Enquanto os números do IBGE mostram que Santa Catarina possui o quinto maior rendimento mensal per capita do Brasil e um dos menores percentuais de população em situação de extrema pobreza (com renda familiar por pessoa abaixo dos R$ 89 por mês), o Estado está entre os que mais receberam novos benefícios do programa Bolsa Família em janeiro deste ano.

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Segundo dados do Ministério da Cidadania encaminhados ao Congresso, Santa Catarina recebeu em janeiro 6,1 mil novos benefícios, o dobro da soma de todos os nove estados do Nordeste, que juntos somaram 3 mil concessões do Bolsa Família. O Nordeste reúne atualmente, segundo o governo federal, 939 mil pessoas em situação de extrema pobreza, contra 186 mil na região Sul.

Os números vêm sendo questionados na Câmara Federal pela disparidade entre Estados com situações econômicas opostas. O Maranhão, que possui a menor renda mensal per capita do país segundo o IBGE, recebeu 361 novos benefícios do Bolsa Família em janeiro e, no saldo das entradas e saídas do programa, registrou uma queda de 726 pessoas no número de famílias beneficiadas entre dezembro e janeiro. Santa Catarina ficou com um saldo positivo acima de 5 mil famílias e teve, percentualmente, o segundo maior aumento no número de beneficiados no Brasil — 5%, atrás apenas de Rondônia com 5,7%.

— Os indicadores gerais mostram que Santa Catarina teve um aumento do nível de pobreza, pela recessão, pelo desemprego, fragilidade social. Mas os dados do Censo 2020 que vão trazer um cenário mais claro. Esses números do Bolsa Família deixam duas perguntas. Será que a vulnerabilidade social em SC aumentou mais do que o Nordeste? Ou será que esses números mostram critérios políticos? É preciso saber também se não há uma defasagem antiga que o ministério pode estar corrigindo agora — pondera o economista Nazareno Schmoeller, da Universidade Regional de Blumenau (Furb).

A situação envolvendo as novas concessões do Bolsa Família surge em um momento de gargalo dentro do programa. Em 2019 a maioria dos Estados registrou uma queda no número de famílias beneficiadas e, segundo as informações mais recentes, a fila de espera no programa chega a 3,5 milhões de pessoas no Brasil inteiro.

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Em janeiro o Ministério da Cidadania, que era comandado por Osmar Terra e em fevereiro passou para as mãos de Onyx Lorenzoni, retomou um ritmo maior na concessão de novos benefícios e colocou 100 mil novas famílias no programa. No entanto, 75% desse número ficou no Sul e no Sudeste, contra 3% no Nordeste e 6,8% no Norte.

A disparidade nos números provocou reações políticas, com acusações de que o governo federal estaria favorecendo Estados com maior apoio. A região Sul deu a maior votação proporcional ao presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, enquanto o Nordeste, em sua maioria, escolheu o candidato Fernando Haddad (PT).

A informação veio a público nesta quinta-feira (5) em uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo. Na sequência, os deputados federais Ivan Valente e Marcelo Freixo (ambos do PSOL) comunicaram que vão pedir na Câmara dos Deputados a abertura de uma CPI para investigar a distribuição do Bolsa Família.

O Ministério da Cidadania não respondeu aos pedidos de posicionamento da reportagem do NSC Total, mas, em nota nacional, disse que o processo de concessão dos benefícios é impessoal e realizado por meio de sistema automatizado que obedece ao teto das verbas orçamentárias destinadas ao programa.

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"A situação tem uma orientação claramente política", diz professor

Para o mestre em Sociologia Política e professor do Mestrado em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Eduardo Guerini, os números do Bolsa Família mostram um viés “claramente político” na liberação dos novos benefícios:

— Toda política pública passa pelo crivo do governo de plantão. Os governos acabam personificando as políticas públicas, que deveriam ser de Estado e não de governo. E no Brasil existe atualmente uma situação de criminalizar a pobreza, de criar obstáculos para que as pessoas acabem por desalento desistindo de requisitar um direito que é seu.

Guerini lembra que a fila de 3,5 milhões de pessoas no Bolsa Família é um dado que ainda não está totalmente transparente e tende a ser ainda maior, levando em consideração os resultados econômicos do Brasil e o aumento da informalidade no mercado de trabalho.

— Estamos falando de pobreza extremada, pessoas com renda de R$ 89. A pobreza se aprofundou em todas as regiões, mas as mais pobres ainda estão vinculadas ao Norte e ao Nordeste. Há um claro viés político dos ministros, estão atendendo aos reclames das suas bases, o que desconstrói o discurso do ministério técnico. O governo criou no primeiro ano uma narrativa de que o Bolsa Família era distribuído de forma não técnica, no decorrer do ano foi alterando essa retórica porque esse programa não tem nenhum viés eleitoreiro, é um programa de transferência de renda mínima para evitar que o sujeito entre em situação de indigente — finaliza o professor.

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