Um galpão com 150 homens confinados num ambiente insalubre, dormindo amontoados em colchões pelo chão, passando 22 horas por dia sem sol, comendo mal, fazendo as necessidades fisiológicas em buracos no chão na frente dos colegas e com uma ideia fixa: fuga. Essa bomba-relógio fica ao lado de prédios, casas residenciais e de uma empresa de transporte de valores. É a Central de Triagem, o famoso Cadeião do Estreito.
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A unidade que faz a seleção de homens detidos provisoriamente na Grande Florianópolis – incluindo membros de facções criminosas de Santa Catarina, São Paulo e Rio – fica num dos bairros mais tradicionais da parte continental de Florianópolis. A não ser em jogos do Figueirense, o silêncio na Rua Vereador Gercino Silva é quebrado apenas pelas sirenes das viaturas transportando presos ou da polícia, chamada para conter fugas, motins ou auxiliar na segurança dos agentes penitenciários durante revistas aos detentos.
Foi assim há três domingos, quando a PM fez a contenção durante pente-fino em 70 presos. Um detento foi retirado porque estaria repassando bilhetinhos e os colegas começaram uma “pedalada” (chutes nas grades). Todos foram levados para o pátio. A tentativa de fazer um túnel foi encontrada. Uma semana antes, uma rota de fuga quase terminada foi descoberta. As más condições de vida no local, somadas ao principal problema de lá – a superlotação – acentuam ainda mais entre os presos a vontade de escapar.
Os mais vulneráveis, além dos agentes, são moradores da região. Em uma das fugas, presos pularam para dentro da garagem do edifício vizinho. O Estado teve que aumentar o muro e colocar tela nos fundos do prédio. Uma moradora antiga do local, com 66 anos, conta que seu único receio é virar refém no portão.
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Para diminuir a sensação de insegurança, uma outra vizinha, de 59 anos, colocou cerca elétrica na casa.
– Dá medo de morar perto. E ainda tem presos que ficam uma, duas noites, e são soltos. Eles vêm aqui pedir dinheiro para voltar para casa. A maioria é de Palhoça, Biguaçu e São José. A gente fica com medo de represália se não dá – falou.
Jogo de empurra impede uma mudança de cenário
O Cadeião não foi projetado para ser uma unidade prisional. Antigamente, o galpão era repleto de mesas de sinuca, onde campeonatos eram disputados. Depois, recebeu a 3ª DP, que tinha uma pequena carceragem. A delegacia foi transferida para o Bairro Capoeiras e a cela foi sendo ampliada até virar o que veio a ser chamado de Cadeião.
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O principal problema ali é que os detidos chegam, passam pela triagem e não têm prisão para serem transferidos. Não há lugar no sistema prisional. O déficit passa de 5 mil vagas. Chegam ao local em média 200 homens por mês. Eles ficam cerca de 25 dias na unidade.
Por mais que a administração do Cadeião e o próprio Departamento Estadual de Administração Prisional (Deap) tenham boa vontade, não há como inventar vagas. A unidade tem capacidade para 68 presos, mas funciona com média de 150. Se passar desse número, não haverá equipe suficiente para segurar rebeliões e fugas. São quatro agentes no plantão, quando o mínimo aceitável é seis. Muitas vezes, são três ou até dois agentes no plantão para cuidar da bomba-relógio.
A principal solução é não aceitar preso de fora de Florianópolis. Para isso, a Lei de Execuções Penais teria de ser cumprida. Ela prevê uma unidade prisional em cada sede de comarca, ou seja, em um ou mais municípios que abrigam um Fórum. Palhoça e São José teriam que fazer suas próprias unidades.
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Palhoça só possui a unidade agrícola, que não serve para presos provisórios. Os prefeitos sempre arrumam um jeito de impedir as construções, o governo estadual não pressiona e o Judiciário não determina. Os dois municípios só “exportam” e não acolhem presos. Enquanto isso, Florianópolis abriga detentos dessas cidades em sua Central de Triagem do Estreito.
Outra solução passa pela Justiça. Tanto de outros estados, que poderiam agilizar a transferência e o recebimento de seus presos, que às vezes ficam até seis meses no Cadeião, como a catarinense, que deveria acelerar a revisão dos processos penais para aumentar as vagas do regime semiaberto no sistema. É um efeito-dominó. Alguém que ganha a liberdade lá na ponta possibilita a abertura de uma vaga no sistema, que é ocupada por alguém no Cadeião à espera desta vaga.
:: Contrapontos
O que diz o Deap
O diretor do Departamento de Administração Prisional, Leandro Lima, afirmou que havendo autorização de uma cidade, existe projeto e dinheiro para erguer uma nova central de triagem em seis meses. A unidade teria capacidade para 376 presos e a atual seria desativada.
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O diz a prefeitura de São José
Alega que não possui terreno e afirma que no começo do ano houve reunião com o governo do Estado e o diálogo é mantido. Acrescenta que a cidade abrigava o Centro Educacional São Lucas, embora a unidade esteja desativada e seja para adolescentes, o que não tem qualquer relação com o sistema prisional.
O que diz a prefeitura da Palhoça
A prefeitura diz que as pessoas da cidade detidas em Florianópolis são 10% do número de criminosos abrigados pela Colônia Penal Agrícola de Palhoça.
O que diz a Justiça
O juiz corregedor do Tribunal de Justiça, Alexandre Takaschima, diz que por tratar-se de uma região metropolitana, pode haver uma única unidade, mas o ideal seria cada cidade contar com a sua, porque tudo seria mais ágil. Ele afirma que a situação é motivo de reuniões e que a superlotação é consequência da falta de vagas no sistema prisional.
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O que diz o Ministério Público
O promotor Daniel Paladino disse que a instituição é favorável à desativação da unidade prisional. Ele disse que em 2009 ação do MP pediu o fechamento do cadeião porque a área não permite uma cadeia no local. O governo estadual recorreu e até o momento não há definição.
:: O panorama
:: 30 centímetros de concreto, uma tela reforçada, duas cercas elétricas, um muro de três metros e sistema de videomonitoramento separam os presos da liberdade.
:: 2 agentes para a revista; 4 no plantão, 12 no expediente (escolta, documentação).
:: 1 viatura para escolta e uma Ipanema antiga para o expediente. O ideal são cinco viaturas.
:: Presos chegam entre 8h e 19h e saem até as 22h.
:: 2 pátios pequenos para banho de sol.
:: 5 problemas de saúde ocorrem por semana, em média, na unidade, que não tem setor de enfermagem. Doentes são levados à postos de saúde no bairro ou hospitais na região.
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:: Não oferece trabalho nem estudo.
:: Não tem biblioteca porque os detentos, durante crise de abstinência, fumaram os livros numa mistura de papel picado, pasta de dente e pó de café.
:: Não tem TV porque presos divergiam sobre canais e a ideia é minimizar conflitos.
:: Só é permitido ouvir programas religiosos no rádio.
:: 2,3 mil presos passaram pelo Cadeião em 2012.