Quem trafega com frequência pela BR-101 em Santa Catarina costuma sentir na pele o problema dos congestionamentos em um trecho que é considerado um dos principais gargalos de infraestrutura do Estado: o trajeto que corta as cidades de Navegantes, Itajaí, Balneário Camboriú e Itapema. Esta faixa do Estado, famosa pelo recente crescimento do mercado de imóveis e do turismo, inclui quatro das 10 cidades que mais ganharam moradores na última década, segundo o Censo 2022. Também foram responsáveis por R$ 75 bilhões, 17% de tudo o que foi produzido pelo Estado em 2021, conforme dados do PIB por municípios, divulgado este mês pelo IBGE.
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Toda essa expansão cobra seu preço nas áreas de infraestrutura e mobilidade. A BR-101, principal rodovia do Estado, tem no trecho de Itajaí o ponto considerado mais crítico da rodovia. Congestionamentos diários são registrados nas vias principais e em pontos específicos como os trevos da BR-101 com as rodovias Jorge Lacerda, que dá acesso a Blumenau, e Antônio Heil, ligação com Brusque.
Os transtornos vão muito além de atrasos e impaciência no trânsito. Reconhecida pela atividade portuária, com os terminais de Itajaí e Navegantes, responsáveis por metade da movimentação dos portos de Santa Catarina, a região deixa presos nas filas caminhões com cargas de indústrias catarinenses. O resultado é prejuízo à eficiência logística, às empresas e até mesmo ao Estado, com o consequente impacto na arrecadação.
– É estresse também. É perda porque a gente tem horário pra deixar a carga. O contratante fica ligando e perguntando: “Onde é que tu estás?”. Tu tens que bater foto da BR, dizer que a BR está parada, porque eles não acreditam no motorista – conta o caminhoneiro João dos Santos.
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Os gargalos de infraestrutura
O prefeito de Bombinhas e presidente da Associação de Municípios da Foz do Rio Itajaí (Amfri), Paulo Henrique Dalago Müller, o Paulinho (Podemos), diz que a região tem basicamente dois grandes gargalos do ponto de vista de infraestrutura. O primeiro é a mobilidade, com a sobrecarregada BR-101, a necessidade de conclusão da duplicação da BR-470, que liga o Litoral ao Vale, e de vias de acesso aos portos.
A segunda urgência de infraestrutura são os próprios portos, com a resolução de problemas como a nova concessão do terminal de Itajaí e a ampliação dos canais de acesso, para permitir a entrada e saída de embarcações maiores, de 400 metros. Atualmente, os terminais recebem no máximo navios de 350 metros.
– Sem dúvida nenhuma nosso grande gargalo hoje é mobilidade. Fazer chegar até o porto, trafegar por nossas rodovias, e também melhorar a estrutura da questão portuária, principalmente os canais dos rios. Estamos falando de um porto privado e um público, que envolve dificuldade de investimentos do setor público diretamente, por conta das amarras em licitações, mas isso tem que ser resolvido o mais rápido possível – defende o prefeito.
O diretor superintendente administrativo da Portonave, Osmari de Castilho Ribas, confirma que a condição das rodovias causa reflexos diretamente nas atividades do porto, que cresceu 9% neste ano e é líder de movimentações entre os portos privados, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
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– Nós temos uma movimentação dos dias de pico perto de 3 mil caminhões. O que significa um volume muito grande e portanto qualquer restrição no trânsito tem impacto no nosso processo operacional – afirma.
Indústrias cobram obras de ampliação na BR-101 desde 2017
A sobrecarga na BR-101 no trecho de Itajaí motiva cobranças do poder público e de entidades por melhorias que ajudem a mobilidade e também o transporte de cargas. Em 2017, um grupo técnico liderado pela Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) apresentou uma série de sugestões à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com obras como terceiras faixas e melhorias em viadutos e marginais.
O investimento necessário à época era de R$ 2,6 bilhões. O estudo apontava na ocasião que se nada fosse feito, o prejuízo à região chegaria a R$ 9,6 bilhões em 2032. Segundo a Fiesc, não houve resposta ao pedido. A ANTT não respondeu à reportagem até o fechamento desta matéria.
Em julho de 2023, uma nova cobrança da Fiesc à ANTT pediu a autorização ao menos de obras emergenciais, como a construção de terceiras faixas novas no trecho entre Penha e Balneário Camboriú. A entidade também afirma não ter recebido resposta até o momento.
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– A BR-101 é essencial porque há ali uma atividade portuária imensa, são 2,2 milhões de contêineres, o porto de Navegantes é o segundo em movimentação de contêineres do Brasil, então temos um dos complexos portuários mais importantes da América do Sul. Isso tudo se perde, é emprego, competitividade. Tem que ser iniciado com emergência, é uma questão de curtíssimo prazo – cobra o presidente da Câmara de Transporte e Logística da Fiesc, Egídio Antônio Martorano.
Teste de terceira faixa na BR-101
Em dezembro deste ano, a concessionária Arteris, que administra a rodovia BR-101, fez um teste por três dias de uma medida emergencial, com o uso do acostamento adaptado como uma terceira faixa no trecho de Itapema a Itajaí. O resultado foi inconclusivo. Prefeituras da região defendem um novo teste por 15 dias em janeiro. O assunto deve ser discutido no começo do próximo ano.
A Arteris enviou nota à reportagem informando que investiu mais de R$ 6,8 bilhões nos últimos 15 anos em obras de ampliação da capacidade da BR-116, BR-376 (no Paraná) e no trecho catarinense da BR-101. A empresa também informou que novas obras e investimentos podem ocorrer “a partir de uma possível repactuação dos contratos de concessão de rodovias proposta pelo governo federal”.
A hipótese de extensão do contrato por mais 15 anos já foi especulada nos últimos meses e a companhia informa em nota que está fazendo estudos para se enquadrar nas modalidades que permitem a reformulação de contratos com o governo federal. O prazo para apresentação de propostas vai até 31 de dezembro.
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O presidente da Federação das Empresas de Transporte de Carga do Estado de Santa Catarina (Fetrancesc), Dagnor Schneider, confirma que as obras como marginais e terceira faixa poderiam contribuir para mitigar os problemas atuais deste trecho, mas na avaliação dele a solução definitiva para longo prazo exige novas alternativas de rodovias.
Um projeto citado pelo dirigente vem sendo chamado de BR-102, e seria uma rodovia paralela à 101, no trecho entre Joinville e o acesso ao Contorno da Grande Florianópolis. Atualmente, o governo do Estado elabora licitações para fazer os projetos dos cinco lotes desta possível rodovia.
— Santa Catarina não sobrevive (só) com a BR-101 por mais cinco, 10, 15 anos. Esse projeto é de longo prazo, e se não inicia logo, cada vez estaremos mais distantes. Cada vez mais próximos do colapso — afirma o presidente da Fetrancesc. (Colaborou Talita Catie)
Porto de Itajaí espera retomada com novo contrato
O Porto de Itajaí tem uma dificuldade adicional além da necessidade de ampliação do canal para entrada de embarcações maiores. O porto movimentou mais de 350 mil contêineres no ano passado e arrecadou R$ 27 bilhões, mas no começo deste ano viu a movimentação cair 90% depois que o contrato com a empresa que administrava os maiores berços terminou sem qualquer renovação. Em 2023, somente cargas que não dependem de contêiner, como carros, celulose e açúcar, foram transportadas. Com os pátios praticamente vazios, centenas de trabalhadores perderam o emprego.
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– As famílias que dependem diretamente desse porto, desde o motorista do caminhão até o pessoal que trabalha no galpão de logística, porto seco, acabam tendo impacto direto negativo muito forte. E essas pessoas, sem renda, acabam impactando outros setores da economia local, como supermercados, escolas, comércio – explica o economista e professor da Furb, Bruno Thiago Tomio.
O problema começou a ser resolvido este ano, com a definição de uma nova empresa que vai operar o porto temporariamente por dois anos. A medida deve ser homologada em janeiro.
– Eu acredito que em fevereiro nós já estaremos aptos a voltar com a movimentação de contêineres. A movimentação estimada pela empresa é de 44 mil TEUs (medida que equivale a contêineres de 20 pés), praticamente o volume que foi registrado em 2021 – afirma o superintendente do Porto de Itajaí, Fábio da Veiga.
Outra demanda histórica e que também poderia melhorar a eficiência tanto da mobilidade quanto do porto, a Via Portuária de Itajaí, é outra demanda defendida no município e que pode inclusive estar na pauta das eleições municipais do próximo ano. Um trecho da obra chegou a ser feito há mais de uma década, mas não houve mais avanço.
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– Estamos falando de uma cidade muito importante da nossa região, que este ano alcançou o maior PIB do Estado, e com o que entra e fica na cidade tenho certeza que temos condições de fazer uma via portuária e melhorar nossa mobilidade urbana – defende a presidente da Associação Empresarial de Itajaí (Acii), Gabriela Kelm do Nascimento.
Estradas de ferro em segundo plano
Em meio a tantos gargalos e defesas de investimentos para melhorar a infraestrutura e a mobilidade, projetos como a construção de ferrovias aparecem de alguma forma à margem dos debates e dos discursos defendidos por entidades. Apesar disso, as estradas de ferro para escoamento de produção e transporte de produtos até os portos do Litoral Norte ainda são vistas por prefeitos da região como um elemento fundamental para planejar o futuro da região.
A Secretaria de Portos, Aeroportos e Ferrovias do governo do Estado afirma atuar na elaboração de um projeto ligando Navegantes a Araquari, um trajeto de 60 quilômetros. Um grupo de trabalho com representantes do governo e de entidades conduz as negociações. O governo já fez reuniões para apresentar o projeto a possíveis investidores, como o China Railway Construction Corporation (CRCC), uma dos maiores construtoras de ferrovias do mundo.
Outro trecho entre Chapecó e Correia Pinto também está nos planos do Estado e já teve um projeto básico apresentado a eventuais investidores. Juntos, os dois trechos somariam 381 quilômetros de estrada de ferro. O prazo de conclusão dos projetos destes dois trechos de ferrovias é outubro de 2024.
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– Se nós não iniciarmos a discussão das ferrovias, dentro de 10 anos estaremos aqui falando de um colapso total, sob a chance de findar a economia de Santa Catarina. Hoje não se fala de portos sem falar de rodovias, mas a gente também não fala de evolução se não falar de ferrovias – afirma o prefeito de Bombinhas e presidente da Amfri, Paulo Henrique Dalago Müller, o Paulinho (Podemos). (Colaborou Felipe Sales, da NSC TV)
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