Se de dia é ruim, à noite é ainda pior. 

Trafegar pela BR-470 no período noturno exige coragem. Os buracos desaparecem em meio à escuridão e há trechos em que a faixa amarela entre as pistas fica transparente, apagada. 

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Você só sabe que está do lado certo por conta dos faróis que surgem no sentido contrário. Não é raro ter de lidar com a luz alta alheia, que indevidamente atrapalha a visão. 

Mas dá para entender o motivo: às vezes sem ela é impossível ter certeza do que há pela frente. Andar pela rodovia à noite exige atenção triplicada.

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A reportagem passou pela BR-470, entre Blumenau e Rio do Sul, em uma noite fria de inverno, de céu limpo e lua cheia. Na maior cidade do Vale, a BR-470 mistura trechos duplicados com simples. 

Na parte nova, pista sem muitos defeitos, tachões refletivos em todas as linhas e mureta de concreto que divide os sentidos. Placas e cones sinalizam o fim da duplicação. Antes deles, marcas de frenagem indicam que muitos apressados perceberam o limite quase tarde demais.

O mesmo ocorre em alguns pontos com lombadas eletrônicas, nas áreas urbanas. Pouco antes das estruturas de fiscalização as manchas dos pneus que pararam de repente no asfalto denunciam a velocidade acima do permitido.

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Para a Polícia Rodoviária Federal, a pressa e imprudência são responsáveis pela maioria dos acidentes. O policial Manoel Fernandes, que trabalha no posto de Rio do Sul há quase 30 anos, divide os motivos em três: 96% comportamento humano, 3% defeito mecânico e 1% problemas na via. Ele concorda, porém, que a falta de iluminação à noite é determinante para alguns tipos de ocorrências. 

— Principalmente nos cruzamentos, as pessoas sobem em canteiros, passam direto porque falta iluminação. Precisa de mais sinalização — constata. 

O DNIT informou, por nota, que não tem “recursos para manutenção da iluminação das rodovias federais” e que a responsabilidade é das prefeituras, que recebem a Contribuição para Custeio da Iluminação Pública (Cosip). 

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Prejuízo de um lado, trabalho de outro

Enquanto uns choram, outros vendem lenços: Roberto Oriques é borracheiro e ganha a vida com os clientes que enfrentam prejuízos por conta da má condição da BR-470
Enquanto uns choram, outros vendem lenços: Roberto Oriques é borracheiro e ganha a vida com os clientes que enfrentam prejuízos por conta da má condição da BR-470 (Foto: Patrick Rodrigues)

Depois de Indaial, os caminhões caçamba, as vigas enormes que ocupam as margens da rodovia, o barro trazido pelo vaivém do maquinário e todos os sinais da obra de duplicação desaparecem. Os retalhos no asfalto são mais frequentes, assim como os buracos. Os carros dançam de um lado para o outro na tentativa de desviar de todos eles.

Qualquer distração pode custar um pneu. Prejuízo para o motorista, trabalho para as dezenas de borracheiros que esperam os chamados 24 horas por dia, em diversos pontos da BR-470. 

Um deles, Roberto Oriques, 40 anos, conta que é à noite que os acionamentos ficam mais frequentes. Ele mora em Apiúna e atende um dos trechos mais esburacados da rodovia.

> Leia todas as reportagem do especial “Os dois lados da BR-470”

Em noites calmas, Roberto sobe a serra em direção a Ibirama e garante que encontra de dois a três carros esperando por ajuda — o sinal do celular falha em muitos locais do caminho.

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— Tem dias que passo sem fazer nada, mas sei que à noite vou ter lucro. Na escuridão o pessoal não enxerga o buraco, a BR está dando um prejuízo tremendo (para os condutores). Sei de borracheiro que ganha R$ 2 mil por dia — revela Oriques.

A BR nunca dorme

Rodovia esburacada com caminhões dos dois lados da pistas
À noite, buracos ficam camuflados e a sinalização precária exige de motoristas cautela e atenção em diversos trechos como este, no Alto Vale do Itajaí (Foto: Patrick Rodrigues)

Enquanto conversa, o barulho alto de caminhões que passam pelo asfalto, vindos ou indo em direção à BR-470, que pode ser vista ao fundo, abafam a voz da mulher. 

Com a diminuição da circulação de carros durante à noite, o fluxo desses grandes veículos parece ficar mais intenso. Eles chegam a sacudir os automóveis menores com a força do deslocamento de ar — capaz de derrubar um ciclista. Mesmo assim, não é difícil ver moradores e trabalhadores pedalando às margens da rodovia.

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A PRF condena a escolha, diz que BRs são feitas para trânsito em alta velocidade, de longas distâncias. A pé ou de bicicleta, só em casos de extrema necessidade. À noite, com a iluminação praticamente inexistente em quase toda a extensão, o perigo é ainda maior. 

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E se para o ser humano o risco é alto, a fauna nas regiões de matas próximas à BR-470 também paga um preço alto. Nos acostamentos, cadáveres de capivaras e outros animais silvestres vítimas de atropelamento se decompõem enquanto a equipe de manutenção do DNIT não chega para a retirada.  

Animais, comércios, postos de gasolina, caminhões, bicicletas, pedestres, prostitutas, motéis, restaurantes, lanchonetes, borracharias e movimentação a qualquer hora do dia e da noite.

É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que o recado é claro: a 

BR-470 nunca dorme.

Assista: “Os dois lados da BR-470”