Nacionalmente conhecido pelos filmes que dirigiu, o cineasta blumenauense Sylvio Back é também um entusiasta da poesia. E foi inspirado por grandes poetas que ele lançou na última semana o livro Kinopoems – O Cinema Vai ao Poema pela EdUFSC.

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A obra reúne três vertiginosos poemas em prosa, cada qual dedicado a três artistas brasileiros: o poeta Cruz e Sousa, o escritor Paulo Leminski e o pintor Miguel Bakun. O projeto gráfico é assinado pelo artista gráfico carioca Fernando Pimenta. Nem para falar sobre a obra o autor não consegue se desvencilhar da poesia:

– Kinopoems é, a bem da verdade, uma invenção às avessas: do bruxulear eletrônico os versos retornam ao leito de sua escrita primeva, quando foram criados. E também sacramenta uma contemporaneidade a toda prova: todos os códigos se imbricam, na horizontal, na verticular, ou holisticamente. São tão simultâneos e permeáveis quanto interdependentes. Ou seja, se bastam.

Morando hoje no Rio de Janeiro, Back é um dos mais premiados cineastas do Brasil. Ex-jornalista e crítico de cinema, começou a trabalhar com direção cinematográfica em 1962. Já produziu 38 filmes entre curtas, médias e longas-metragens. Aleluia, Gretchen, de 1976, é considerado o filme brasileiro mais premiado daquela década. E qual será o segredo para cineastas que também querem se aventurar no mundo da literatura?

– Não tenha medo: assine embaixo, essa é a sua linguagem! – responde.

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Em entrevista ao Anexo, Back falou sobre inspirações, amizades, poesia e a relação com a cidade natal:

De onde surgiu a inspiração para o livro?

Inspiração é sempre uma epifania. Com Kinopoems não foi diferente. Originalmente, o livro era pura virtualidade. Surgiu como móbile audiovisual no conhecido portal Cronópios (cronopios.com.br), em 2006. Os versos ali se movem no éter e numa superfície autoinvertidos. Uma prestidigitação de câmara e fonemas com assinatura do descolado editor e designer paulista, Pipol, em forma de páginas rigorosamente inconsúteis. Medusa tecnológica.

Qual é a proposta da obra?

Foi justamente no encalço do imaginário da internet que – proposta a ideia de verter, digamos assim, estes chamados “poemas-roteiro” à concretude e à espacialidade da folha de papel – ela encantou Fábio Lopes, editor da Editora da UFSC. Não demorou e diante dos soberbos personagens (os poetas Cruz e Sousa e Paulo Leminski e o pintor Miguel Bakun), cuja vida-obra-e-morte têm tudo a ver e a haver com filmes que realizei a respeito deles, os poemas acabaram se materializando ao longo de 2014/15 nesta belíssima colagem textual, tipográfica e fotográfica produzida pelo conhecido designer carioca Fernando Pimenta.

Por que decidiu dedicar os poemas às três figuras em questão?

Antes de tudo por serem autores seminais não apenas da cultura de Santa Catarina e do Paraná, mas da cultura brasileira de todos os tempos. Miguel Bakun, João da Cruz e Sousa e Paulo Leminski deixaram uma irrepreensível obra completa. Quando pesquisava para escrever o roteiro de Cruz e Sousa – O Poeta do Desterro (1999) eu me perguntava: se ele tivesse sobrevivido à tuberculose que o matou aos 37 anos, o que mais teria escrito? O mesmo pensamento se aplica a Leminski, meu amigo pessoal quando morávamos em Curitiba entre as décadas de 60 e 80. Hoje, sem favor algum, talvez o poeta mais conhecido e reverenciado do Brasil pela sua erudição, inimitável dicção e a própria bricolagem de seus geniais versos. Não fui íntimo de Bakun, o mais instigante, inquieto e angustiado pintor paranaense do seu tempo, mas o conheci em vida nas ruas, galerias, vernissages e bares da provinciana Curitiba na cúspide dos anos 60.

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Suas obras têm alguma relação com o passado em Blumenau?

Mesmo não sendo explicitamente citada, devo a Blumenau a extraordinária notoriedade que, ao longo de décadas, tem municiado a fortuna crítica de Aleluia, Gretchen, grande parte filmado na cidade em 1975 e considerado o filme brasileiro mais premiado da década. Não à toa que a crítica o elenca como um clássico do nosso cinema, fato que muito me orgulha, pois o longa-metragem, além de referência em termos de linguagem, levantou pela primeira vez no país o conluio político do integralismo e do nazismo, então moeda corrente nos Estados sulinos durante a ditadura Vargas. Se não pontual e geograficamente personagem de minha obra cinematográfica, poética, de roteirista e de escritor, Blumenau voeja por incontáveis fotogramas, textos/entrevistas e versos.