Seth Kugel
Em um fim de tarde garoento de janeiro, parei sob os arcos da entrada do Castelo de Buda, que dá para o Rio Danúbio e a Ponte das Correntes que liga Buda a Peste. Além dela, a neblina fazia o Parlamento Húngaro parecer um vaga-lume.
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Minha amiga Eliza Muto, que estuda e mora no lado Peste e me acompanhava na caminhada, disse que o local onde estávamos se transformava em um café movimentado nos meses de verão. Em outras palavras, se não fosse inverno, eu estaria esperando – e pagando – para desfrutar da mesma vista. Pior ainda, estaria só. No verão, Eliza se recusa a vir para Buda por causa do excesso de turistas.
Eu lhe dou razão. Gosto mais das cidades europeias no frio, quando a exuberância dos jardins floridos e a animação dos cafés ao ar livre dão espaço para a melancolia das árvores secas e do céu nublado. É mais ou menos como entrar nos bastidores de um teatro da Broadway depois do espetáculo, quando o público já saiu e os atores voltaram a ser eles mesmos. Só que, apesar das temperaturas geladas, nem toda cidade do continente é barata. O custo de uma cama em um albergue de Londres pagaria uma bela suíte de luxo na Guatemala em plena alta estação.
Mesmo assim, com um orçamento estipulado de US$ 100/dia – o que em Londres daria para um quarto de pensão e peixe com batata frita – passei o que, pelo menos para mim, foram três dias de luxo em Budapeste, pedindo entradas e sobremesas sem dó nem culpa, mergulhando na cultura local (exclusiva e popular) e me hospedando em um hotel que se autodenomina “butique de luxo”. Praticamente nem me reconheci.
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A acomodação, recomendada por um amigo, Neil Barnett, que morou 10 anos na cidade, foi o Mamaison Hotel Andrassy, na requintada Andrassy Avenue. A diária do meu quarto, enorme e bem localizado, custou apenas 14 mil forints (cerca de US$ 65, com o dólar a 216 forints). O passe semanal de transporte público saiu por 4.950 forints, restando uns 6,1 mil forints/dia, ou US$ 28, para todo o resto – e, no entanto, com exceção de um único momento de fraqueza, não estourei meu limite.
É claro que luxo não requer extravagância desnecessária. Ao escolher as termas em que poderia relaxar, deixei de lado as opções mais famosas para apostar na praticamente desconhecida Veli Bej Baths, localizadas sob cúpulas da era otomana, pela bagatela de 2,8 mil forints. Ao comprar ingressos na Ópera Nacional da Hungria para ver O Morcego, a opereta de Johann Strauss, deixei de lado as fileiras do gargarejo de 11,5 mil forints e com 4,5 mil consegui uma visão privilegiada do espetáculo, em húngaro, e da grandeza dourada do espaço.

Comida a preço de banana
A cozinha húngara não é a maior atração da cidade, embora a alta gastronomia tenha percorrido um longo caminho nos últimos anos. Assim, optei por seguir a dieta local durante a minha visita, também para saber se a evolução também tinha atingido os níveis mais acessíveis. Outro amigo, Nicolas Braun, professor de francês que é meio húngaro, reuniu um grupo para ir ao Frici Papa Kifozdeje, um restaurante de comida caseira despretensioso, com um vasto cardápio de clássicos vendidos a preços ridiculamente baixos.
Pedimos litros de sopa, montanhas de petiscos, goulash e sobremesas cobertas de sementes de papoula. Quando veio a conta – apenas 33 mil forints, fiz algo que não é do meu feitio: paguei tudo sozinho.
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Tudo bem que a comida estava meio sem graça (e o meu prato, o “sonkaval”, um croquete do tamanho de uma bola de tênis murcha e recheado com peito de peru, presunto e queijo não foi exceção) e eu estava meio desanimado com os pratos nacionais – até o dia seguinte no almoço.
Antes da caminhada, Eliza e eu fomos ao Kadar Etterem, uma casa judaica-húngara com toalhas quadriculadas de vermelho e branco nas mesas, água com gás à vontade e uma multidão esperando para ser atendida. Os pratos pareciam bem caprichados. Tomei uma sopa com bolinhas de matzá e carne cozida com raiz forte, que tem um nome horrível, mas estava uma delícia. Eliza foi de cholent, um cozido grosso de feijão coberto com uma fatia de bolo de carne.
Na saída, um homem com uma calculadora perguntou quantos pedaços de pão e copos de água tínhamos consumido e nos cobrou alguns forints o que, no fim, traduziu-se em centavos. A minha parte da conta deu 2,5 mil forints.

Diversão sem barreiras
Quando viajo sozinho, detesto não poder sair à noite, mas a vida noturna europeia me força a isso. Não em Budapeste.
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No sábado, Nicolas nos levou ao Morrison’s Liget, uma boate espaçosa na região sul da cidade, onde todos os caras, menos eu e ele, davam a impressão de ter acabado de chegar de uma sessão de levantamento de peso. Era exatamente o local a que eu jamais iria se fosse na minha cidade, mas que não deixaria passar batido em um lugar que estou visitando. E, por incrível que pareça, me senti super à vontade.
Ficamos a maior parte do tempo no salão maior, onde o DJ Szecsei (“Sexy” em húngaro) exibia seu talento para escolher hits da música eletrônica, com a ajuda de lasers e fumaça, mas fechamos a noite em outro espaço, onde clássicos da dance norte-americana como It’s Raining Men se alternavam com sucessos do pop húngaro moderno. O pessoal cantava junto, ultrapassando a barreira da língua e do tempo. Foi muito divertido – mas indisponível em Londres por qualquer dinheiro do mundo.
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