No início, haviam duas salas de aula, muitas crianças e uma grande promessa. A Escola do Teatro Bolshoi no Brasil abriu há exatamente 20 anos em Joinville sob a desconfiança dos moradores que, apesar de maior de Santa Catarina e sede do mais importante Festival de Dança do país, não podiam acreditar que a instituição mais tradicional do mundo da dança estava agora no centro da cidade, em uma filial do centro de formação que há 244 anos prepara os bailarinos do Balé do Teatro Bolshoi de Moscou. Passadas duas décadas desde que as portas abriram-se pela primeira vez, o Bolshoi Brasil tem a cara de suas primeiras estrelas: é jovem, mas cresceu com base forte, já coleciona conquistas e tem potencial para manter-se entre os melhores do mundo.
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O joinvilense Maikon Golini estava entre as 200 crianças que passaram pela entrada da Escola Bolshoi naquele dia 15 de março de 2000. Havia passado pelas seletivas com mais de 1.400 crianças — vindas do Brasil inteiro, mas principalmente de Santa Catarina — sem saber muito bem o que iria fazer ou onde iria estudar. Quando as audições começaram, um ano antes, o Bolshoi Brasil não passava de uma saleta dentro do Centreventos Cau Hansen com uma mesa e uma extensão telefônica da Prefeitura de Joinville pela qual os primeiros funcionários buscavam candidatos a alunos.
— Nós, da primeira geração, podemos dizer que fomos muito corajosos. Não existia referência no Brasil do que era ser um bailarino profissional. A gente acreditou nos professores, acreditou na equipe e construiu a escola degrau por degrau — afirma Golini.

Quando virou aluno, ele tinha sete anos. Agora, é professor e assessor artístico da instituição que já formou 377 jovens e oferece uma estrutura com 12 salas de balé e dez estúdios de piano, além de salas para aulas teóricas, biblioteca, ateliê e núcleo de saúde em meio a outros espaços que aproximam a unidade brasileira da excelência da educação russa da Academia Estatal de Coreografias de Moscou.
— Hoje, temos bailarinos que dançam no mundo inteiro. Conseguimos inspirar a criança que entra na primeira série e mostrar a ela o “produto” final: um bailarino joinvilense que dança na maior companhia de balé dos Estados Unidos, por exemplo — analisa ele.
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Se, no ano 2000, Ana Botafogo e Cecilia Kerche eram os nomes nacionais que apareciam em nove a cada dez sonhos de estudantes de balé, atualmente as crianças brasileiras têm referências como a premiada Amanda Gomes e podem traçar como meta ingressar no Balé Bolshoi de Moscou como Erick Swolkin e Bruna Gaglianone, os primeiros estrangeiros contratados em audição pela companhia tradicional. Todos passaram pela Escola Bolshoi de Joinville onde, inclusive, conviveram de perto com estas e outras estrelas da dança nacional e internacional.
— Vim assim que a escola foi aberta e fui uma das primeiras a selecionar as crianças, ainda no ano 2000. Tenho muitos lembranças lindas aqui. A Escola contribuiu muito para o desenvolvimento da dança no país. O balé tem outro significado de excelência no país com a colaboração do Bolshoi — relembra Cecilia Kerche.

Transformação social baseada na arte
Entre as paredes da Escola Bolshoi, todos são iguais. Há quase dez anos, ninguém paga mensalidades para estudar na instituição, e a única diferença que pode-se perceber entre os meninos e meninas é a das cores dos uniformes, que mudam de acordo com o módulo de ensino — branco para os calouros e azul petróleo para os veteranos. A condição socioeconômica de 73% das famílias de alunos é de renda de zero a cinco salários mínimos, enquanto 27% tem renda acima de cinco salários.
Foi este o trunfo de Joinville sobre as outras propostas que chegavam de países como Japão e Estados Unidos nos anos 1990, quando o então diretor do Balé Bolshoi de Moscou, Alexander Bogatyrev, sonhou com o projeto de expansão da marca bicentenária. Mais do que o primor na formação de bailarinos, a ideia apresentada pela Prefeitura de Joinville era de realizar um trabalho social.
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— Foi por isso que ficou na cidade de Joinville, porque existiam diversas propostas que queriam explorar o nome do Bolshoi comercialmente. Desde a sua criação, aqui em Joinville, a ideia foi visar a transformação das crianças e suas famílias através do balé — avalia o diretor da Escola Bolshoi Brasil, Pavel Kazarian.
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