Halloween? Dia das Bruxas? Que nada! Se na terra do Tio Sam a data é comemorada nesta quinta-feira, nos arredores da Ilha da Magia todo o dia é dia de bruxas. As nascidas, as criadas, as boas, as maléficas, tem espaço para tudo quanto é tipo de feiticeira nos 365 dias do ano em toda a Grande Florianópolis.
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– Conheço gente que não acredita, mas que nem por isso duvida – provoca o historiador Francisco do Vale Pereira, do Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O pesquisador do folclore mané garante, ainda, que as bruxas continuam entre nós. Para reconhecê-las é preciso observar as mulheres que se destacam por serem belas, exóticas, de “aura boa” e que têm o poder de modificar o ambiente onde estão, convertendo o mal em bem.
– Não dá para reconhecer pela forma física. Mas dá pra se dizer que são envolventes. Portanto, é possível reconhecê-las – explica Francisco.
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Outras qualidades de bruxas também são descritas por homens como Franklin Cascaes, o mais conhecido pesquisador das lendas da nossa gente. Sombrias e cheias de amargura, estas habitantes da Ilha seriam responsáveis por quebrantos de todos os tipos e até por utilizarem bebês que não foram batizados para fazer suas poções “estrambólicas”. Para livrar-se dos “bruxedos” mais fortes, só com a reza forte de uma benzedeira (que também tem poderes, mas os usa para o bem).
– Até mesmo os padres de antigamente colaboravam com a crença, porque assim as famílias tratavam de batizar os filhos logo – conta o animador cultural e discípulo do Franklin Cascaes Gelci José Coelho, o Peninha.
Em uma família de sete mulheres que nasceram consecutivamente, sem homens no meio, também dizia-se que a sétima ou a primeira serão bruxas. Para quebrar este feitiço, a mais velha tinha de batizar a mais nova.
Outros personagens
Os filmes americanos ensinaram as crianças brasileiras a se fantasiaram e pedirem doces nas casas vizinhas (para que não façam travessuras) na noite de 31 de outubro. Mas há quem sinta saudade das tradições preservadas por aqui até o século passado (veja no quadro alguns costumes).
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– Fico triste em ver as crianças fantasiadas para estas festinhas americanas enquanto a gente tem um acervo folclórico tão grande. São muitas histórias, personagens, bruxas, boitatá, curupira, muita coisa interessante – pondera o pesquisador da história da região Paulo Ricardo Caminha.
A lenda da Marina da Barra
Uma das histórias recordadas pelo animador cultural e discípulo do Franklin Cascaes Gelci José Coelho, o Peninha, 61 anos, é a da Marina da Barra. A lindíssima morena de olhos verdes não nasceu bruxa, mas tornou-se uma, de pura amargura. Antes disso, era tão faceira, a moça, que cantarolava pelas ruas, sozinha. Era saidinha para a sua época, quando as moças eram recatadas e não tinham dessas alegrias.
Fazia outra coisa que ninguém tinha coragem de fazer: se banhava no mar, este desconhecido, um território só aos homens permitido. Pulava as ondas, sentava-se no costão, cantava olhando pro oceano.
Algumas raparigas da Barra da Lagoa morriam de inveja de Marina e trataram de espalhar uma grande fofoca: que ela tinha pacto com bruxas, por isso não tinha medo do mar. A moça ficou tão mal falada que foi obrigada a sair de lá. Foi morar no Ribeirão da Ilha, onde foi feliz por um tempo. Mas a paz só durou até que o boato chegasse também ao Sul da Ilha. Indignada, Marina passou a prestar atenção nas conversas bruxólicas e decidiu voltar à Barra para dar uma lição aos moradores da localidade. Na calada da noite, dava nó nas roupas penduradas em varais, bagunçava redes de pesca e gargalhava sonoramente para que as pessoas se assustassem.
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O povo da Barra da Lagoa ficou mesmo com medo e encomendou à benzedeira da comunidade que identificasse a bruxa que agia na região. Não deu outra e a mulher mais sábia da comunidade, que também tinha poderes extra-sensoriais, apontou logo para Marina.
A moça foi expulsa da comunidade para nunca mais voltar. Mas antes rogou uma praga, dizendo que “o povo da barra vai desaparecer”.
– Já pensou se constroem um destes empreendimentos grandes lá? Desses que expulsam, mesmo, toda a comunidade… esses lugares onde guardam barcos, sabe? Como é o nome..? Marina! Seria, mesmo, uma baita de uma bruxaria! – brinca Peninha.
Maromba
Paulo Ricardo Caminha, autor do livro Bom dia Ouvintes do Manhãs de Sábado (que reúne contos e perfis manés que eram narrados por ele a uma rádio lusitana), conta que nem todas as bruxarias são sobrenaturais. Quando não havia luz elétrica e nem mesmo carros iluminados nas ruas da Ilha de Santa Catarina, os chamados marombeiros faziam a festa. Para parecer criaturas do além, alguns moradores das regiões de Santo Antônio de Lisboa, Sambaqui e Barra do Sambaqui cobriam a cabeça com grandes peneiras e depois cobriam os adereços com um pano branco. Então, saíam às ruas, à noite, com uma tocha na mão, para assustar quem passasse.
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– Mesmo quem não acreditava em bruxa se borrava ao se deparar com uma criatura daquelas e saía correndo – pondera o amante da cultura florianopolitana.
Havia, inclusive, os que iam até as praias, em tempos de pesca, para assustar pescadores e ficar com o que foi cercado. Certa vez, lá pros lados da Praia do Forte, apareceu uma maromba com quase três metros de altura. Chamou tanta atenção que os pescadores resolveram enfrentar. Acabaram descobrindo que era um velho conhecido, usando pernas-de-pau.
Em tempos de bruxas, os rituais da nossa gente
O Finadinho
Na manhã do Dia de Todos os Santos (1/11), que antecede o Dia de Finados (2/11), as mesas dos moradores da região ficavam fartas de doces, frutas e ovos. Crianças percorriam as casas dos vizinhos para pedir o “finadinho”, ou seja, uma oferta das pessoas em memória dos seus familiares que já morreram. Quando, na casa, um filho já havia falecido, a mesa era ainda mais farta, pois a comoção para garantir que a alma dele fosse para o céu e em paz era ainda maior.
Pão por Deus
Também na época da Primavera havia o hábito do Pão por Deus. Crianças, por exemplo, mandavam bilhetinhos em forma de coração para suas madrinhas para pedir determinado presente para o Natal. A pessoa que recebeu o versinho precisava, então, dar o presente até o Natal, já que o pedido era “em nome de Deus” e, se não fosse atendido, de acordo com a crença, provoca o choro de Jesus na manjedoura.
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Já os rapazes aproveitavam para pedir moças em namoro. Com a letra bem caprichada, declaravam o seu amor.
Aprenda alguns versinhos:
“Lá vai meu coração Nas asas de uma andorinha
Vai pedir um pão por Deus À minha querida madrinha
Que me dê um…. (nome do presente)”
“Quem tem cabra tem cabrito quem tem porco tem presunto mandai-me um pão por Deus em nome de seus defuntos”
Procissão das almas
Dizia-se que na véspera de finados as almas faziam uma grande procissão rumo ao cemitério para encontrar com seus túmulos. Nessa época, ficava todo mundo trancado em casa, pois dizia-se que quem, por acaso, avistasse a procissão, era convidado a participar no ano seguinte.
Chuva
Já percebeu que é comum chover em Dia de Finados? Diz a sabedoria popular que, depois da procissão aos seus túmulos, os mortos choram tanto, mas tanto, ao ver o estado de abandono das suas moradas eternas, que chega a verter lágrima do céu.
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Oração contra bruxedo
Pelo signo de Salomão
E com a vela benta na na sexta-feira da paixão.
Treze raios tem o sol, treze raio tem a lua.
Salta demônio para o inferno, pois esta alma não é tua.
Tosca Marosca, rabo de rosca.
Aguilhão nos teus pés e relho na tua bunda (ou freio na tua boca)
Por cima do telhado São Pedro, São Paulo e São Fontista.
Dentro da casa, São João Batista Bruxa tatarabruxa, tu não me entres nesta casa, nem nesta comarca toda.
Por todos os santos, dos santos, Amém!
Simpatia para reconhecer bruxa
Diz a sabedoria local que há uma simpatia infalível para descobrir quem é a bruxa que ronda a sua vida. Mas só vale colocar em prática se ela está lhe prejudicando. Isso porque, após identificada, a bruxa perde o seu fado, deixa de ter poderes. No principal cômodo da sua casa, arraste os móveis para os cantos e posicione-se no centro.
Passe a chamar “a bruxa”, dizendo que quer conhecê-la. Repita várias vezes, como se fosse uma reza. Um tempo depois, quando a casa já estiver arrumada novamente, a bruxa vai lhe procurar e perguntar o que você queria, mesmo sem você ter dito pessoalmente a ela que pretendia vê-la. Pronto, a bruxa está identificada e quebra-se o encanto.