Conectados, dispostos a abrir mão da felicidade no trabalho em troca de estabilidade financeira e a fazer concessões para que o Brasil promova grandes reformas, como a da Previdência e a política: o retrato do jovem catarinense que emerge do Projeto 18/34, uma pesquisa feita pelo Núcleo de Tendências e Pesquisa do Espaço Experiência da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), revela uma geração que não passou impune aos solavancos da recente crises política e econômica do país.
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O estudo Modelo de País, que representa a quarta edição nacional do levantamento feito pela PUCRS, indica uma guinada nas ambições dos jovens entre 18 e 34 anos. Para se ter ideia da mudança comportamental, ser feliz no trabalho deixou de ser a prioridade — como era há quatro anos para 43,8% dos entrevistados no Sul — para dar lugar a um bom salário, conforme agora afirmam 36% das pessoas dessa faixa etária consultadas ao longo de todo o ano passado, que antes eram 31,3%. Essas últimas diferem das 33,6% que buscam atualmente a satisfação profissional.
O coordenador do estudo, o professor Ilton Teitelbaum, afirma que as dificuldades impostas pelo momento no país são as responsáveis por arrefecer os ânimos dessa parcela da sociedade, já que as respostas de 2013 e 2017 foram comparadas. Nesse período, ainda surgiram outros dilemas: a ansiedade e uma mudança de perspectiva sobre o que eles querem para o futuro deles próprios e do Brasil.
– Agora, eles estão pensando um pouco mais em estabilidade e dinheiro, porque a gente tem uma questão ambiental que mudou muito. É uma geração que viu desmoronar o sonho brasileiro de ser uma potência mundial. Temos uma crise que desemprega muito os jovens. E aí vem o aprendizado de buscar caminhos quando tudo dá errado, como com a onda do empreendedorismo – acredita.
Ainda em relação aos sonhos, viajar e conhecer o mundo continua sendo a maior aspiração dos jovens ouvidos na região Sul, porém houve uma redução de 13,8 pontos percentuais. O pesquisador acredita que o abandono do idealismo e a adoção do pragmatismo durante os últimos quatro anos pode deixar lições aos jovens que, em sua opinião, podem ter sido prejudicados pelos próprios pais, da materialista e workaholic geração X, que depositaram todas as expectativas nos herdeiros.
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– A resiliência, que é a capacidade de assimilação, só surge quando tu começas a levar porrada. E essa geração talvez não tivesse experimentado levar golpes anteriormente, porque as coisas estavam indo surpreendentemente bem. E aí quando eles foram sacudidos eles não tinham noção de como superar aquele negócio. Acredito que eles não estavam preparados para se frustrar – analisa.
Veja infográfico:
Modelo de País – Projeto 18/34
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Jovens Conectados
A primeira vez que Ana Luiza Mees, 18, interessou-se por tecnologia foi aos três anos de idade. Mas o despertar dela para as novas mídias não aconteceu de forma tradicional. A jovem da geração touch não se agarrou ao celular dos pais. Ao chegar à escola, quando ainda morava no interior de Santa Catarina, e se deparar com uma colega surda que usava aparelho de audição, ficou fascinada e quis entender e fazer parte daquele mundo de tantas possibilidades e poucas barreiras.
– No primeiro colégio que eu estudei em Rio do Sul, já tinha aula de informática. Era uma das que mais me interessava, além do inglês, porque era atrativa, com programas educacionais e jogos. Meus pais trabalham com tecnologia, então para mim também foi algo natural, mas não tinha contato com a empresa quando era pequena – lembra.
Mesmo com o gosto precoce pela tecnologia, ela manteve outros hábitos, como a leitura. É o reflexo preciso do que o Estudo 18/34 demonstra em 2017: cultura e entretenimento caminhando lado a lado com a tecnologia e inovação nos interesses dos jovens catarinenses. Doutor em comunicação e semiótica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, o professor de mídias sociais Celso Figueiredo vê com naturalidade esse cenário, principalmente porque o nascimento dos jovens coincide com a expansão da internet comercial no Brasil.
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– A internet trouxe um mundo novo e também um aprendizado de relacionamento social. As pessoas mais jovens entendem com mais rapidez a diferença do relacionamento intragrupal para um relacionamento extragrupal e a mistura desses ambientes. Aquela postagem que pode fazer sentido dentro de um grupo vai deixar de fazer sentido em outro mais amplo – comenta.
De mudança para Florianópolis, onde veio se preparar para a universidade, Ana Luiza percebeu a diferença com que os novos colegas da “Ilha do Silício” manejavam os gadgets – bem mais acostumados à tecnologia do que a garota que passara a infância em um sítio.
– Em geral, Santa Catarina tem um perfil social de conexão comparável aos Estados Unidos e ao Japão, então é natural que os jovens passem mais tempo online – afirma Figueiredo.
Fugindo à regra das pessoas com quem convivia, Ana Luiza só ganhou um smartphone pouco antes de completar 14 anos. O aparelho serviu para se conectar com amigos e familiares, além de buscar informações em sites e blogs. Mas não foi só isso.
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– Meus pais nunca quiseram que eu ficasse o dia todo no celular. O que nunca aconteceu mesmo, principalmente nesse último ano, que tive que estudar bastante no terceirão – opina, divergindo o intervalo entre quatro e oito horas que os jovens catarinenses disseram passar conectados por dia.
Em vez de discutir nas redes sociais, ela apostou em desenvolver soluções que pudessem ajudar outras pessoas, como também afirmam 87,7% dos entrevistados no Estado – o maior índice da região Sul e acima da média nacional (85,5%).
A garota faz parte, portanto, de uma minoria indicada pelo levantamento: só 6,6% dos adultos jovens em Santa Catarina rejeitam o debate online. Para provar o que prefere fazer com a tecnologia, ela desenvolveu um aplicativo que promove a melhoria no aprendizado de jovens, além de
integrá-los aos professores. O sistema Geni não tem fins lucrativos e está disponível para download gratuito na Apple Store e no Google Play Store.
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– Adoro acompanhar tudo o que está acontecendo, mas acabo sendo mais observadora do que atuante. As pessoas ainda não sabem muito bem como lidar com as redes sociais e geram discussões desnecessárias. Eu também tenho outras prioridades, como aprender a programar.
Veja infográfico:
Comportamento na internet
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–Meu pai e minha mãe sempre me falaram que com o trabalho a gente aprende a dar valor para as coisas. Não que não tivessem condições, mas nunca me deram nada de graça.
É assim que Rodrigo Campos, 25 anos, que nasceu e mora em Palhoça, conta por que começou a trabalhar em uma casa de sucos aos 16 anos. Desde aquela época, nove anos se passaram e muita coisa mudou. As mãos que faziam entregas agora consertam aviões. Há dois anos, o filho de um gari e uma dona de casa é professor do curso de Manutenção de Aeronaves do Senai.
Rodrigo faz parte de um um grupo significativo entre os jovens catarinenses: mais da metade deles (54,8%) entraram no mercado de trabalho até os 18 anos. O número é quase 10 pontos percentuais acima da média brasileira.
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Para o economista e cientista político Eduardo Guerini, esse início da carreira mais precoce é justificado por dois fatores: o complexo agroindustrial catarinense e a cultura do Estado. Muitos começam cedo em propriedades familiares com trabalho na lavoura ou na criação de frangos e suínos. Além disso, há a ideia de que é positivo para os jovens buscarem uma autonomia financeira desde cedo. Mas o especialista faz ressalvas: essa não é uma tendência. Com a urbanização e maior escolaridade, o que deve se ver no futuro é a entrada mais tardia no mercado de trabalho. Isso já se traduz em outro dado: 25,5% dos entrevistados de até 34 anos ainda não começaram a trabalhar em Santa Catarina – no Brasil, a média é de 27,5%.
Autor de livros sobre carreira e geração Y, Sidnei Oliveira acrescenta que muitos jovens têm estrutura familiar para se manter e, por isso, esperam uma oportunidade melhor para começar a trabalhar. Além disso, alguns não têm qualificação mínima exigida, o que também explica esse indicador.
Outro dado do levantamento é que 79,2% dos jovens catarinenses buscam trabalhar com o que gostam, seguido de perto (72,6%) pela estabilidade financeira – no cenário brasileiro os dois aparecem praticamente empatados, em 77%. Rodrigo admite que já teve um emprego só pelo salário:
– Não vejo isso como um problema. Hoje trabalho com o que gosto, mas penso na questão financeira também.
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E pensa bastante. Desde o primeiro emprego, aos 16 anos, ele divide o que ganha em três partes. Uma vai para a poupança, outra supre as contas do dia a dia e a terceira para lazer.
– Eu ainda tenho esse um terço do meu primeiro salário guardado para, em uma emergência, ter para onde correr – conta o rapaz.
Com o resto dos jovens o cenário é parecido. Os catarinenses, entre os Estados do Sul, são os que mais afirmam que economizam dinheiro pensando em reserva financeira no futuro, com um índice de 56,8% – no Brasil esse percentual é de 50,2%. Oliveira afirma que constata que os jovens estão mais preocupados com essas questões, principalmente em função da crise:
– Eles perceberam nos pais uma angústia em relação à situação financeira porque vivem no cheque especial e descontrolam o cartão. Então pensam ‘estou começando e não quero isso para mim’.
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Porém, o especialista afirma que assim como Rodrigo, que mora com os pais, muitos jovens contam com a ajuda da família para bancar parte dos custos mensais, o que também facilita na hora de economizar. Além de uma reserva financeira, Rodrigo quer crescer na profissão. Ele é o primeiro da família a entrar em uma graduação. Graças a uma bolsa de estudos, cursa Engenharia de Produção e já planeja fazer outra faculdade: Engenharia Mecânica.
– Depois de concluir os dois cursos, quero fazer uma pós, um mestrado – sonha o jovem.
Veja infográfico:
Dinheiro e carreira
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Quase 7,2 mil candidatos separavam Delcio Luiz Castagnaro Filho de realizar o sonho de cursar Medicina na UFSC e, assim, seguir os passos da irmã mais velha. Depois de estudar em colégio interno agrícola e dois anos de cursinho, o rapaz de Ponte Serrada, no Oeste catarinense, foi aprovado como primeiro colocado geral no Vestibular. Filho de pais taxistas, ele decobriu mais sobre a profissão na faculdade:
– Não chegava a pensar em estabilidade, era mais uma questão romântica. Hoje penso muito nisso, em como vai ser minha qualidade de vida – diz o rapaz de 23 anos.
Para conseguir isso, a sonhada qualidade de vida, reflete também sobre o futuro do país. Nessa preocupação, Delcio não está sozinho: 68,9% dos catarinenses também temem o que está por vir no país. Diante disso, porém, há um sopro de otimismo: 44,3% dos entrevistados no Estado acreditam que o Brasil vai melhorar.
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O universitário afirma que faz sua parte nesse processo. Procura se informar sobre assuntos relacionados à política e economia, assim como a maioria dos catarinenses (70%). Ele também está alinhado com o discurso de que o país precisa promover reformas estruturais. Apesar de ainda não ter definido a especialidade que quer seguir, Delcio garante que trabalharia mais anos para evitar um possível colapso da previdência. Ele não foge do que pensa a maioria de jovens no Estado (54,7%), que também aceitaria se aposentar mais tarde – valor similar ao da média nacional (53,6%).
Delcio diz que resolveu “despertar”, no segundo ano de faculdade e assumiu um posicionamento político. Participou do colegiado do curso e do centro acadêmico, mas se encontrou de fato no Students For Liberty Brasil, que se denomina como a maior organização de estudantes libertários do mundo. Porém, quando a discussão é para enquadrá-lo na direita ou na esquerda, Delcio se esquiva. Concorda com a direita na defesa do livre comércio, por exemplo, e com a esquerda, quando aborda as liberdades individuais. Prefere se autodenominar um “liberal gradualista”. Apesar de Santa Catarina ser o líder entre os Estados do Sul com mais jovens alinhados à direita (31,1%), a maioria busca, assim como Delcio, combinar as qualidades dos dois lados (35,8%).
O cientista político Eduardo Guerini diz que essa inclinação à direita que se vê no Estado vem sendo reforçada desde 2002, quando cresceu o nível de rejeição à esquerda e às chamadas políticas inclusivas, o que “demonstra o renascimento de uma linhagem de direita”:
– Essa linhagem conservadora é uma característica do Sul, porque grande parcela dos govenos está alinhada do centro para direita e os partidos influência na região também têm essa inclinação – reafirma.
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O estudante de Medicina acredita que essa tendência à direita aconteceu diante do que chama do “fracasso” do último governo de esquerda. Para ele, ao contrário da maioria dos jovens catarinenses (38,7%), não são apenas os políticos os principais vilões, mas o Estado:
– Não acredito em políticos bons e ruins. Ele vai ser corrupto ou não dependendo das oportunidades que tiver e do que vai acontecer depois.
Guerini afirma que outras pesquisas já demonstraram essa descrença com a classe política. O fato de escândalos de corrupação virem à tona também faz com que as pessoas deixem de acreditar em movimentos coletivos e partam para ações mais individuais:
– É um perfil do brasileiro médio, mas isso se aprofunda à medida que a juventude não vê alternativas no quadro partidário. Essa ausência de um projeto futuro, que seja inclusivo e estabeleça uma segurança cria esse vácuo.
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Veja infográfico:
Política e futuro
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