Nas pontas de bambus bandeiras budistas na entrada de uma aldeia recém-criada no oeste de Mianmar, em terras de onde fugiram muçulmanos rohingyas e agora alguns budistas nacionalistas sonham em substituir sua população.
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“Nós realmente tínhamos medo desses ‘kalars’ e, no início, não tínhamos intenção de vir para cá”, explica Chit San Eain, uma dona de casa de 28 anos que acaba de se mudar para a aldeia, referindo-se aos muçulmanos com um termo pejorativo.
“Mas agora eles não moram mais aqui, somos afortunados por podermos viver novamente perto de nossa família”, explica a mulher, a poucos quilômetros das ruínas de um vilarejo muçulmano incendiado no contexto dos ataques que a ONU denunciou como uma limpeza étnica realizada pelo Exército birmanês.
No passado, povos muçulmanos e budistas coexistiam pacificamente ao redor de Koe Tan Kauk. Hoje, é o momento da reconquista para o grupo étnico budista no estado de Rakine, de onde cerca de 700 mil rohinyas fugiram há alguns meses.
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Este povo de confissão muçulmana se refugiou no vizinho Bangladesh, em campos insalubres e superlotados.
Com suas casas de madeira compensada, abertas ao vento, a aldeia de Koe Tan Kauk não está muito melhor: pobres budistas do sul da região se mudaram para lá, atraídos pelas doações de comida e o fornecimento de um teto por um comitê chamado “Reconstrução do território nacional de Rakine”.
Este comitê declara que atua graças a doações da população budista. O Exército e o governo civil da prêmio Nobel da Paz, Aung Sang Suu Kyi, negam ter ligação com esse grupo.
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– Repatriação ou substituição –
Oficialmente, Mianmar trabalha em um plano de repatriação para essa população muçulmana.
Mas o Exército e os nacionalistas budistas, alguns dos quais são acusados de terem participado dos abusos contra os rohinyas, não escondem suas críticas a esse plano.
Até agora, menos de 400 rohingyas candidatos para retornar às suas terras birmanesas passaram pelo teste de “verificação”. A maioria dos refugiados rohinyas em Bangladesh admite sua desconfiança.
Em novembro, Bangladesh e Mianmar assinaram um acordo para repatriar 750 mil rohingyas nos próximos dois anos. Mas muitos não querem voltar e a ONU diz que o retorno só pode ser voluntário.
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O governo birmanês promete reconstruir suas aldeias, mas o processo estabelece que aqueles que entrarem primeiro deverão ser alojados em acampamentos de trânsito por um tempo que não definiram.
Enquanto o processo de repatriamento não decola, os projetos econômicos e de reconstrução, privados ou públicos, se multiplicam no estado de Rakine.
Eles se baseiam em uma retórica do nacionalismo budista local, que vê os rohingyas como uma ameaça demográfica por causa de sua alta taxa de natalidade que põe em perigo o domínio budista a longo prazo do país.
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A campanha de “dissolução” dos vínculos entre a população rohingyas e o resto do país vem crescendo desde a década de 1990, diz Francis Wade, autor de “O inimigo interno de Mianmar”, uma obra sobre o ódio contra os muçulmanos que menciona entre os marcos do plano a supressão dos documentos de identidade e, em seguida, a retirada de seu direito de voto.
Wade compara o movimento de colonização das áreas rohingyas por budistas com as “colônias israelenses na Cisjordânia”.
* AFP