“Profissão: Mãe”. Essa poderia muito bem ser a descrição no crachá de Meire Diógenes da Silva. No papel, ela tem três filhos: Janaína, Thais e João Pedro. Mas no coração, há lugar para mais 300. Todos que devem sempre andar na ponta dos pés, ou melhor, da sapatilha, mas estão liberados para fazer barulho, principalmente se for barulho corporal em cima dos palcos.

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Há quatro anos, Meire é a coordenadora de Apoio Educacional da Escola de Teatro Bolshoi no Brasil. Aquele colo de mãe, conselho de amiga e até o puxão de orelha, é só chamar. Na sala de trabalho, as fotos dos alunos da escola enfeitam o mural e, no fundo, poltronas confortáveis estão a disposição para quem quiser sentar e conversar. Pode entrar e ficar à vontade.

Não faz muito tempo, Meire era apenas mãe. Não uma mãe qualquer. Era mãe de bailarina. Thais, a filha do meio, entrou no Bolshoi com nove anos. A menina, na época, não se sentia tão atraída pela dança, mas o talento distinto transpareceu. Meire teve que aprender a lidar com a rotina dos dançarinos que, diga-se de passagem, não é nada fácil.

– Às vezes, a Thais tinha que ensaiar nos domingos e feriados, outras vezes tinha que ficar aqui (Bolshoi) o dia todo. Eu não era tão envolvida com o trabalho artístico -, conta.

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Assim, Meire não acompanhava tão de perto a filha, mas, como qualquer mãe de artista, o orgulho era evidente em cada apresentação.

Thais, cada vez mais envolvida com a dança, “tinha uma nova família”. Meire, cada vez mais envolvida com a escola, tinha um novo olhar. A admiração tanto pela escola quanto pela filha cresciam assim como o talento de Thais.

– Ter uma filha no Bolshoi me ensinou grandes lições – – fala enquanto olha para Thais –

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– Uma das cenas mais marcantes foi quando a Thais estava numa apresentação importante e a sapatilha desamarrou. Eu, na plateia, entrei em desespero. Thais saiu de cena pra dar lugar a outra bailarina, amarrou a sapatilha nos bastidores e voltou serena para o palco. Quantas vezes eu não soube amarrar a minha sapatilha e voltar com um sorriso no rosto -, se emociona.

Diretora de escola e mãe de bailarina

Em 2008, Meire passou a fazer parte do Bolshoi. A experiência como diretora em escolas públicas resultou em um convite para trabalhar na área educacional da escola. Sem pensar, ela aceitou. Hoje, mais do que a mãe de Thais, ela é a mãe e amiga de Pedros, Brunas, Luízes e de todos os 298 bailarinos do Bolshoi, sem falar dos pais de cada um.

Ela é o intermédio entre a família e o Bolshoi, principalmente daqueles que ficam em outras cidades acompanhando os filhos de longe. A voz e a postura doce de Meire ajudam a entender a confiança que depositam nela, mas as falas firmes também demonstram o ar de mãe que dá bronca quando necessário.

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– Os alunos vem me procurar para qualquer coisa. Quando brigam com a namorada (o), quando estão com dificuldades nas aulas, quando estão com saudade da família, quando conquistaram uma vaga no elenco, quando…-, lista sem parar.

As redes sociais da educadora são recheadas por recados dos alunos e o telefone não tem hora pra tocar.

– É uma central telefônica -.

Todos os dias, quando sai do Bolshoi, Meire passa na casa social, na casa da irmã (que abriga 20 alunos) e em cada canto que tenha jeito e cheiro de balé.

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O fato de ser mãe de quem já passou pelo Bolshoi é uma ponte para chegar aos pais. Meire tem que saber equilibrar o jeito maternal com o profissionalismo e se depara diariamente com as dificuldades da função.

Quando passou a trabalhar na escola, a filha Thais deixou de ser a “boneca de cristal” e passou a ser uma profissional respeitada. É isto que ela tenta passar aos pais: os filhos tem grandes reponsabilidades, mas sempre terão braços (e abraços) estendidos.

– Sei que a Thais vai voar longe e um dia não estarei ao lado dela. Quero que ela também tenha uma Meire por perto -, sorri.

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Unidos pela saudade da família

Saymon, 17, Savyo, 16, e Sayron, 14. Os irmãos Alves Pereira estão em peso no Bolshoi. Seja por talento, seja por responsabilidade. Afinal, morar a 610 quilômetros de casa exige postura de gente grande.

Em janeiro, eles deixaram a cidade de Campinas, interior de São Paulo, para integrar a filial da escola russa no Brasil. Os três passaram na audição que aconteceu no ano passado durante a primeira edição do Grand Prix do Festival de Dança de Joinville em Paulínia e arrumaram as malas em busca de aperfeiçoamento na dança.

Os meninos ainda não conheciam o Bolshoi, mas quando souberam da seleção de uma escola de balé que aconteceria na cidade próxima, se arriscaram. Deu certo. Além da postura de bailarino e do talento para a dança, os três já embarcavam no balé desde 2005 na cidade natal.

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Quem começou a puxar a família de artistas foi a irmã mais velha. Logo, o caçula Sayron, apesar de ser o mais tímido, fez algumas aulas na escola local e não demorou muito para os outros dois embarcarem no “padedê”.

As aulas se tornaram rotina na vida nos irmãos mas, apesar de frequentar religiosamente os ensaios que aconteciam de segunda a quinta-feira, conciliados com a escola regular, o balé era apenas um passatempo.

– A gente começou por incentivo da minha mãe, que achou uma atividade extra para não ficarmos na rua enquanto ela trabalhava -, conta Sayron.

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Os passos de balé iam avançando e o empenho dos bailarinos também. Quando perceberam que o meio artístico era realmente “a praia deles”, a participação no Bolshoi foi um grande acontecimento e a mãe juntou dinheiro para que os três pudessem vir juntos.

– Meu pai disse: ou vai todo mundo ou não vai ninguém -, confessa Savyo.

Para estudar no Bolshoi, os meninos foram encaminhados à Casa Social da escola, onde moram com mais 18 alunos. Um quarto é divido para os três, o que facilita a convivência na moradia, porém, a mudança na rotina ainda é difícil de enfrentar, contam os adolescentes.

A saudade da família, dos amigos e do futebol – este último o principal para Sayron – é constante na vida joinvilense que levam atualmente. Sair da cidade natal para um novo mundo desconhecido sem o carinho materno é desafio enfrentado todos os dias.

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– O mais difícil é ficar longe mãe -, confessa Saymon.

Para matar um pouco da saudade, as ligações para a mãe são diárias. Com exceção de Saymon, que passou 22 dias em Brasília participando de um seminário de dança, nenhum deles tinha se afastado de casa. Por isso, ter um ao outro é um grande conforto

– Nós sempre fomos bem ligados e fazíamos sempre tudo juntos -, explica Saymon. Aqui em Joinville, eles se encontram apenas nos almoços que fazem na escola Bolshoi e a noite, quando voltam para a Casa Social.

A superação é ainda maior nas salas de aulas, revelam. Na escola anterior, em São Paulo, os métodos eram diferentes. As aulas eram embasadas no método Royal, e no Bolshoi o método russo Vaganova é quem domina. Saymon explica que estão tentando se adequar à nova disciplina, fazendo uso do que já trazem na bagagem.

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– Assim teremos duas formas de dança.

Ele está na 6ª série do Bolshoi, o irmão Savyo na 5ª e o irmão mais novo na 4ª.

Dificuldade financeira

Para poder ter aulas na Escola Bolshoi, os meninos recebem bolsa integral. O Bolshoi arca com o material, o transporte, as refeições. Porém, a ajuda financeira na Casa Social em que moram e as despesas extra ainda são problemas enfrentados.

A família paulista passa por dificuldades para manter os três filhos longe de casa. O dinheiro é dividido para os três destinados a produtos básicos como higiene pessoal.

– Primeiro compramos o necessário e às vezes sobra dinheiro para lazer, mas é mais difícil. Agora, os meninos começam correr atrás de patrocínio para que passam levar o sonho adiante.

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Ela já dançou com Baryshnikov

Thais Diógenes da Silva, 17, respira Bolshoi. Aos nove anos, ela entrou na escola e desde lá tem se dedicado inteiramente à vida de bailarina. Um misto de emoções. Entre medo, superação e alegrias, Thais tem muito a contar.

A começar pela melhor experiência que teve, em suas próprias palavras, ao dançar com o russo Mikhail Baryshnikov, 2007.

– Foi sorte -, diz.

Uma das bailarinas não pôde participar do espetáculo que seria apresentado durante o Festival de Dança e uma seleção foi feita no Bolshoi. Thais, que frequentemente se destacava, ganhou a vez.

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– Foi um dos melhores melhores momentos da minha vida. Inesquecível.

Pra chegar a ter momentos assim, Thais suou muito. Mesmo que o seu talento sobressaísse, a menina seguia à risca a disciplina que uma bailatina precisa ter. Os ensaios e aulas tomamavam a maior parte do seu tempo e não era raro os finais de semana em que passava no Bolshoi.

A perfeição exigida tanto por ela como pela profissão fizeram com que Thais se frustrasse pela primeira vez. Também no ano em que dançou com Baryshnikov, a bailarina reprovou em uma das séries do Bolshoi.

– Pensei em desistir, foi muito frustrante.

A notícia chegou sem ser esperada logo após uma apresentação. A menina, acostumada a ficar na ponta da sapatilha, caiu com os pés no chão.

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A menina, um tanto quieta fora dos palcos, recomeçou e continou as aulas. Logo veio o resultado da vontade: no final da 6ª série, ela foi convidada a pular direto para a 8ª série com mais duas colegas, devido ao bom trabalho que vinha apresentando.

E pensar que nem sempre foi assim. Thais entrou para a dança “obrigada”, como diz, pela professora de educação física.

– Eu não gostava muito de dança e nem queria participar da audição. Na época, eu fazia kung-fu -, revela.

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Os primeiros anos foram um pouco preguiçosos, não esconde. Hoje em dia, ela é uma das principais bailarinas da Cia. Jovem e um exemplo para as novatas:

– Esses dias tinha uma pequena chorando por ter reprovado. Eu contei meu exemplo e ela se surpreendeu. É sempre assim, um ajuda o outro aqui.