O desempenho de Júlia na escola não é mais o mesmo desde o início da pandemia. Acostumada a tirar notas boas, a aluna do 6º ano enfrentou dificuldades ao longo de 2020 para acompanhar as atividades remotas. Agora, com ensino intercalado uma semana no colégio e outra em casa, a situação ainda não é a ideal, mas faz parte da realidade de 63% das crianças e adolescentes matriculados na rede pública municipal.
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Uma avaliação da Secretaria de Educação de Blumenau mostra que a defasagem no aprendizado é expressiva, levará tempo para ser recuperada e, por isso, é urgente levar todos os estudantes para a sala de aula.
Antes mesmo de o governo de Santa Catarina iniciar a discussão sobre retomar 100% com o ensino presencial, Blumenau já havia sinalizado o interesse. O município pediu através de ofício ao Estado para reduzir a um metro a distância entre os alunos. Assim é possível trazê-los ao colégio diariamente, sem necessidade de intercalar turmas por questões de espaço.
É o que defende a secretária Municipal de Educação, Patrícia Lueders. No cenário ideal para ela, a escolha pelo presencial ou remoto caberia apenas aos com comorbidades. Até o fim do semestre passado, 37% dos alunos vinculados à prefeitura seguiam exclusivamente em casa.
— Tendo em vista os baixos índices de contaminação, que deu certo o retorno presencial, que a escola demonstrou ser um espaço seguro, o Comitê de Gerenciamento do Retorno às Aulas Presenciais de Blumenau aprovou por 18 votos a dois esse pedido de redução do distanciamento, que então foi encaminhado pela vice-prefeita Maria Regina ao Estado. Vemos que há possibilidade, há segurança, é possível — garante Patrícia.
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Há menos de 10 dias, o ministro da Educação chegou a fazer um pronunciamento em rede nacional clamando pelo retorno integral ao sistema presencial de ensino. Milton Ribeiro alegou o impacto emocional provocado pelo isolamento, a queda na aprendizagem e a taxa de abandono escolar.
Para a prefeitura de Blumenau basta o aval do Estado e em questão de uma semana todos devem voltar às escolas. Com a volta das férias programada para 2 de agosto, tudo indica uma mudança a partir do dia 9.
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O município reconhece que o ensino remoto ou híbrido atendeu uma necessidade no momento mais grave da pandemia, mas não dá conta das necessidades educacionais dos alunos. Prova disso é o resultado da Avaliação Diagnóstica aplicada em abril deste ano, que mostrou déficit significativo em interpretação de texto. Serão necessários ao menos três anos para recuperar, conforme a Secretaria de Educação.
É pensando nessa perda, confiante na segurança nos protocolos sanitários e nos estudos que apontam baixa taxa de infecção entre os mais novos que a mãe de Júlia espera que a filha volte ao colégio diariamente.
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A menina tem estudado com materiais impressos nas semanas em que está fora da escola e Daniela Mateus relata a dificuldade da garota para absorver o conteúdo sem a explicação dos professores. O depoimento reforça a necessidade de interação que só a escola oferece e reflete diretamente na qualidade do aprendizado. O ensino remoto é uma tendência em discussão na Câmara de Vereadores de Blumenau e também na Câmara dos Deputados, porém a pandemia mostrou que nem todos estão preparados e há vivências que só a escola proporciona.
— O desempenho dela caiu muito no ano passado devido às aulas remotas. Antes da pandemia ela era bem mais ativa nos estudos. Como ela mesma fala, era mais fácil. Hoje a nossa maior dificuldade é o ensinar em casa. Por mim e por ela, preferimos que fosse todo dia presencial — afirma a mãe.
Grupos A e B não mais
A secretária Municipal de Educação de Blumenau, Patrícia Lueders, pontua a possibilidade de ainda com distanciamento reduzido algumas salas não comportarem o número de alunos matriculados por turma. Nesse caso, o revezamento seguirá, mas com mudanças no formato para manter os estudantes por mais tempo dentro da escola e assim reduzir eventuais novas perdas.
— Aquelas turmas em que não for possível atender os 30 alunos, a gente não trabalha mais com grupo A e B, mas sim com rodízio de filas. O que vai acontecer: imagina uma sala de nono ano com 30 alunos e no pior cenário a sala é pequena, mesmo com redução de distanciamento não vai dar para colocar todos. Então a sala tem seis fileiras de cinco alunos e cada uma fica em casa uma semana e quatro presenciais — detalha.
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Sindicato é contra
Antes de enviar ofício ao governo do Estado pedindo redução no distanciamento mínimo entre os alunos, o assunto passou por deliberação no Comitê de Gerenciamento do Retorno às Aulas Presenciais de Blumenau. O pedido teve parecer favorável de 18 instituições e dois contrários.
Um deles é do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Blumenau (Sintraseb). Os argumentos são a ausência de argumentos por parte da prefeitura que justifiquem a mudança na regra sanitária e também uma pesquisa feita com professores quanto à segurança do retorno, diz Sérgio Bernardo, coordenador da entidade.
Ao todo, segundo o Sintraseb, 650 servidores responderam ao questionário. Destes 72% não concordam a flexibilização do distanciamento e 70% não se sentem seguros dentro dos espaços de ensino. O percentual de imunização é outro aspecto pontuado pela categoria.
São estimados 10.517 profissionais da educação em Blumenau, considerando todas as redes de ensino. Conforme balanço da prefeitura, de 23 de julho, 8.602 tomaram a primeira dose, mas apenas 607 estão com esquema completo de proteção à Covid-19. Isso representa 5,8% do total.
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— É preciso deixar claro que o documento apresentado [pelo Comitê Municipal] não traz nenhum dado epidemiológico que sustente qualquer revisão das medidas sanitárias, e as informações oficiais divulgadas pela prefeitura dão conta que os números de casos de Covid-19 em Blumenau não param de crescer — reitera o coordenador do sindicato.

O que pensam os professores
Sandra Aparecida Myamoto Furtado é professora há mais de 25 anos e está trabalhando no ensino remoto desde o início da pandemia porque tem diabetes. Já tomou a primeira dose da vacina e a segunda deve vir em agosto. Enquanto o dia não chega, vive a expectativa de poder voltar à escola Henrique Alfarth, rever os alunos e correr atrás do prejuízo decorrente da pandemia. Mas ao mesmo tempo pensa se é seguro para todos, afinal perdeu colegas de profissão para a doença.
— É uma faca de dois gumes, porque em relação à aprendizagem eu acredito que teria mesmo de voltar todo mundo para que a gente possa retomar a mediação do professor, mas em relação à questão da doença, ainda está todo mundo muito vulnerável — avalia a professora.
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Essa ambiguidade também permeia os pensamentos do professor Robson Damásio Mazzi, que está atuando no ensino presencial e ainda ajuda a corrigir o material dos alunos remotos. Ele conta que a preocupação é geral com o aprendizado, porém não considera momento ideal para a retomada totalmente integral. Uma alternativa na visão dele é trazer para a sala os alunos com mais dificuldades percebidas, por exemplo, na avaliação diagnóstica feita em abril na rede pública municipal de Blumenau.
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— Não é o momento de voltarmos todos para a sala de aula. Aqueles que podem, que não têm dificuldade na realização das atividades, devem ficar em casa. É melhor resguardar a segurança dos estudantes — defende.
A Secretaria de Promoção da Saúde diz que desde o dia 15 de fevereiro até 16 de julho, 456 professores, 289 alunos e 133 trabalhadores da educação testaram positivo para Covid-19. O número leva em consideração casos nas redes pública e privada de ensino da cidade. A prefeitura aponta que num cenário com mais de 74 mil estudantes, considerando dados do último censo escolar, de 2019, o total de estudantes infectados representa 0,39%.
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