O álbum da gestação, o quarto com o berço, a roupa escolhida para deixar a maternidade. Detalhes planejados minuciosamente por pais que nem sempre voltaram para casa com o filho nos braços. É uma realidade difícil de lidar tanto para as famílias quanto para os órgãos de saúde pública. O assunto mortalidade neonatal, aquela em que os bebês nasceram vivos e morreram antes do 28º dia de vida, é um tabu. Compreensível quando se observa que a maior parte dos óbitos nessa faixa etária foi considerada evitável a partir de uma classificação do Ministério da Saúde.

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Dados disponíveis no site da Secretaria de Vigilância em Saúde, vinculado ao governo federal, apontam que 159 recém-nascidos morreram no período neonatal em Blumenau nos últimos cinco anos. Desses, 99 poderiam não ter ocorrido se alguma intervenção tivesse sido feita durante a gestação, o parto ou após o nascimento. Isso representa uma morte evitável a cada 18 dias entre 2014 e 2018. O número considera apenas os óbitos de crianças residentes em Blumenau.

Em julho deste ano, o Comitê Municipal de Prevenção de Óbitos Materno, Infantil e Fetal apresentou aos hospitais de Blumenau e à Secretaria Municipal de Promoção da Saúde uma lista com as causas mais frequentes das mortes. Antes disso, os casos eram apurados conforme prevê o protocolo de Vigilância Epidemiológica, mas não era emitido parecer às unidades de saúde. O trabalho do comitê pontua aspectos passíveis de aprimoramento no atendimento às gestantes e aos bebês. Avalia desde o atendimento hospitalar, o acompanhamento do pré-natal até as condições socioeconômicas da gestante.

Com base nessa apuração, uma das conclusões é de que as principais causas evitáveis que levaram à morte de crianças com menos de 28 dias de vida no ano passado em Blumenau eram redutíveis por adequado controle da gravidez e atenção ao parto. O pediatra Hamilton Fogaça exemplifica com os casos de sífilis, que tiveram alta no Estado entre 2015 e 2016 e faltou penicilina na rede pública. Segundo ele, bebês nasceram com complicações da doença e morreram.

Com mais de 30 anos de experiência na área de pediatria – com atuação em hospitais, consultório e na atividade docente –, o médico alerta para a necessidade de dar às gestantes a devida assistência no período de pré-natal, pois este é um dos fatores diretamente relacionados aos índices de mortalidade neonatal, na avaliação dele.

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– Se a mulher ficar grávida e, por exemplo, tiver hipertensão, diabetes, obesidade ou infecções, isso aumenta as chances de o bebê nascer prematuro e, consequentemente, o risco de morte. Então o que tem de acontecer é agir antes do nascimento – reitera Fogaça.

Números de mortes de recém-nascidos em Blumenau
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Blumenau teve o maior número de casos em 2014

Em 2014, Blumenau teve a maior quantidade de óbitos neonatais considerados evitáveis dentro do período avaliado pela reportagem, de 2014 a 2018. Das 41 mortes de bebês antes do 28º dia de vida, 25 foram classificadas como passíveis de reversão. No mesmo ano, em Joinville, a maior cidade do Estado, os registros mostram 39 óbitos neonatais, dos quais 26 considerados evitáveis. Na Capital, 49 recém-nascidos perderam a vida nesta faixa etária, dos quais 36 casos há entendimento de que era possível que fosse impedido.

Se avaliados os dados somados dos cinco anos das três maiores cidades de Santa Catarina, Blumenau lidera não só na quantidade de mortes neonatais, mas também de óbitos classificados como evitáveis. A constatação vem a partir da fórmula de cálculo da mortalidade neonatal estabelecida pelo Ministério da Saúde, que leva em consideração a quantidade óbitos em relação aos número de nascidos vivos.

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Ainda assim, as taxas são melhores do que as registradas nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, frisa o pediatra Hamilton Fogaça. Nessas regiões o governo federal chegou a implementar, em junho de 2017, o QualiNEO, um programa a fim de reduzir esses indicadores.

A coordenadora estadual da Rede Cegonha (programa do governo federal), Débora Batista Rodrigues, diz que apesar de Santa Catarina apresentar um indicador melhor quando comparado ao Brasil, ainda há o que aprimorar. Ela elenca iniciativas desenvolvidas nesse sentido, como a adesão ao Projeto Ápice On, com foco hospitalar, e o PlanificaSUS, voltado à Atenção Primária à Saúde.

Entretanto, Blumenau não integra nenhum dos dois. Outro aspecto é a qualificação de médicos e enfermeiros para a atenção pré-natal, ao parto e às emergências obstétricas, e a elaboração e implantação da Política Hospitalar Catarinense. Segundo Débora, é uma proposta estudada pelo Estado para estabelecer metas às unidades. Quem alcançá-las, recebe mais repasse financeiro.

Mortes de recém-nascidos em 2018 em Blumenau, Florianópolis e Joinville
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