes estão bem sinalizadas e fáceis de acessar, conforme previsto nas NBRs. Para que o vereador Alisson conseguisse utilizar o local, foi necessário fazer a compra de uma nova mesa, além de ajustes na altura do púlpito e inclusão de barras de segurança nos locais de passagem.

Outras mudanças já foram feitas, como era o caso do Plenarinho. O chão, anteriormente, era revestido com carpete, o que prejudicava o desempenho e velocidade para cadeirantes, além do acesso para pessoas com outras deficiências, como as visuais, por exemplo. Ainda assim, o presidente do Cepe aprovou as ações.
– Ficou fantástica a adequação no Plenarinho.
“Pensar em acessibilidade é pensar em espaços onde qualquer pessoa possa usar a qualquer momento da vida”, diz especialista
Para o escritor e especialista em acessibilidade Mário Cézar da Silveira, ainda hoje a Câmara de Vereadores não é adequada à acessibilidade, apenas conta com adaptações que facilitam o uso.
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– A acessibilidade é importante porque a deficiência não está no sujeito. Está nas barreiras colocadas pelas construções. Ela é uma forma de igualar as pessoas para que elas não tenham barreiras ao utilizar o espaço – comenta Silveira.
Ele reforça que a acessibilidade não deve ser entendida como adaptações para determinadas pessoas precisarem acessar ao espaço, mas sim para dar a mesma possibilidade a todas. O direito de ir e vir é básico e há, segundo ele, a necessidade de garantir o cumprimento do preceito constitucional.
– Se todos nós pensássemos que ter deficiência é uma possibilidade inerente à fragilidade humana, faríamos todos os espaços acessíveis. Ter perdas funcionais é tão fácil quanto envelhecer. Pensar em acessibilidade é pensar em espaços onde qualquer pessoa possa usar a qualquer momento da sua vida – pontua o especialista.
Vice-presidente do Conselho Municipal do Direito da Pessoa com Deficiência, Sérgio Luiz Celestino da Silva sustenta a importância da acessibilidade em todos os locais, sobretudo na Câmara de Vereadores:
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– Aqui é a casa de leis, é a casa do povo. Local onde todas as pessoas deveriam participar. Daqui saem as leis. Não adianta fazer leis cobrando o cidadão, se você não dá exemplo na casa das leis. É importante essa questão de cumprir as normas de acessibilidade para depois cobrar dos outros – conclui.