Estima-se que 5,5 mil pessoas estejam desaparecidas em Santa Catarina. O número é instável. Todos os dias, enquanto novos casos surgem, outros retornam aos lares. Parte da elucidação é consequência da criação, em outubro de 2012, do programa SOS Desaparecidos, da Polícia Militar, seguida da abertura da Delegacia Especializada, em setembro de 2013, que também trouxe evidência ao tema. Apesar de as medidas serem consideradas aquém do que deveria ser feito, o Estado avança se comparado às demais regiões do país.
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Órgãos especializados pedem mais interação nas informações nacionais, além de políticas públicas de apoio aos familiares que convivem com ausência do parente. No sentido de debater as lacunas desse problema, ocorre hoje na Assembleia Legislativa, às 8h, o Seminário Nacional de Combate ao Desaparecimento de Pessoas.
– Apesar dos avanços, ainda enfrentamos dificuldades, como a total desarticulação. Não temos um sistema de comunicação e interação com órgãos como IGP e hospitais, por exemplo. Cada Estado tem um boletim de ocorrência único, que não se comunica. São problemas básicos que dificultam o trabalho – relata o major Marcus Claudino, coordenador do programa SOS Desaparecidos.
Outro avanço ocorrido em Santa Catarina diz respeito à abertura de um banco de DNA, que desde setembro está em funcionamento. Diferentemente do que ocorre nos demais Estados, aqui ele também é utilizado na identificação de pessoas desaparecidas. O delegado Wanderley Redondo é o responsável em selecionar os casos para inclusão nessa espécie de central de dados, o que permite confrontar informações genéticas de parentes de desaparecidos com outros perfis inseridos no sistema, até mesmo em outros Estados.
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Mas para o titular da Delegacia de Desaparecidos, apesar de SC ter criado uma unificação entre os municípios catarinenses, ainda falta muito para que a integração ocorra como todo o país.
– Em relação a outros Estados, estamos em situação privilegiada. A maioria das delegacias especializadas trata apenas de crianças e adolescentes, mas nós investigamos também idosos e adultos. O que falta agora é termos acesso a dados do INSS, Bolsa Família e TRE, por exemplo. Com isso, teríamos acesso a informações sobre pessoas que constam como desaparecidas mas já faleceram ou estão votando em algum Estado – pontua o Redondo.
Números desatualizados e prevenção nas escolas
O presidente do Portal da Esperança, Gerson Rumayor, que atua na divulgação de cartazes com fotos de pessoas desaparecidas e faz um trabalho de conscientização nas escolas, também considera que Santa Catarina avançou na questão nos últimos anos, mas defende a interação maior das forças públicas para que a atum juntas na causa.
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– É um avanço termos uma delegacia especializada e o trabalho feito pela PM, mas ainda há um despreparo nas demais delegacias. Os números nacionais sobre desaparecimento de pessoas são desatualizados. Acredito que se não se trabalhar na prevenção como uma disciplina nas escolas, todo o trabalho feito atualmente vai se perder no futuro – arrisca Rumayor.
Trabalho voluntário auxilia conscientização
Há pelo menos 18 anos Amanda Boldeke trabalha com o desaparecimento de pessoas. Se envolveu com o tema a partir do sumiço do irmão, Jorge Boldelke, o qual localizou após sete anos de buscas. Foi quando criou a ONG Desaparecidos do Brasil, que ampliou a atuação de SC para todo o país, por meio da internet. Pelo site, faz o cadastro com as informações do desaparecido e presta apoio aos familiares.
A ONG ainda atua com foco no tráfico de bebês e tem em seu cadastro 148 catarinenses, vítimas desse tipo de crime nos anos 80 e 90, que esperam encontrar as mães e as famílias biológicas. Para ela, a questão do desaparecimento carece de uma visão mais ampla do Poder Público, além de maior envolvimento dos organismos do Estado no sentido de criar ferramentas que consolidem novas práticas e uma nova abordagem para este problema.
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– Temos mais de 40 projetos tramitando no Congresso Nacional, desde 2005, enfocando os desaparecidos civis, versando sobre as necessidades fundamentais do pós-desaparecimento, criação de delegacias especializadas nos Estados e integração do sistema que ainda aguardam aprovação – critica Amanda.
Deu no DC
Em agosto de 2012, o DC revelou histórias de bebês vendidos para exterior há quase 30 anos. Hoje adultos, eles buscam as famílias biológicas no Brasil. A série Órfãos do Brasil ganhou repercussão nacional e levantou um problema que afeta inúmeras famílias em todo o país.
Com os documentos falsificados, a chance de encontrar uma familiar é pequena. Alguns, com sorte, puderam ser identificados por familiares por uma foto ainda bebê, estampada nas páginas dos jornais.
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Outros foram localizados pela apuração da reportagem ou pelo trabalho realizado por ONGs em SC e pelo SOS Desaparecidos. A grande maioria dos casos, porém, ainda esbarra na burocracia e na falta de leis que possibilitem a localização dos parentes.
Uma busca sem fim
Luciano e Fabrício não se conhecem, mas têm mais em comum do que imaginam. Além de nascerem em maio de 1981, foram adotados em condições duvidosas em Santa Catarina. A época era propícia ao crime: com falta de uma legislação específica, bebês eram comercializados e os documentos falsificados. Luciano Moreira da Cruz, hoje com 34 anos, mora em Buenos Aires, na Argentina.
Descobriu por acaso que não era filho de quem sempre pensava ser. Mais surpresa foi descobrir que os irmãos não eram parentes biológicos. Nem mesmo Luciane, que sempre teve como gêmea, não tinha nenhum laço sanguíneo com ele. A verdade veio à tona com exame de DNA.
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A mulher que o criou nega-se a dar informações sobre a origem. Sem passado e nem certeza da data de nascimento, Luciano ainda mantém a esperança de um dia encontrar a mulher que o gerou. Luciano nasceu em 9 de maio de 1981. Inicialmente, em uma casa em Curitiba, mas conforme documentos que encontrou, há possibilidade de ter nascido no Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí.
– Queria saber se fui abandonado ou traficado. Preciso saber minha origem, minha genética – lamenta.
Fabrício prefere não revelar seu sobrenome, mas assim como Luciano, busca por suas origens. Os pais adotivos contaram que ele foi entregue ao casal na maternidade Santa Inês, em Balneário Camboriú. A intermediação entre a mãe biológica de Fabrício e os pais adotivos foi feita pelo médico pediatra. Logo após o nascimento, o menino de pele clara foi levado para Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, onde moram até hoje. Segundo consta nos documentos, Fabrício nasceu em 25 de maio de 1981.
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Luciano e Fabrício fazem parte de uma parcela importante da população brasileira vítimas de tráfico de pessoas que está à mercê da falta de políticas públicas para solucionar casos como o deles.
Após a repercussão da reportagem Órfãos do Brasil em 2012, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República formou uma comissão envolvendo as pastas da Justiça e das Relações Exteriores para dar apoio aos jovens.
A ideia era elaborar uma cartilha com orientações para brasileiros adotados que queiram conhecer sua origem. Porém, a cartilha não foi finalizada. Agora, de acordo com a SDH, cada pessoa deve fazer sua própria busca.
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A secretaria informa ainda que está à disposição para prestar estes esclarecimentos aos interessados.
Onde buscar ajuda:
::desaparecidos.pc.sc.gov.br/desaparecidos
(48) 3665.5595
::www.pm.sc.gov.br/desaparecidos
(48) 3229 6715
::www.portaldaesperanca.org.br
(48) 3364 3898
::www.desaparecidosdobrasil.org
(48) 3248 5111
Seminário
O que: Seminário Nacional Combate ao Desaparecimento e Tráfico de Pessoas
Onde: Auditório Antonieta de Barros, Assembleia Legislativa de SC – Rua Doutor Jorge Luz Fontes, 310 Florianópolis
Quando: 29/10/2015 das 8h às 18h30min