Para atrair alunos estrangeiros para o ensino superior, Portugal tem, desde janeiro, uma nova legislação criada para desburocratizar os processos de validação de diplomas emitidos no exterior. Com o novo sistema, que centraliza os pedidos em um único site e unifica documentos exigidos, os pedidos de reconhecimento dispararam.

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Até esta sexta (9), foram 6.926 requisições, um aumento de 366% em relação ao total de pedidos feitos em 2018. Os números, fornecidos pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, representam uma média de 31 pedidos de validação por dia neste ano.

A alta significativa na demanda e as mudanças na legislação, até agora, não permitiram universalizar uma das principais premissas da nova legislação: maior agilidade nos processos.

A lei estabelece 90 dias para resposta das instituições de ensino, mas alunos relatam que seus processos seguem sem análise mesmo após o fim do prazo. Há casos em que o tempo de espera já ultrapassa 180 dias sem resposta.

Os estudantes brasileiros, que representam mais de 33% dos estrangeiros nas universidades portuguesas, são os principais afetados. Além de dificultar a inserção profissional, a demora impede o acesso a linhas de financiamento de pesquisa, progressão de carreira e bolsas de estudo internacionais.

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– Perdi uma bolsa de pesquisa da Fundação de Ciência e Tecnologia (espécie de Capes lusa). Tive nota 1 de 5 na avaliação pessoal acadêmica. Se tivesse tirado pelo menos 3, o que é bem provável se meus dois diplomas de graduação tivessem sido reconhecidos, teria passado — diz o paulistano Eduardo Acquarone, doutorando no ISCTE em Lisboa, que ainda espera uma resposta sobre seus pedidos de reconhecimento, submetidos em fevereiro.

Funcionários de universidades portuguesas afirmam que a falta de clareza em pontos da lei criou certo temor nas instituições, que têm adiado o reconhecimento das habilitações e, em alguns casos, criado processos que não existiam.

Em nota, o Instituto Politécnico de Lisboa, no qual Acquarone pediu a validação dos diplomas, afirma que os atrasos nos requerimentos foram causados pela necessidade de "adaptar os procedimentos a realizar e aprová-los nos respectivos órgãos de gestão".

Eles afirmam que as mudanças foram concluídas e que a médio prazo os requerentes serão contatados para deferir ou indeferir seus pedidos ou que completem o processo.

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Segundo o Ministério da Ciência e do Ensino Superior, de 6.926 pedidos de validação, 52% estão em análise. Quando considerados apenas os pedidos de reconhecimento automático (previsto em alguns casos na nova lei), o número de processos já analisados aumenta para 67%.

Especialista em ações envolvendo estrangeiros em Portugal, a advogada Paula Vianna diz que a nova lei tem pontos positivos e negativos. Segundo ela, diferentemente de antes, quando havia uma janela de alguns meses para os pedidos, agora há um site que concentra o recebimento das solicitações, abertas o ano todo.

– Ficou mais transparente, mas acabou por complicar as exigências em alguns casos, com pedidos de provas adicionais – afirma Vianna.

A advogada diz que as instituições deveriam cumprir os 90 dias do prazo legal, "mas esses processos sempre demoraram". "Com a enxurrada de estrangeiros vindo para Portugal, eles não conseguem dar conta dos pedidos. E não é só na validação de diplomas."

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Para o secretário de Estado do Ensino Superior, José Ferreira Gomes, o balanço dos pedidos e análises do processo de validação tem sido positivo. Ele destaca que cursos de mestrado e doutorado têm processos mais simples, sobretudo os com notas de excelência da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

— No caso de licenciaturas, os processos são mais complicados para estabelecer uma comparação entre o sistema europeu e o brasileiro. Isso é objeto de análise nas instituições de ensino superior e, portanto, tem um processo analisado, digamos, caso a caso.

Embora a nova lei ainda não tenha apresentado resultado na redução de prazos de validação, as dificuldades em ter o diploma estrangeiro são antigas.

Com mestrado e doutorado em ciências sociais pela UnB (Universidade de Brasília), a gaúcha Carla Mendonça esperou quase dois anos para ter uma resposta – negativa – sobre o pedido de validação de seu doutoramento.

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— Como não era possível obter reconhecimento em ciências sociais, era necessário definir um ramo na área. O processo foi bem complicado, porque minha tese é interdisciplinar, com elementos de sociologia, ciência política e comunicação. Além da demora muito superior aos prazos previstos, não se tem informações claras durante o processo. A universidade nomeia uma banca, que avalia a tese novamente, mas de forma unilateral, sem uma prova na qual eu pudesses defendê-la — afirma.

Carla diz que a demora e o formato do processo prejudicam a carreira de um acadêmico e desanimam os que querem prosseguir a vida profissional em Portugal.

— O não reconhecimento do diploma me impede de concorrer a bolsas de pós-doutorado, lecionar e fazer concursos públicos da área. Foram 600 euros [R$ 2.650] da taxa padrão cobrada em Portugal para o nível de doutoramento e mais 200 euros em outros custos. Eu poderia submeter o pedido novamente, a outra universidade, mas teria que investir tempo e dinheiro mais uma vez sem a garantia de sucesso – diz Carla.

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