Brasileiros que fazem pós-graduação em outros países com bolsas do governo federal poderão permanecer no exterior após a titulação, sem ter a obrigação de devolver o dinheiro investido à União, caso uma comissão de especialistas entenda que eles estão vinculados a pesquisas “técnico-científicas de relevância para o país ou para a humanidade”.

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A legislação brasileira determina que, terminado o prazo da bolsa de estudos no exterior, o beneficiado volte para o Brasil dentro de 90 dias. Aqui, ele deverá permanecer pelo mesmo período de anos de duração da bolsa para assegurar que o investimento traga retorno ao país. A ideia é que o ex-bolsista continue as pesquisas aqui, aplicando o conhecimento adquirido fora do Brasil.

A portaria que regulamenta a desoneração dos ex-bolsistas que justificarem o motivo do não retorno ao país foi publicada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no Diário Oficial da União no final de setembro e já está em vigor. Ainda não há dados sobre bolsistas que poderiam se beneficiar da medida.

– A ideia não é facilitar a permanência do bolsista no exterior. É criar mecanismos mais afinados para entender e avaliar por que esse estudante não voltou – diz Denise de Menezes Neddermeyer, diretora de relações internacionais da Capes.

– Até então, quando recebíamos um pedido de permanência, automaticamente dizíamos não. Agora, vamos examinar com cuidado.

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Nos últimos 10 anos, 19.758 brasileiros foram fazer pós-graduação no exterior com bolsas da Capes. Desses, 380 não retornaram para o país dentro do prazo exigido – o que representa quase 2% do total. Os pedidos de ex-bolsistas para permanecerem no exterior vão para uma auditoria interna na Capes.

Os processos encerrados na coordenação são enviados à Controladoria-Geral da União (CGU) e depois ao Tribunal de Contas da União (TCU), que inicia outro processo de investigação das contas. Segundo Denise, atualmente há 52 processos em fase de apuração relativos a bolsistas que não cumpriram o termo de compromisso assumido com a Capes. Desses, 6 estão em fase de cobrança judicial e, nesses casos, o valor da dívida é R$ 1,3 milhões.

Não existe um cálculo exato do valor que esses ex-bolsistas devem à União – é necessário consultar cada processo no TCU individualmente -, mas estima-se que cada dívida gire em torno de R$ 400 mil (considerando juros e correções).

– Essa dívida é com o erário, com a sociedade, com a União. São cidadãos que devem ao Estado – diz Denise.

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Ainda assim, para Denise, o número de bolsistas que não retorna é pequeno em comparação com o de bolsas concedidas.

– Não é comum os bolsistas ficarem no exterior. A taxa de permanência é baixíssima. Eles voltam, especialmente agora que o mercado brasileiro está aquecido.

Para Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o texto da portaria da Capes é confuso e pode abrir margem para que muitos ex-bolsistas não retornem ao país, já que toda pesquisa financiada com dinheiro público é relevante.

– A solução para o problema não é abrir a porta. Pesquisa que não é relevante não é financiada. Como avaliar o que é relevante? Do jeito que a portaria está escrita, abre um precedente para os milhares de bolsistas que viajam todo ano não voltarem – avalia.

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Para Helena, a Capes deveria analisar cada caso individualmente, sem ter uma portaria.

– Não dá para legislar em cima da exceção – diz.

Para ela, nem o fato de a pesquisa ser relevante justificaria o não retorno ao país.

– Ele tem de voltar. Se não quiser, tem de devolver o dinheiro para a União.

As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.