Reconhecidos pela discrição na forma de fazer política, Michel Temer (SP) e Renan Calheiros (AL) partiram para o confronto público. O impeachment da presidente Dilma Rousseff potencializou a guerra pela hegemonia do PMDB. A possibilidade de voltar à Presidência da República desestabilizou o delicado equilíbrio do partido, que entrará em 2016 convulsionado.

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A queda de braço entre o vice-presidente e o presidente do Senado marcará a disputa interna no próximo ano, diante do aguardado afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ). Peleia cujo resultado passa por alianças com outros caciques – José Sarney (AP) e a coalizão do Rio de Janeiro, de Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Eduardo Paes e da família Picciani.

Para Planalto, decisão do STF sobre impeachment dá fôlego à presidente

As cizânias são históricas. No Congresso, circula a avaliação de que a sigla se acostumou a não ter um líder nacional, cadeira vaga desde a morte de Ulysses Guimarães, em 1992. O vácuo fez com que as elites regionais se organizassem em uma grande federação política, contexto no qual Temer ascendeu à presidência do partido por sua habilidade em conciliar.

– Se Temer virar presidente, ele será o grande nome do partido. Renan e os outros seriam subordinados a ele – avalia um tucano que observa as movimentações do PMDB.

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A rixa de Temer e Renan estava adormecida. Até 2010, os dois protagonizaram a disputa entre as bancadas da Câmara e do Senado por nacos da Esplanada dos Ministérios nos governos Fernando Henrique e Lula. O impeachment que beneficia Temer reacendeu ressentimentos.

Cunha cobra mais clareza sobre decisão do STF

Renan encerra o ano fortalecido pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu ao Senado a prerrogativa de arquivar a abertura do processo de impeachment. Temer vai para o recesso para derrubar o rótulo de “conspirador”, que Renan trabalha para insuflar em um discurso pró-Dilma.

– Não haveremos de tolerar de forma nenhuma que os nossos marcos jurídicos sejam tisnados por interesses impróprios, venham de onde vierem – afirmou o senador em discurso.

Para aliados, brigas marcaram posições

Alinhado com o governo, o alagoano condiciona a manutenção do apoio à blindagem na Lava-Jato. Ele avisou que não gostou da tentativa de buscas em sua residência oficial. O pedido da Procuradoria-Geral da República para afastar Cunha também o desagradou.

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– Renan sabe que é o próximo alvo. Seu governismo é temporário – afirma um peemedebista.

Renan e Temer devem “mergulhar” para realinhar estratégias. O PMDB aposta no recesso para curar feridas. Interlocutores do senador e do vice afirmam que o pugilismo recente apenas marcou posições. Renan criticou a carta de Temer a Dilma e a posição do vice, que atuou para passar na executiva do partido o veto a filiações temporárias, manobra com a intenção de manter Leonardo Quintão (MG) na liderança da bancada da Câmara. Em resposta, Temer disse que o PMDB não tem dono “nem coronéis”.

O senador rebateu ao espalhar que escreveria uma carta chamando o vice de “mordomo de filme de terror”, expressão cunhada por Antonio Carlos Magalhães, morto em 2007. Renan ainda colocou em votação requerimento que autorizou o Tribunal de Contas da União (TCU) a investigar o vice pela assinatura de decretos que abriram crédito orçamentário sem aval do Congresso. A animosidade é criticada na legenda, que tem a imagem desgastada no momento em que se apresenta como alternativa ao PT – via impeachment ou eleições de 2018.

– O diálogo interno foi abalado – reconhece o deputado federal José Fogaça (RS).

O parlamentar cita o vaivém de Leonardo Picciani (RJ) na liderança da Câmara como exemplo de desgaste desnecessário. Empenhado em salvar Dilma após levar dois ministérios, Picciani só indicou governistas para a comissão do impeachment. Contrariados, Cunha e Temer incentivaram a coleta das assinaturas que colocaram Quintão na liderança por uma semana.

Eleição de liderança trará nova disputa

O vice operou via executiva para barrar filiações de deputados fluminenses capazes de devolver a maioria a Picciani. Irritado, Renan entrou em ação, com ajuda do Planalto. Ministros e senadores, a exemplo de Valdir Raupp (RO) e Eunício Oliveira (CE), atuaram na operação que reconduziu Picciani. A família Barbalho pesou. O senador Jader e o filho Helder, titular dos Portos, viraram os votos de Elcione Barbalho, mãe do ministro e ex-mulher do senador, e Simone Morgado, mulher de Jader.

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A renovação da liderança trará novos entreveros. Em fevereiro, Picciani tentará permanecer no cargo, enquanto a ala de oposição trabalhará por Quintão. Quem vencer indicará os oito nomes do partido na comissão do impeachment. Aguardada para março ou abril, a queda de Cunha terá guerra interna pela escolha do novo presidente da Câmara. Temer e Renan trabalham para controlar o processo, buscando apoio dos demais cardeais regionais.

Picciani tem interesse na liderança e, se possível, na presidência da Casa. Espera manter a aliança com Renan, que pode ser ampliada para a escolha da cúpula do PMDB. A convenção deve ocorrer em março com a tentativa de reeleição de Temer presidente. Renan flerta com o grupo do Rio para tirar Temer do posto que ocupa desde 2001. Estará em jogo o controle do partido e da definição do candidato peemedebista ao Planalto. No PMDB, 2018 já está em jogo.

Presidente da Câmara se tornou estorvo para os peemedebistas

Eduardo Cunha (RJ) virou um problema para o PMDB. Acostumado a proteger caciques alvejados em escândalos de corrupção, o partido discute o que fazer com o presidente da Câmara, cuja imagem se esfacela e arranha a credibilidade da legenda, interessada no Planalto. Na cúpula da sigla, a cassação do deputado é considerada uma “certeza” para 2016.

Cunha vem de uma semana trágica. Na terça-feira, foram cumpridos mandados de busca na residência oficial do parlamentar, que ainda viu o fracasso das manobras no Conselho de Ética com a admissibilidade do seu processo de cassação por quebra de decoro. No dia seguinte, veio a suspeita de que ele recebeu R$ 52 milhões em propina no Exterior e o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para lhe afastar do mandato e da presidência da Câmara.

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O avanço da Lava-Jato inviabiliza sua defesa pública por colegas, que operam nos bastidores. Entre emissários de Michel Temer e Renan Calheiros, sobram reclamações do perfil agressivo do deputado, que desafia a PGR. Nomes tradicionais do PMDB, como o ex-governador e atual deputado Jarbas Vasconcelos (PE), pregam a renúncia de Cunha do comando da Câmara.

– Ele desmoraliza a Casa e provoca um desgaste ao partido. Já deveria ter saído – afirma.

A crença de Jarbas, especulado como candidato a uma eventual sucessão de Cunha, ainda é minoritária. Contudo, o desgaste contínuo do atual presidente coloca as principais lideranças do PMDB diante de um dilema: operar para mantê-lo no cargo, ou acelerar sua derrocada a fim de minimizar o desgaste do partido? Por ora, prevalece uma posição neutra.

– Cunha vai cair de maduro em março, independentemente do partido – avalia um aliado de Renan.

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Em conversas reservadas, lideranças trabalham para manter a tradição de não rifar caciques. Foi assim com José Sarney (AP), Jader Barbalho (PA) e Renan Calheiros (AL). Nesse contexto, pesa o medo de possíveis retaliações de Cunha.

Outra preocupação é blindar a legenda da Lava-Jato, com o discurso de que eventuais condenados agiram por “interesses pessoais”. Temer não abraçou a tentativa de Cunha transformar as investigações contra ele em uma guerra entre PMDB e PT.

– Todos terão oportunidade de se defender – disse o vice-presidente ao receber um grupo de deputados pró-impeachment.

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Cunha tem recebido sugestões para adotar uma saída “à Renan”, que em 2007, com as suspeitas de ter contas pagas por lobistas, renunciou à presidência do Senado para salvar o mandato. Sua tropa de choque descarta a opção no momento. Lembra que Renan só escapou porque o voto para perda de mandato era secreto, o que já não ocorre. As projeções de líderes da Câmara indicam que a bancada fiel a Cunha, que inclui outros partidos, caiu de 120 para 80 nomes, soma insuficiente para salvá-lo.

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– No voto aberto, Cunha está frito. Só escaparia por um acordão que constrangeria o Congresso – avalia um deputado.

As peças no tabuleiro

Michel Temer (PMDB-SP)

Principal beneficiário do impeachment, o vice-presidente da República comanda o PMDB há 14 anos. Optou por não sepultar nem incentivar o afastamento da presidente Dilma Rousseff em suas declarações, porém aliados e oposição trabalham para que ele assuma o governo. Na bancada da Câmara, cerca de 25 deputados estão ao seu lado. O vice tem maioria na executiva nacional, porém, terá de compor com outros Estados para continuar na presidência do partido.

Renan Calheiros (PMDB-AL)

O STF deixou com o Senado o poder de instaurar o processo de impeachment aprovado na Câmara, ou seja, a Casa define o afastamento temporário. Renan controla o Senado, que preside com o auxílio de Eunício Oliveira (CE) e Romero Jucá (RR). Como carrega uma bancada de 30 parlamentares de diferentes partidos, será decisivo no impeachment. Por ora, defende o governo Dilma, mas condiciona a posição a uma blindagem na Lava-Jato.

José Sarney (PMDB-AP)

Aposentado da vida pública, o ex-presidente mantém poder. Bem relacionado no Judiciário, tem em sua órbita parlamentares e influencia nos rumos de diretórios estaduais. É próximo de Lula. É cortejado por emissários de Renan e Temer a fim de se posicionar contra ou a favor do impeachment. No momento, está mais próximo de Renan. Foi graças ao apoio de Sarney que Renan recuperou o espaço perdido no Senado e voltou a presidir a Casa.

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Eduardo Cunha (PMDB-RJ)

Ganhou relevância ao derrotar o Planalto na eleição para presidência da Câmara. Seu poder encolheu com a Lava-Jato e, agora, pode ser cassado. O desgaste o isolou. Perdeu maioria na bancada do PMDB na Câmara, composta por 69 deputados, porém domina um esquadrão com cerca de 80 nomes, que inclui parlamentares de seu partido, siglas nanicas e oposição. Deu andamento ao impeachment.

Ministros

Os seis ministros do PMDB trabalham contra o impeachment e ajudaram a reconduzir Leonardo Picciani à liderança na Câmara. Kátia Abreu (Agricultura) é a mais próxima de Dilma. Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) são da cota de Picciani, enquanto Helder Barbalho (Portos) e Eduardo Braga (Minas e Energia) seguem Renan. Henrique Alves (Turismo) é próximo de Temer e Cunha, mas não pretende deixar o governo. Somente Eliseu Padilha, aliado de Temer, abandonou a Aviação Civil.

PMDB fluminense

Nomes da sigla no Rio se tornaram alicerce de Dilma. Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara, indicou ministros e acabou destituído do cargo – para onde já voltou – por indicar governistas para a comissão especial do impeachment. Governador do Rio, Luiz Fernando Pezão liderou a mobilização de colegas em defesa da presidente.