O grave acidente que deixou nove mortos na BR-376, no último domingo (20), trouxe à tona novamente a segurança — ou a falta dela — para os motoristas na rodovia que liga Santa Catarina ao Paraná. Apesar de possuir duas áreas de escape, utilizadas para reduzir ocorrências com veículos pesados sem freios, o trecho possui um histórico violento nos últimos anos.
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A BR-376 tem início em Dourado, no Mato Grosso do Sul, atravessando o Paraná por Paranavaí, Ponta Grossa, Curitiba até Garuva, em Santa Catarina. Na região da divisa, encontra-se o trecho de serra e os maiores perigos durante o trajeto: em 15 quilômetros, do Km 660 ao Km 679, há um declive de 700 metros de altitude. Entre esses pontos aconteceram alguns dos mais graves acidentes da rodovia durante o ano.
Veja fotos da rodovia BR-376
Os motivos dos acidentes são diversos. Há aqueles que envolvem o tombamento dos veículos, como uma carreta que deixou o motorista morto e 11 feridos, em setembro. Há também casos de acidentes seguidos de engavetamentos, como o de um caminhão que pegou fogo e matou duas pessoas em engavetamento, em agosto deste ano.
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Já os mais graves, geralmente, acontecem por falhas mecânicas dos veículos. Conforme apontam as investigações iniciais da Polícia Civil do Paraná (PCPR), este, inclusive, deve ser o motivo do caso mais recente que envolveu a morte de atletas e pessoas envolvidas com um time de remo de Pelotas (RS).
A van da equipe Remo Tissot voltava para o estado gaúcho após participar de uma competição da modalidade em São Paulo. Informações preliminares indicam que, no trajeto, uma carreta apresentou problemas no câmbio de marchas, o que dificultou a utilização do freio motor, entrou em excesso de velocidade e bateu na traseira da van, que foi projetada para frente e atingiu um carro. Em seguida, a van rodou na pista e o caminhão a arrastou para fora, tombando sobre ela. Nove pessoas morreram no local. Ainda, a investigação aponta que estava chovendo durante a noite.
Chuvas e imprudência provocam medo na rodovia
Ao longo do trajeto de serra, motoristas encaram uma série de curvas sinuosas, que podem ficar ainda mais perigosas em dias de chuva ou cerração. As diversas placas sobre o limite de velocidade de 60 km/h, risco de tombamento e necessidade de atenção dos condutores, alertam para os riscos que são enfrentados no caminho. O trecho também possui radares, sinalização, iluminação noturna em alguns trechos e áreas de escape. Mesmo assim, a combinação de chuva com o período noturno é um dos fatores que mais assustam motoristas que passam pelo local.
A empresária Ana Paula Kogin Tomaschitz, de 49 anos, passa pelo trecho de serra, pelo menos, uma vez por mês, há três anos. Moradora de Joinville, ela é sócia-torcedora do Athletico-PR e frequenta os jogos no estádio do clube, em Curitiba. Por falta de segurança, a noite chuvosa é um dos períodos que ela evita transitar pela BR-376.
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— O que mais me deixa tensa é em relação à neblina e quando chove demais. Essa situação em qualquer estrada me deixa assim. Eu evito, não gosto. Mas, se realmente é necessário ir, eu tomo mais cuidado — revela Ana Paula.
Além de fenômenos naturais, a serra da BR-376 se torna um perigo quando há imprudência dos motoristas. A empresária também relata medo nestas situações.
— Tenho receio em relação ao “abuso” de muitos motoristas no excesso de velocidade em pontos onde a sinalização pede para reduzir. Outros casos são os de embriaguez e falta de manutenção nos veículos e caminhões. Se todos cuidassem e dirigissem dentro das regras, muitos acidentes poderiam ser evitados — relata Ana.
A pesquisadora e especialista em Segurança do Trânsito, Marcia Pontes, aponta que um dos principais fatores de risco na rodovia são a autoconfiança do motorista e a falta de manutenção dos veículos.
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— É importante que cada condutor entenda que trânsito é comportamento. Acidente é o que a gente não consegue prever. Descer a serra, sem a manutenção em dia, acima da velocidade, dá para prever que não vai dar certo. O mais importante não é chegar rápido, é chegar vivo — afirma a especialista.
Ela também explica que caminhões carregados com toneladas de produtos podem ser “armas” na estrada.
— A serra exige muito mais do veículo. O que observamos são caminhões enormes, carregados. O risco de um veículo assim perder o freio, por conta da falta de manutenção, é muito grande — explica Marcia.
Concessionária da rodovia, a Arteris Litoral Sul garante que houve uma redução de 47% no número de acidentes no trecho nos últimos 10 anos. Segundo a Arteris, um sistema, nomeado “Pirilampo”, com um semáforo de alerta, avisa aos motoristas sobre interrupções no trânsito à frente, como quando há neblina ou chuva intensa, e há dificuldade de enxergar na pista. Também diz ter investido R$ 26,8 milhões em iluminação com tecnologia LED nos 200 quilômetros de rodovias. Ainda no mesmo trecho, a concessionária diz ter instalado dez radares de velocidade — e pretende, até 2025, implantar mais quatro.
Procurada pela reportagem, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) preferiu não se manifestar sobre o histórico de acidentes da BR-376.
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“Anjos na estrada”, áreas de escape salvam motoristas
Perigosa, a BR-376 contém alternativas de segurança, como áreas de escape, instaladas no Km 671,7 e no Km 667,3. No entanto, o acidente, que deixou nove atletas mortos aconteceu no Km 665, dois quilômetros antes da entrada do local de escape.
As áreas de escape são locais semelhantes a pistas de Fórmula 1, com profundidade de quase um metro preenchidas com argila expandida, para que os motoristas que percebam uma falha mecânica no veículo possam entrar nesse “desvio” e ter uma frenagem emergencial segura.
De acordo com dados da Arteris Litoral Sul, concessionária da pista, somente em setembro de 2024, foram 72 acessos com 102 vidas salvas. A concessionária afirma que as estruturas foram responsáveis pela redução de 80% no número de mortes, evitando 617 acidentes e salvando 1.068 vidas, desde 2011.
Há vezes em que o dispositivo registra mais de uma entrada por dia. Isto foi o que aconteceu em 2 de outubro deste ano, quando dois caminhões, que ficaram sem freios, precisaram utilizar áreas de escape da BR-376 para evitar acidentes, com uma hora de intervalo entre as entradas. Os dois motoristas não se feriram.
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Assim que um veículo entra na área de escape, monitorada por câmeras, a Arteris Litoral Sul, concessionária da pista, envia operadores para atender a ocorrência e realizar a retirada do veículo. São profissionais de saúde e ambulância, operadores de guincho e também inspetores de tráfego, que auxiliam na sinalização da via para outros motoristas.
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