Parece mentira. Mas tem muita gente que ainda entende o “Se beber, não dirija” como slogan, lição de moral, chatice. Nega que se trate de uma lei e uma infração gravíssima que pode levar a suspensão da Carteira Nacional e Habilitação (CNH), multa, prisão. É o que mostram os números de um balanço da Polícia Rodoviária Federal (PRF) identificando Santa Catarina como o Estado com o maior número de flagrantes em rodovias federais.
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No ano passado, foram 10.913, o equivalente a 20,5% das multas por embriaguez em todo o Brasil. É muito álcool circulando pelas estradas, uma combinação fatal. Enquanto isso, famílias seguem carregando alças de caixão.
A mistura álcool e direção é um dos principais ingredientes dos acidentes fatais nas rodovias que cortam o território catarinense. Ser campeão neste quesito não dá orgulho. Ao contrário, deveria constranger em se tratando de um Estado com a melhor distribuição de renda e os menores índices de pobreza, analfabetismo e violência do país. Garantir o direito da coletividade de ir e vir com segurança poderia ser uma bandeira para Santa Catarina.
Dessa mistura nasce muita dor. Assim como custos enormes. Os números mostram ainda que Santa Catarina é um dos três estados com mais acidentes, feridos e mortes nas estradas federais. O trecho da BR-101, entre Biguaçu e Palhoça, está entre os mais perigosos do Brasil. Assim como a BR-470, no trecho que corta o Vale do Itajaí.
Ações de fiscalização
Um levantamento feito pela NSC nos últimos meses de 2019 e começo de 2020 mostra o quanto é arriscado andar pelas rodovias federais em Santa Catarina. A base é um relatório das ações de fiscalização da PRF. Dirigir depois de beber é uma atitude irresponsável e perigosa que coloca em risco a vida do próprio motorista e de outras pessoas. Estejam elas onde estiverem.
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Foi o que aconteceu com o casal Ginaldo Sabino de Andrade, 35 anos, e Mônica Vieira Souza, 39, jogados da moto e atropelados na sequência por veículos que vinham atrás. Não se sabe quantos carros atropelaram as vítimas, mas a PRF informou à época que nenhum motorista parou para prestar socorro. O acidente ocorreu na madrugada de 21 de janeiro, Km 152, trecho da BR-101, em Porto Belo.
BRs de SC concentram 20% de todas as multas por embriaguez ao volante registradas no país
O condutor do carro, de 43 anos, não ficou ferido. Conforme a PRF, ele fez teste de bafômetro, que confirmou a concentração de 0,17 mg/L de álcool por litro de ar expelido. Por conta da lei 13.546, que entrou em vigor em abril do ano passado, o motorista foi preso e levado para a Delegacia de Polícia Civil de Itapema.
Ginaldo e Mônica foram dois entre as 400 pessoas que morreram nas rodovias federais de Santa Catarina no ano passado, conforme dados da PRF. A embriaguez ao volante foi causa de, pelo menos, 8% dos acidentes nas estradas. Foram 864 feridos. Com um agravante: muitos acidentes causados por pessoas embriagadas acabam por não serem registrados pela impossibilidade de comprovar a embriaguez, seja porque a pessoa foi internada em estado grave, seja porque morreu no local.
Entrevista
Luiz Graziano, inspetor-chefe da Comunicação Social da PRF em SC
O que dizer desses números?
Podemos dizer que os números dos flagrantes são resultado de operações frequentes nas rodovias federais catarinenses.
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Não significa que os motoristas catarinenses bebem mais do que os outros?
Não. Infelizmente aqui se bebe tanto quanto nos outros estados. O maior número de flagrantes ocorre porque houve uma decisão em nosso Estado de se priorizar a fiscalização de alcoolemia. A PRF não vai baixar a guarda em termos de fiscalização. Mas é preciso que o exemplo venha de casa.
Como assim?
Pais e mães devem ser exemplos para os filhos. As famílias precisam adotar uma postura firme diante do consumo de álcool, sob pena de chorarem depois.
Como mudar isso?
As famílias têm que assumir o papel de dizer não ao álcool, que traz várias sequelas. Além de causar acidentes de trânsito graves, o álcool gera violência doméstica e brigas.
Isso tem a ver com comportamento.
Infelizmente o consumo de álcool ainda é visto com normalidade pela sociedade. As famílias precisam dar exemplo aos filhos e se posicionarem contra a mistura de álcool e direção.
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Diante desse comportamento é possível esperar algo?
Queremos que a estratégia de fiscalização seja algo contínuo e rígido ao longo do tempo. Assim criar uma nova cultura que leve mais segurança ao trânsito.
A morte na contramão
A vida é única e insubstituível. Qualquer uma que se perde no trânsito causa dor. Quando envolve a irresponsabilidade de alguém que consumiu álcool e tornou as vítimas sem chance de defesa gera também indignação. No ano passado, entre as 34 pessoas que morreram nas estradas federais catarinenses, estavam Amanda Zimmermann, 18 anos, e Suelen Hedler da Silveira, 21 anos.
Elas eram duas das cinco jovens que estavam num Palio atingindo frontalmente por um Jaguar. Quase um ano depois, as famílias e amigos amargam tristeza e aguardam por justiça.
O acidente em que as duas morreram aconteceu em 23 de fevereiro, trecho da BR-470, em Gaspar, no Vale do Itajaí. O motorista Evanio Wylyan Prestini foi preso em flagrante e teve a prisão decretada pela Justiça.
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Atualmente não possui autorização para frequentar festas em bares, boates e similares e nem para se afastar da Comarca de Guaramirim, onde mora. Prestini chegou a ficar preso no Presídio Regional de Blumenau, mas recebeu autorização da Justiça para aguardar pelo júri popular em liberdade.
Números
– A cada dia, 14 pessoas morrem nas rodovias federais do país. Consequência dos 190 acidentes registrados a cada 24 horas.
– Em 12 anos analisados pela Confederação Nacional do Transporte (2006-2018), o Brasil teve 1,7 milhão de acidentes e 88,7 mil mortes nas BRs.
– As rodovias federais campeãs em número de acidentes em 2016 foram a BR-101 (8.896) e a BR-116 (7.524). As duas possuem trechos que passam por Santa Catarina.
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– Santa Catarina está na 2ª posição entre os estados que gastam mais com acidentes em BRs. O valor estimado, com custos, incluindo perdas de vidas e materiais, foi de R$ 1.051.710.366,17 em 2018. O resultado catarinense representa 10,8% do total brasileiro, que chegaram a R$ 9,73 bilhões. Minas Gerais ocupa a primeira posição no ranking, com cerca de R$ 1,3 bi. Os dados são do Movimento Nacional de Educação no Trânsito (Monatran).
Lei Seca
A chamada Lei Seca está em vigor desde 2012. O álcool e outras substâncias psicoativas alteram as capacidades psicomotoras, afetando a capacidade de dirigir dos motoristas. Por isso, se intensificou a rigidez da legislação de trânsito.
De acordo com sua redação, dirigir embriagado pode resultar em multa e suspensão imediata da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por 12 meses. A multa no valor de R$ 2.934,70. Se o motorista for flagrado dirigindo embriagado de novo, dentro de um ano, a multa é dobrada e a CNH pode ser cassada.
Embriaguez ao volante ainda pode ser considerado crime de trânsito se o motorista for flagrado pelo bafômetro com concentração igual ou superior a 0,3 mg de álcool por litro de ar, ou de 0,6 g/l no sangue. Nestes casos, o motorista é encaminhado para a delegacia de polícia.
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