Atraídos pelo divertimento prometido por parques e outras atrações turísticas, brasileiros desembarcam no Exterior e são quase que tomados pela febre de consumo. Mesmo com a valorização do dólar, é irresistível diante da relação custo benefício dos produtos, o que deve se repetir neste início de férias de inverno no Brasil. O resultado aparece em cifras: gastos no Exterior atingiram recorde para o mês em maio, somando US$ 1,82 bilhão, segundo dados do Banco Central.
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– A gente não é assim no Brasil, mas aqui acaba ficando muito consumista – confessa o personal trainer paulista Fabio Ungarette, 40 anos, na fila do caixa para pagar as compras feitas em uma loja de eletrônicos de Orlando.
A vantagem de preço, mesmo depois da conversão, explica esse comportamento, na opinião de Fabio Gallo, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo.
– Já vi gente trazendo panelas e vestido de noiva – conta o especialista.
Mas, para ceder aos apelos do consumo sem culpa do câmbio, os brasileiros refazem as estratégias na hora de gastar. O pagamento da viagem e da hospedagem pode ser feito meses antes da partida.
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– Devemos ter economizado cerca de 40% com a antecipação. Se fôssemos organizar a viagem hoje, daríamos uma segurada em alguma coisa, ou nas compras ou no número de dias – completa a mulher de Fabio, Gisella Ungarette.
Sem conseguir prever o futuro da moeda americana e tentando escapar da cobrança de 6,38% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas compras a crédito, os brasileiros também têm dado preferência ao pagamento em dinheiro e no cartão pré-pago.
– Usamos dinheiro e cartão pré-pago por causa do IOF – confirma o gaúcho Roque Schoninger, 36 anos, que fez com a mulher, Lisiane, um roteiro por Las Vegas, Orlando e Miami.
Para o professor Fabio Gallo, a preocupação com a taxação de 6,38% nas compras feitas com cartão de crédito no Exterior – e não a recente valorização do dólar – é a origem dessa mudança de comportamento. O especialista, porém, faz uma ressalva:
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– As taxas de conversão da moeda muitas vezes são maiores do que as adotadas pelas administradoras do cartão de crédito. É preciso comparar várias operadoras e tipos de cartão.
Na terra do mickey
Dos shoppings aos condomínios de casas e apartamentos, a voracidade do consumo brasileiro fora do país é tanta que deu origem a novos filões. Em Miami, a paulista Priscila Goldenberg, 38 anos, transformou uma constatação feita em lojas da cidade em um lucrativo negócio.
Acompanhando o marido, transferido para os Estados Unidos em 2009, e com um filho de três meses à época, a brasileira percorria lojas infantis e encontrava pais e mães desorientados na hora das compras. Hoje, atua como personal shopper de gestantes que vão aos Estados Unidos fazer o enxoval do bebê. A equipe conta com outras quatro consultoras e tem três tipos diferentes de serviços, cujos preços variam dos US$ 250 aos US$ 700.
– Desde que dei início à consultoria, não tive um mês de baixa, independentemente do período do ano – garante Priscila.
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Nem mesmo a variação cambial atrapalhou os negócios: a agenda está tomada até setembro. O sucesso do negócio está ancorado nos preços e têm encontrado espaço em clientes das classes médias e altas. Um dos itens mais procurados, o carrinho de bebês justifica a fama de grandes diferenças. Um dos modelos mais procurados no momento custa entre US$ 600 e US$ 700 em Miami. No Brasil, chega a custar cerca de 4,49 mil.
– O brasileiro segue comprando. Vem para cá e gasta mesmo, por causa dos preços. Tem shopping em que a gente anda e parece que está em São Paulo. Nem gasto meu inglês aqui – brinca a personal shopper.
Eletrônicos, roupas, tênis, perfumes e maquiagens estão entre os itens preferidos nos Estados Unidos devido à economia que representam. Lojas com esses artigos costumam estar lotadas de brasileiros.
– Eu mesmo, na última viagem a Nova York, fui decidido a não levar nada. Mas você acaba gastando porque a diferença é muito grande – relata o professor de finanças da Fundação Getulio Vargas, Fabio Gallo.
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Brasileiros são os terceiros na compra de imóveis
O ramo imobiliário também está atraindo investidores. Uma pesquisa feita pela consultoria Inman News mostra que os brasileiros são os terceiros no ranking de compras de imóveis por estrangeiros, com 7,6%, atrás apenas dos canadenses, com 46,1%, e dos britânicos 10,3%. Orlando, onde se concentram famosos parques temáticos como Disney e SeaWorld, aparece como a cidade preferida para o local da compra.
O câmbio positivo (apesar da alta recente), a percepção de que o mercado está em baixa nos Estados Unidos e o próprio crescimento da cidade são fatores apontados por Martônio Almeida Pinto, um dos sócios fundadores da Orlando Fun Rentals, empresa que trabalha com compra e locação de imóveis na cidade, para o interesse dos brasileiros neste tipo de aquisição.
– Nos últimos quatro anos, os brasileiros têm comprado imóveis, muitos com o objetivo de alugar depois – confirma Martônio.
Famílias com destino aos parques temáticos de Orlando costumam ficar, em média, oito dias e têm optado pelo aluguel de flats e de casas. O preço médio de um imóvel de três a quatro dormitórios fica na faixa dos US$ 120 por dia. Já na hora da compra, a média fica em torno de US$ 1 mil o metro quadrado.
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Tanto interesse faz o Brasil ser avaliado como um mercado maduro para o turismo, com uma média de mais de uma viagem ao ano para o Exterior. Na CVC, os pacotes internacionais representam 30% do volume mensal de vendas. Só para a Flórida, leia-se Miami e Orlando, houve uma alta de 30% na compra de pacotes entre janeiro e 15 de junho. Quando o destino é Nova York, o crescimento se acentua: de maio a 12 de junho 57% a mais do que igual período do ano passado, quando a cotação do dólar estava na faixa de R$ 1,70.
Nos parques do SeaWorld da Flórida, o brasileiro está entre os cinco primeiros em número de visitantes estrangeiros. No Busch Gardens, em Tampa, ocupou o topo da lista entres os visitantes estrangeiros no último ano.
Atraídos pelos eletrônicos
Vendedores e consumidores trocando informações sobre produtos em português é cena rotineira na loja de eletrônicos da Best Buy, na Orange Blossom Street, próximo ao Florida Mall. Lá, clientes brasileiros respondem por 85% do movimento, seguidos por argentinos e europeus, que somam 10%.
Na ilha destinada aos iPads, uma pequena multidão é atraída pelos modelos – e também pelos preços – dos tablets, incluindo a última versão da Apple, que utiliza a tecnologia 4G, ainda inexistente no Brasil. Caso do bancário gaúcho Roque Schoninger, 36 anos. Morador de Balneário Camboriú, ele e a mulher reorganizaram a lista de compras depois da alta do dólar, mas mantiveram o iPhone e o iPad no topo da lista.
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– Não vamos deixar de comprar os eletrônicos, porque mesmo pagando o imposto, a diferença compensa – explica.
A pesquisa feita antes da viagem sustenta a opinião do bancário. Segundo Schoninger, o modelo procurado por ele sai por cerca de R$ 1,5 mil nos Estados Unidos. No Brasil, ficaria em R$ 1,99 mil.
Com o marido e a filha de nove anos a tiracolo, a enfermeira Neiva Giacomelli, 48 anos, aproveitou dicas de um colega, que havia estado em Orlando.
– Ele nos disse aonde ir e o que valia a pena comprar – conta a gaúcha radicada em Brasília, que levou para a viagem uma mala “quase vazia”, para poder acomodar as compras, que incluem eletrônicos e roupas.
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Unindo o roteiro de diversão e compras em uma temporada de 15 dias, Neiva confirma, porém, que a lista de compras acaba sendo repensada diante do câmbio. Quantidade e valores são revistos e a pesquisa pelos melhores preços é incluída na rotina.
– Acho que mesmo regulando as compras, vamos gastar de 30% a 50% a mais com a viagem do que o previsto por causa da alta do dólar – observa Neiva.
Para tentar driblar esse efeito, o personal trainer Fabio Ungarette, 40 anos, e a mulher, Gisella, de Campinas, adotaram uma técnica que está virando regra entre brasileiros: substituíram o cartão de crédito por dinheiro e por cartão pré-pago. Os custos da viagem de 12 dias em Orlando também já estavam zerados no dia do embarque.
– Devemos ter economizado uns 40% com a antecipação do pagamento. Se pudermos ir embora sem usar o cartão de crédito, melhor – afirma Gisella, enquanto se prepara para pagar as compras de eletrônicos com cartão pré-pago.
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Estratégia semelhante à do representante comercial Elton Luzza, 30 anos, de Casca. Ele e a mulher embarcaram com as despesas da viagem pagas e com um pensamento: gastar o que levaram em dinheiro “para não usar muito o cartão”, evitando surpresas na cotação e o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Do enxoval à roupa de marca
Com quadras gigantescas concentrando extensa lista de grifes que inclui Calvin Klein, Hugo Boss, Nike, Adidas e Gap, entre outros, e itens que vão do vestuário adulto aos brinquedos infantis, os outlets americanos parecem ter sido feitos sob medida para saciar o apetite de brasileiros por boas compras – leia-se produtos de qualidade com preços não encontrados em lojas similares no Brasil.
– Noventa por cento dos clientes de qualquer shopping vêm do Brasil. Orlando funciona com brasileiro – observa a vendedora Gabriele Romero, 23 anos, que há cinco mora na cidade e trabalha em quiosque do Orlando Premium Outlet da International Drive.
Com cinco filhos, a engenheira civil Carla Hummel, 40 anos, de São Paulo, está na quarta visita a Orlando. Desta vez, tem a companhia da família, incluindo a mãe. A viagem já estava paga quando o grupo chegou à Flórida.
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– Viemos para os parques. As compras são um bônus – afirma Carla.
Para evitar o descontrole com os gastos, a engenheira apela para a organização. Ao lado da mãe e da filha mais velha, Giovanna, 15 anos, circulava por uma loja de roupas infantis com um caderno à mão. Dentro dele, uma lista de quanto cada filho pode gastar.
– Com a alta do dólar, calculo que vamos gastar cerca de 20% a mais – estima Carla.
Também apostando na dobradinha diversão e compras, o casal Patrícia e Marco Sain, de Campinas, viajou a Orlando com a filha Victória, de um ano e três meses. Entre um brinquedo mais radical e outro mais light no Busch Gardens, em Tampa, avaliam que a alta do dólar não causou grande impacto.
– Já tínhamos deixado tudo que podíamos pago, e 90% das compras estão sendo feitas com o cartão pré-pago – explica Patrícia.
Trabalhando em uma loja de perfumes, a brasileira Úrsula Garcia, 21 anos, diz ter percebido queda no movimento nas últimas três semanas por conta da variação cambial.
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– Meu faturamento caiu cerca de um terço – garante a brasileira.
Mas, além de bons preços, brasileiros também buscam tendências para a próxima estação. Carregando uma mala, Telma Camilo, 40 anos, assim como Marlene do Rosário, 38 anos, percorria o outlet em busca de novidades para a loja de roupas infantis que têm em São Paulo.