O número de inquéritos policiais por acidentes de trânsito remetidos ao Judiciário diminuiu aproximadamente 61% entre 2015 e 2017. Os dados, coletados no Sistema Integrado de Segurança Pública (Sisp), demonstram que no ano passado foram 104 procedimentos encaminhados, enquanto em 2015 a quantidade chegou a 269. A queda pode ter relação com a extinção da Delegacia Especializada em Delitos de Trânsito, no início de 2016, para dar lugar à Delegacia de Homicídios (DH).
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O ano de 2018 iniciou com a mesma perspectiva, entre janeiro e fevereiro, oito inquéritos decorrentes dos acidentes de trânsito haviam sido enviados. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê infrações civis e administrativas, punidas pelos órgãos de trânsito, e infrações penais, que são os crimes de trânsito, em que o responsável, além de ser autuado, sofrerá um processo judicial criminal.
De acordo com o juiz Décio Menna Barreto de Araújo Filho, do Juizado Especial Criminal e Delitos de Trânsito, a redução no encaminhamento destes documentos preocupa porque, entre outros fatores, reflete diretamente na punição para os envolvidos neste tipo de crime. Os delitos de trânsito vão desde provocar a morte de alguém durante um acidente até não prestar socorro a uma vítima, por exemplo.
— A situação se agrava a tal ponto que uma parte dos inquéritos de trânsito estão parados. Não há punição para todos os crimes que acontecem — explica o juiz.
As penas para os crimes de trânsito envolvem, por exemplo, a prestação de serviços comunitários, como projetos voltados para educação no trânsito, pagamento de multas e até a detenção. O magistrado acredita que o fechamento da delegacia especializada em Joinville foi o fator principal para a diminuição e a morosidade na conclusão destes procedimentos.
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Atendimento inicial fica a cargo da PM
Antes do encerramento, a unidade joinvilense tinha a atribuição de investigar e remeter ao Judiciário todos os delitos de trânsito ocorridos no município, inclusive os que envolviam vítimas fatais. Agora, as delegacias dos bairros da Polícia Civil é que assumiram essa atribuição. A apuração dos delitos acrescenta-se às outras atribuições que essas unidades possuem causando a lentidão nos casos, segundo Menna Barreto.
O atendimento inicial dos acidentes é feito pela Polícia Militar (PM), em crimes de baixa complexidade – com pena máxima de dois anos – é elaborado um termo circunstanciado. Nos casos com vítimas, por exemplo, é responsabilidade da PM registrar os boletim de ocorrência e levar o caso à delegacia de polícia, para a sequência da apuração.
Neste momento, quase todos os documentos enviados ao Judiciário tratam de situações de flagrante, que têm obrigatória comunicação ao juiz. Os demais casos, segundo ele, permanecem nas delegacias.
Reflexo da extinção de delegacia
De acordo com a delegada regional da Polícia Civil, Tânia Harada, com o encerramento da delegacia especializada em trânsito, a apuração dos crimes de trânsito concorre com a apuração de outros delitos, como os de furto e roubo, por exemplo. A delegada também acredita que a diminuição no envio dos procedimentos pode ter sido reflexo da extinção da especializada. De uma maneira geral, o melhor resultado é proveniente das unidades especializadas, como é o caso da DH, por exemplo.
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— Em nosso plano de gestão da Delegacia Regional de Polícia (DRP), há a previsão de transformação das delegacias de área em especializadas. Neste projeto, cabe uma delegacia especifica em trânsito, em furtos e roubos, capturas, etc. — esclarece Tânia.
Além disso, segundo a delegada, a questão também esbarra no necessário entendimento da comunidade sobre o papel da Polícia Civil – que atua de forma investigativa após a prática do crime e não de forma preventiva – e ainda dificuldades referentes a recursos materiais e também humanos.
Juiz defende volta de unidade especializada
Em 2016, ano em que foi iniciada a Delegacia de Homicídios na cidade, Joinville registrou 126 assassinatos. Para reverter essa situação, foi criada a DH. Conforme a Polícia Civil, essa estruturação contribuiu para a diminuição em quase 35% assassinatos registrados no início deste ano. Na contramão deste cenário, o juiz argumenta que o número de mortes no trânsito ocorre quase na mesma medida que os assassinatos e, portanto, um tipo de delito “não deveria se sobressair ao outro”.
Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) da Secretaria de Estado da Saúde demonstram, por exemplo, que em 2016, 91 pessoas morreram em decorrência dos acidentes de trânsito na cidade. Menna Barreto também esclarece que as mortes em delitos de trânsito também são consideradas mortes violentas e de bastante impacto para quem vivencia.
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Este é outro fator pelo qual o juiz defende a volta de uma unidade especializada. Além da demora na penalidade e da morosidade nos procedimentos, o impacto causado na vida das pessoas que sofrem essas perdas também se agrava com a demora na resposta. Ele conta que recebe diariamente no gabinete pessoas questionando sobre o andamento dos processos, seja de familiares que perderam alguém, pessoas que ficaram com sequelas ou que tiveram algum tipo de dano após os delitos de trânsito.
— Uma morte no trânsito tem um impacto infinitamente maior do que uma morte decorrente de uma guerra de facção, por exemplo. Você tem o pai, por exemplo, que sai para ir ao supermercado e não volta nunca mais — argumenta.