Podemos pensar a vida como um grande bordado. No pano da vida vamos bordando e acumulando experiências, colorindo com sentimentos, aprendendo novos pontos de vista, desatando os nós que nos prendem, juntando forças para recomeçar, como quando uma agulha fura o pano pela primeira vez. E no pequeno pano grande da vida, podemos nos limitar a um objetivo desenhado em algum momento. Mas também podemos imaginar e ousar em novas ações e expressões, como bordar maçãs vermelhas, roxas e amarelas, gramas azuis e um céu verde. Assim, nossa aventura neste pano da vida pode ficar mais divertida e livre. E o avesso? Assim como um bordado não existe sem o seu avesso, também temos que olhar para o avesso de nós mesmos, para nossas desventuras, para aquilo de nós que não queremos ver. O avesso do bordado ajuda a sustentar a sua beleza.
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A analogia entre o bordado e a vida é um trecho de um poema escrito pela psicóloga e arteterapeuta Susan Mariot, coordenadora do grupo de mulheres de Florianópolis que trabalham o autoconhecimento usando as técnicas dessa costura ornamental como recurso. Falar de bordado e de vida, diz Susan, significa também falar de paciência e do tempo. `¿Para o fazer e refazer, para desatar os nós e dificuldades, para clarear a confusão das linhas e do pensamento¿¿, explica.
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Bordar, segundo a psicóloga, pode ser terapêutico. Quando linhas, agulhas e panos se encontram com alguém que quer restabelecer a vida, expressar sentimentos, ou até ocupar-se, uma obra de arte é criada. E quando a história pessoal de cada uma é bordada, as alegrias são revividas, as experiências são incorporadas, e as dores são divididas no pano. Além disso, quando alguém se dedica ao bordado, sua atenção fica tão envolvida no que está fazendo que o pensamento se tranquiliza, e os incômodos da vida se abrandam.
Os trabalhos manuais, diz Susan, aliviam o stress do dia a dia. Além disso, o bordado é uma terapia que funciona tanto para quem gosta de estar só, na quietude e no silêncio, quanto para quem prefere estar em grupo, possibilitando belos encontros.
– A arte do bordado traz a conversa gostosa, o olhar ampliado para o beleza de outro bordado, o compartilhamento de sonhos e experiências e a escuta do outro. Bordar em grupo pode ser um bálsamo para as dores e enfrentamentos do dia a dia – ressalta a arteterapeuta.
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Susan começou a bordar ainda criança. Depois, deixou as linhas, agulhas e panos de lado para dedicar-se aos estudos e, mais tarde, à profissão de psicóloga. Quando iniciou o curso de arteterapia, há pouco mais de cinco anos, retomou sua arte, agora já sob este viés terapêutico. Hoje, ela coordena três projetos de vivência com bordadeiras. Um deles é o Ela com seus remendos, no qual as pessoas bordam ciclos da própria vida; o Bordadeiras e Curandeiras, em que por meio do bordado as mulheres recuperam conhecimentos milenares; e o Caminhar em Beleza, quando é bordado um xale resgatando a ¿velha sábia¿ que existe no interior de cada uma, a ancestralidade feminina.
Em 2014 Susan Mariot conheceu o trabalho das bordadeiras Matizes Dumont, de Minas Gerais, que entre várias outras ações ilustram livros de conhecidos escritores brasileiros com os seus bordados, e se encantou. Fez o convite e elas aceitaram ministrar cursos em Florianópolis. Agora, nos dias 14, 15 e 16 de outubro, as irmãs Dumont estarão novamente na Capital, ministrando três oficinas, na Lagoa da Conceição.
Serviço DC
O quê: Curso de bordado Matizes Dumont _ Meninos e meninas que cuidam do planeta
Quando: turmas nos dias 14 ou 15 de outubro
Horário: das 9h às 17h
Preço: R$ 350
O quê: Curso de bordado Matizes Dumont especial flores
Quando: 16 de outubro
Horário: das 9h à 13h.
Preço: R$ 240
Local: Rua Manuel Severino de Oliveira, 185, Edifício Solar Ruth de Oliveira, Lagoa da Conceição, Florianópolis
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Informações: susanmariot@gmail.com
Telefone para contato: (48) 9982 1024
Coração estampado nas peças de bordado
Vera Lúcia Faria aprendeu a bordar com a mãe, como a maioria das meninas, num tempo em que os trabalhos manuais faziam parte das atividades diárias das meninas e moças. Depois, veio a fase do esquecimento. Dedicou-se à profissão de professora, casou, teve filhos. Há alguns anos, passou por uma complicada cirurgia cardíaca, que exigiu uma recuperação demorada. Foi então que teve tempo de sobra e disposição para resgatar suas linhas e panos, esquecidas pelo tempo.
Numa pesquisa na internet conheceu o trabalho das irmãs Dumont, de Minas Gerais, e se apaixonou. Soube que elas estariam em Florianópolis para ministrar oficinas e se inscreveu, no ao passado. Foi amor ao primeiro encontro. Não parou mais de bordar. Encontrou arte e terapia numa só atividade. Começou a bordar principalmente corações – que se tornariam sua marca registrada –, passando para o pano as emoções que sentiu durante a doença cardíaca. Em cada coração Vera borda frases de otimismo e esperança, espalhando por aí sua generosidade e beleza.
A bordadeira tem quatro filhos, sendo três mulheres. Todas profissionais reconhecidas e com rotinas estressantes. Pelo menos por enquanto nenhuma desenvolve a verve artística da mãe. Mas, na vida, há um tempo para tudo. Quem sabe no futuro?
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Onde linhas tortuosas podem ser desmanchadas
O que a professora Marilde Juçara da Fonseca, 54 anos, mais gosta no bordado é a possibilidade de fazer e desmanchar, deixando o trabalho cada vez mais bonito.
– Aprender a desmanchar, saber que é possível recomeçar e fazer melhor é muito terapêutico – diz ela, numa clara analogia entre o bordado e a vida.
Como professora, Marilde já conhecia vários livros infantis ilustrados com bordados, especialmente pelas irmãs Dumont. Quando eu soube que elas viriam dar uma oficina em Florianópolis, se inscreveu.
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– Foi transformador, me apaixonei e o bordado se tornou um vício – conta.
Aprendeu a bordar ainda criança. A avó olhava o avesso da peça, para ver se estava perfeito. Agora, no bordado terapêutico, ela aprendeu que não é preciso ser tão exigente, e que se precisar desmanchar, isso também faz parte do crescimento. O bordado, diz Marilde, também a ajudou a ter um olhar mais aguçado e sensível.
– Hoje reparo mais nas cores da natureza, nas formas. É uma nova maneira de ver a vida – explica.
O que era distração virou vício.
– Hoje preciso esconder os panos, linhas e agulhas de mim mesma, porque minha vontade é de passar o dia bordando – conclui.
Arteterapia foi empregada para tratar pacientes psiquiátricos
Arte e artesanato são, comprovadamente, coadjuvantes eficientes no tratamento de doentes mentais ou de pessoas acometidas por patologias psiquiátricas, como os depressivos, já que a prática exercita várias habilidades e acaba favorecendo o encontro do indivíduo consigo mesmo.
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Na década de 1940, a psiquiatra Nise da Silveira foi transferida para o Setor de Terapia Ocupacional do Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro, e iniciou uma verdadeira revolução no tratamento dos doentes psiquiátricos. Por meio da terapia ocupacional, de um ateliê de quadros e esculturas e do convívio com gatos e cachorros, a psiquiatra desafiou o tratamento tradicional de esquizofrênicos. Ela fez mais do que isso: introduziu o afeto como elemento transformador no tratamento. Foi a sua coragem e determinação que abriram novos caminhos no tratamento e no respeito a essas pessoas.
O bordado pode ser, também, uma forma de ajudar o próximo. É isto o que fazem, por exemplo, as bordadeiras do grupo ¿Mãos que se Doam¿, voluntárias do Hospital Azambuja, de Brusque, no Vale do Itajaí. As peças são vendidas durante o ano inteiro, e o dinheiro arrecadado é revertido em equipamentos para o hospital.
Em Blumenau, o bordado também está em alta. A partir de novembro será possível visitar uma linda coleção de trabalhos manuais, especialmente bordados, da coleção particular da bordadeira Janete Pasold. As peças serão expostas no recém-inaugurado Instituto do Bordado Terapêutico. São peças da Alemanha, França, Dinamarca, Rússia e China, reunidas em 40 anos de pesquisas e viagens. Há trabalhos do século 17, mas a maior parte é da segunda metade do século 19 e primeira do século 20.
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