Dias atrás, para realizar uma cirurgia de implante de silicone, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, José Luiz Pedrini, teve de colocar próteses de fabricantes diferentes em cada uma das mamas da paciente. O procedimento não traz prejuízo, mas é pouco usual. A praxe é usar implantes do mesmo fornecedor. Médico do Hospital Conceição, de Porto Alegre, Pedrini teve de buscar uma alternativa por causa da escassez de produto no mercado. Ele não encontrou duas próteses produzidas pela mesma empresa.
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Desde o dia 22 de março, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) baixou uma resolução suspendendo o comércio de implantes mamários no país, os cirurgiões plásticos disputam uma quantidade limitada de silicone. Como apenas as próteses fabricadas até o dia 21 de março podem ser utilizadas, os tamanhos mais comuns, como aqueles em torno de 300 milímetros, começam a rarear. Com 150 mil cirurgias realizadas a cada ano e cerca de um 1,5 milhão de mulheres com seios turbinados, o Brasil pode ficar sem silicone em breve.
– Houve uma corrida para comprar os estoques dos importadores e fabricantes. Estamos preocupados, porque vai faltar produto se não houver uma ação rápida da Anvisa – avalia o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), José Horácio Aboudib.
A agência suspendeu o comércio de implantes mamários porque decidiu que o produto, nacional ou importado, passará por um processo mais rigoroso de certificação. Na resolução de março, ficou definido que o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) estabelecerá os critérios de certificação. Um motivo de preocupação é que o prazo dado pelo instituto para a publicação desses critérios, 31 de março, não foi cumprido. Em nota, o Inmetro informou que já enviou os requisitos à Anvisa e que a publicação ocorreria até o final desta semana.
A demora na publicação dos critérios, porém, é apenas uma parte do problema. A partir dela, temem profissionais e fabricantes, poderão decorrer semanas até que os laboratórios escolhidos para analisar e certificar os implantes estejam aptos a fazê-lo.
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– Se todo o processo não estiver finalizado até o fim do mês, as próteses acabarão – critica Aboudib.
A preocupação dos médicos pode parecer fútil para quem imagina que se trata apenas de falta de silicone para inflar os seios por motivos estéticos. Ainda que majoritário, esse público não representa todo o universo de quem recorre aos implantes. A situação mais séria envolve as pacientes de câncer. Sem silicone disponível, elas ficam diante de um dilema: não operam e correm o risco ter um agravamento da doença, ou operam e ficam mutiladas.
– A reconstituição da mama é feita na mesma hora da retirada do tumor porque uma reconstrução tardia é mais complicada – diz Pedrini.
Neste ano, o país deve ter 52,6 mil novos casos de câncer de mama. Dessas pacientes, 25% terão de ser submetidos à mastectomia, universo que pode ser prejudicado caso falte silicone. Pedrini não poupa as autoridades:
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– A Anvisa está cometendo uma violência. Será responsável por um dano irreparável às pacientes. Não é só uma questão estética – enfatiza.
Também podem sair prejudicadas as cerca de 25 mil brasileiras com implantes das marcas PIP (da França) e Rofil (da Holanda), origem de toda a polêmica. Essas próteses, fabricadas com silicone impróprio para uso médico, apresentaram alto índice de rompimento e foram banidas do mercado. Foi em consequência desse escândalo que a Anvisa decidiu estabelecer novas normas. Ironicamente, medida pode significar que as mulheres com as próteses adulteradas podem não encontrar implantes para fazer a substituição.
O que a Anvisa decidiu
No dia 22 de março, a agência publicou uma resolução que suspendeu a comercialização de próteses mamárias, até que se defina um processo de certificação do produto. Os principais pontos da resolução:
:: A suspensão da comercialização
Próteses mamárias fabricadas a partir da publicação da resolução não podem mais ser comercializadas no país. Os implantes fabricados antes de 22 de março poderão ser vendidos até que se esgotem os estoques.
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:: A certificação
As próteses terão de passar por uma bateria de testes de laboratório para receber certificado do Inmetro e conquistar o direito de entrar no mercado brasileiro. Serão avaliados a resistência do material, sua composição e qualidade, além de atestarem a pureza das próteses.
:: Requisitos de identidade
Os implantes deverão ter marcações contendo o nome ou marca registrada do fabricante, o volume nominal ou tamanho e o número de série. A etiqueta de rastreabilidade deverão conter uma série de informações: nome ou modelo comercial, identificação do fabricante ou importador, código do produto e número de registro na Anvisa. O usuário também receberá informações sobre a expectativa de vida útil do implante e avisos como “Implantes mamários têm vida útil limitada” e “Este implante poderá necessitar ser removido ou substituído, o que pode implicar uma cirurgia de revisão”.
:: As próteses
As próteses têm um prazo de validade?
Não existe uma durabilidade máxima. Acredita-se que as próteses fabricadas atualmente melhoraram e possam durar por longos períodos. Estudos feitos com próteses mais antigas, no entanto, apontam um índice de rompimento de 10% depois de uma década. Passados 15 anos, o percentual sobe para 15%. Normalmente, trabalha-se com um prazo de 10 anos, a partir do qual se deve avaliar a necessidade de substituição Ao fazer um implante, a mulher deve estar ciente de que ele não é para sempre e que novas cirurgias são, com frequência, necessárias.
Quando se deve fazer a troca de prótese?
Depois de 10 anos do implante, deve-se avaliar essa possibilidade, levando em conta os aspecto clínico e exames como a ressonância magnética. No entanto, se ha prótese estiver íntegra depois de 10 anos, pode-se deixar para mais adiante.
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Qual é a diferença das próteses nacionais e importadas?
Em termos de qualidade, a diferença não seria significativa, porque o silicone utilizado por todos os fabricantes e fornecido por apenas duas empresas, sediadas nos Estados Unidos.
A diferença maior é nos desenhos e formatos das próteses. A diferença de custo também é pequena, com leve vantagem para a indústria nacional. As próteses custam em média entre R$ 1 mil e R$ 3 mil.
Como é feita a escolha da marca?
O padrão é que a indicação seja feita pelo médico. O critério é a adequação de determinada prótese à anatomia da paciente e ao resultado desejado por ela.
:: Os riscos e cuidados
Que acompanhamento deve ser feito para avaliar se a prótese está em boas condições?
No caso das jovens, a avaliação periódica com o ginecologista deve incluir um exame das mamas, que pode indicar alguma alteração no implante. A partir dos 40 anos, toda mulher deve fazer mamografia e ultrassonografia anuais, que podem sugerir alguma alteração no silicone. Se isso acontecer, uma ressonância pode ser solicitada para revelar se houve rompimento.
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Quais os riscos com o rompimento?
Em geral, os danos são locais. Há risco de inflamações e contratura da membrana que se forma em torno da prótese. Em situações mais sérias, o quadro pode evoluir para uma infecção generalizada. No caso das próteses adulteradas (PIP e Rofil), os danos podem ser maiores.
Por que as próteses dos fabricantes Rofil e PIP oferecem risco maior?
As próteses mamárias são feitas com um tipo de gel que, em caso de rompimento, causa pouco dano ao organismo. Esse silicone fica retido pela membrana que se forma ao redor do implante em um processo natural de defesa do organismo. Nas próteses banidas, além de o índice de rompimento ser de cinco a 10 vezes maior, foi utilizado um tipo de silicone industrial líquido que não é de uso médico. Ele se infiltra e pode atingir outras partes do organismo, como os gânglios da axila e o fígado.
Quais são os sinais de que pode haver algum problema no implante?
Os sintomas mais comuns são vermelhidão, dor, endurecimento e contratura na mama. Alterações de formato também devem ser levadas em conta.
Existe um tamanho mais adequado?
O tipo físico deve ser levado em conta. A própria dimensão do seio limita o tamanho da prótese, já que ela terá de caber no seu interior. Quando uma mulher tem um implante muito grande, significa que ela já fez cirurgias anteriores, com volumes menores, e que a pele cedeu, permitindo uma prótese maior. Mamas muito pesadas podem causar problemas na coluna.
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:: A cirurgia
Qual é o tamanho do corte feito na cirurgia?
De quatro a seis centímetros, dependendo do tamanho da prótese.
A cirurgia pode trazer efeitos adversos?
O efeito adverso mais comum é a contratura da membrana que se forma em torno da prótese, que ocorre em 10% a 20% dos casos, que causa desconforto e deformações. Nas reconstituições de mama, feitas em casos de câncer, há necroses em 10% a 20% dos casos.
Fontes: José Luiz Pedrini, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, Antonio Frasson, professor da Faculdade de Medicina da PUCRS e coordenador do Centro de Mama da PUCRS, Paulo Amaral, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica no Rio Grande do Sul