Nathan, Pedro, Rafael, Kelvin, Oiseneg. Nomes ligados por uma triste estatística. Eles estão entre as 671 pessoas que perderam a vida no trânsito urbano em Blumenau entre 2000 e maio deste ano. E dados divulgados pela Secretaria de Estado da Saúde na última semana mostram o município à frente de uma realidade preocupante: com 79 vítimas, é a cidade de Santa Catarina com o maior número de mortes em 2017.
Continua depois da publicidade
Os registros oficiais reforçam a importância do “Maio Amarelo – mês da conscientização por segurança no trânsito”. A proposta do movimento, que chega ao quinto ano, é provocar uma reflexão buscando zerar as mortes causadas por acidentes envolvendo automóveis. A cor símbolo da iniciativa representa um chamado de atenção reforçado pelo alerta de especialistas, que são unânimes: é preciso que poder público e sociedade reflitam sobre como mudar a realidade.
– A ideia é que a pessoa se coloque no lugar da outra antes de tomar uma atitude. Se colocar na situação caso ela fosse o pedestre, o ciclista, o condutor da frente. O “Nós Somos o Trânsito” (tema deste ano) é uma pergunta que deve ser respondida com comportamento – aponta Fábio Campos, coordenador estadual do Maio Amarelo.
Vias urbanas e mortais
As metas da campanha servem de inspiração para Blumenau fazer de suas ruas e avenidas caminhos mais seguros. E os números comprovam a necessidade. Todas as vítimas citadas no início desta reportagem perderam a vida em acidentes ocorridos dentro do perímetro urbano. E mais: apenas cinco vias concentram 28% dos óbitos ocorridos em 2017.
Continua depois da publicidade
Levantamento exclusivo da NSC Comunicação aponta que a Rua 2 de Setembro e suas continuidades (somando as ruas das Missões e Avenida Brasil), nos bairros Ponta Aguda e Itoupava Norte, lideram a lista de mortes no município, com 54 vítimas. A Rua Amazonas, no Garcia, aparece em segundo lugar, com 38, seguida pela Rua Bahia, na região oeste, com 36. As ruas Gustavo Zimmermann, na Itoupava Central, (34 casos) e Progresso, no bairro de mesmo nome, (25 registros) completam a lista dos logradouros com mais mortes registradas desde 2000, conforme a Guarda Municipal de Trânsito (GMT).
– São todas vias arteriais, amplas, asfaltadas, onde os motoristas conseguem empregar mais velocidade – explica o chefe da GMT, Jailson Rogério Cândido, ao frisar ainda que parte das mortes acontece em desrespeito às leis de trânsito, em horários que não há tanto movimento e os condutores acabam excedendo os limites de velocidade das vias.
Ruas com mais mortes no perímetro urbano
– 2 de Setembro (somando as ruas das Missões e Avenida Brasil): 54
– Bahia: 36
– Amazonas: 38
– Gustavo Zimmermann: 34
– Progresso: 25
Sexo
– Feminino: 28
– Masculino: 157
– Não identificado: 2
Tipo de acidente
– Abalroamento: 39
– Atropelamento: 31
– Capotamento: 1
– Choque: 56
– Colisão: 45
– Precipitação: 15
Testemunho da violência ao volante
Letícia Joaquim, 24 anos, concorda com o chefe da GMT. Ela tinha acabado de chegar do almoço quando sentou na cadeira do escritório e viu um acidente acontecer pela janela da empresa, situada às margens da Rua 2 de Setembro. Um carro que seguia no sentido bairro/Centro atravessou o canteiro que separa as pistas e atingiu uma jovem de moto. As constantes infrações vistas tão de perto a fizeram redobrar a atenção. Ela também usa uma moto para ir ao trabalho e o medo de que acabe se envolvendo em acidente a mantém alerta.
Continua depois da publicidade
– Tem que cuidar mais com outros do que só com a gente. Não dá para ficar distraído e não cuidar ao redor – pontua a jovem.
Formação para o trânsito é o melhor caminho para mudar comportamento e a estatística
A tarefa de reduzir os índices de mortes passa por uma série de fatores, que tem como principal pilar a formação dos condutores, pedestres e ciclistas, defendem o especialista de trânsito Fábio Campos e chefe da GMT de Blumenau, Jailson Rogério Cândido. São unânimes em defender o tema como parte da grade curricular das crianças. Cândido considera ilusório acreditar que em 45 horas de aula nos Centros de Formação dos Condutores seja possível formar um motorista mais consciente.
– Nas autoescolas eles têm as noções básicas, mas se aprofundar cada um tem que fazer por conta. Por isso, acredito que de forma transversal a matéria trânsito já deveria estar inserida desde a pré-escola. É isso que vai fazer que futuramente a gente tenha bons motoristas e que respeitem o trânsito – reitera o chefe da guarda.
O coordenador estadual do Maio Amarelo, Fábio Campos, partilha do mesmo pensamento. Para ele, diferente de décadas passadas, quando motoristas eram formados pelos pais e familiares, atualmente as pessoas têm informação sobre o tema. O que falta é formação e fazê-las refletir sobre o quanto cada um é permissivo quando está na estrada e como o comportamento individual pode evitar um acidente, seja ao volante, de bicicleta ou na calçada.
Continua depois da publicidade
– Já se debate em âmbito nacional alternativas para se preparar melhor as pessoas para o trânsito. O processo para conseguir a carteira de motorista vai ser reformulado, será uma capacitação nível de escola e a carga horária deve dobrar pelo menos – comenta Campos, em relação a discussões no Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
A especialista em trânsito Márcia Pontes concorda, mas aponta que não se pode esperar uma geração que ainda está nos bancos escolares chegar a vida adulta para se ter um trânsito mais seguro. É importante cuidar de quem já está na condução e a faz perigosamente. O desafio é superar a cultura do “jeitinho brasileiro” e o pensamento de impunidade.
– É preciso que o assunto seja tratado como prioridade. Cabe aos órgãos desenvolverem uma política pública para a educação no trânsito séria e efetiva, que envolva de fato toda a comunidade – reforça.
Aumentar a fiscalização é ferramenta eficaz
Ampliar a fiscalização é um instrumento na luta diária de tornar as ruas mais seguras. A GMT tem intensificado as ações e a expectativa do Serviço Autônomo Municipal de
Continua depois da publicidade
Trânsito e Transportes de Blumenau (Seterb) é retomar ainda neste semestre a fiscalização por videomonitoramento. O trabalho está suspenso desde junho do ano passado, quando se tornou obrigatória a inclusão da imagem junto à notificação para comprovar a infração.
– Não tem como fiscalizar todo mundo. Cada um tem que se fiscalizar. Eu decido o meu comportamento e isso vai fazer a diferença – enfatiza Márcia.
Avaliação da especialista
A pedido da reportagem, a especialista em trânsito Márcia Pontes avaliou as vias urbanas de Blumenau com os maiores números dos acidentes que acabaram com mortes desde 2000. Ela destaca que as cinco ruas são asfaltadas, têm retas onde os condutores pisam mais fundo no acelerador e curvas em que têm dificuldades de redução de marchas.
– O relevo de cada uma também conta. As ruas 2 de Setembro, Amazonas e Bahia, por serem vias longas e asfaltadas, registraram acidentes característicos de velocidade. A Rua Progresso tem muitas curvas, é estreita e registrou uma grande quantidade de choques e precipitações – detalha a especialista.
Continua depois da publicidade
Confira a seguir outros pontos avaliados:
Rua 2 de Setembro
A rua dá acesso para a BR-470, tem muitas retas e veículos de todos os tipos e tamanhos. A maior quantidade de abalroamentos foi nesta via, o que pode ser explicado por ser extensa, com acesso a muitos lotes lindeiros e pela quantidade de transversais (acidentes em cruzamentos). Também foi onde se registrou mais atropelamentos no período.
Rua Amazonas
Houve duas mortes no número 2.500 e outra bem próxima deste ponto, no número 2.597. Todas em um trecho de reta em que logo à frente há um semáforo. A Rua Amazonas, bem como as ruas 2 de Setembro e Bahia registraram colisões frontais.
Rua Bahia
Os trechos com mais mortes se caracterizam por serem retas, onde o motorista abusa mais da velocidade, nas curvas logo em seguida quando ele tem dificuldade em reduzir e evitar a colisão. Foi a via que registrou a maior quantidade e variedade de choques contra meio fio, muro, veículos.
Rua Gustavo Zimmermann
É uma via de acesso à SC-108, em asfalto em bom estado, que permite ao motorista correr sem critérios, com dificuldades para redução nas curvas ou para detectar obstáculos. Sobressaem-se os choques seguidos de capotamentos, característicos de grande velocidade.
Continua depois da publicidade
Rua Progresso
A característica dos acidentes está associada à velocidade. A grande quantidade de precipitações, tipo de acidente em que o veículo sai da pista com o choque e se precipita contra o solo e ribanceiras, foi nesta via, marcada por curvas, subidas e por ser estreita.
* Colaboraram Augusto Ittner e Lucas Paraizo.