Gestores da educação e da saúde pararam por pouco mais de uma hora ontem à tarde para discutir temas como depressão e saúde mental em crianças e adolescentes. A repercussão sobre a corrente de desafios camuflada de jogo chamada Baleia Azul, que instiga adolescentes a cumprirem 50 desafios que vão de mutilação até o suicídio, motivou uma palestra com o psicólogo e psicoterapeuta da Secretaria de Promoção à Saúde, Antonio Gomes da Rosa, no Salão Nobre da prefeitura de Blumenau. No total, o encontro reuniu um grupo de cerca de 120 pessoas, entre diretores de escolas públicas e particulares, coordenadores dos centros de referência de assistência social e da Fundação Pró-Família.
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Na quarta-feira, duas alunas da Fundação Pró-Família com idades entre 13 e 14 anos, moradoras do bairro Garcia, foram identificadas com mutilações nos braços. Os ferimentos foram vistos por professores durante movimentos das aulas de dança e de artes marciais. As meninas teriam admitido participar da Baleia Azul por curiosidade. As famílias foram avisadas e um suporte de atendimento da rede municipal de saúde foi acionado.
No Centro de Valorização da Vida (CVV) de Blumenau as ligações também têm aumentado na última semana. A média mensal é de 1,2 mil atendimentos. Em março o número cresceu para 1,5 mil. Ontem à tarde, uma voluntária informou ter atendido uma mãe preocupada com a filha que estaria enfiando uma agulha nas unhas. Os casos podem servir de alerta para um pano de fundo ainda mais complexo. Segundo dados do Samu, somente de janeiro a março deste ano foram registrados 165 atendimentos a tentativas de suicídios – de todas as idades.
Dados da Secretaria de Saúde mostram que este ano já houve 10 suicídios consumados na cidade. No ano passado foram 36. Nesses casos, todos eram da faixa etária maior de 40 anos, mas em 2015 três menores estiveram na relação de pessoas que tiraram a própria vida.
A secretária municipal de Educação, Patrícia Lueders, afirma que nas escolas não foram registrados casos de alunos envolvidos com esse esquema e frisa que o intuito não é alarmar ou gerar pânico, mas sim trabalhar na prevenção e antecipar formas de atendimento.
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– A intenção é repassar orientações para observar crianças que possam apresentar algum indício de ligação com o desafio – aponta a secretária.
Uma cartilha foi entregue ontem e deve ser distribuída para orientar pais e professores.
O que tem afetado crianças e adolescentes
Apesar de suicídio ainda ser um tabu, para o psicólogo Antonio Gomes da Rosa é preciso falar sobre o tema e esclarecê-lo. E o assunto não é mesmo para ser relativizado.
Segundo dados da Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Dive-SC), 39 crianças e adolescentes de 10 a 19 anos se suicidaram no Estado em 2016, 14% a mais do que no ano anterior. Em Blumenau, uma câmara técnica está sendo formada com profissionais de diversas frentes para prevenção ao suicídio. Dados desse grupo já confirmam que os atentados à própria vida são a segunda causa de mortes em Blumenau, atrás apenas dos acidentes de trânsito.
Mas o que leva alguém à decisão extrema, sobretudo ainda tão cedo? Na apresentação feita aos educadores e profissionais da saúde, ontem o psicólogo lembrou que a adolescência costuma ser um momento de formação da personalidade e do comportamento e que, consequentemente, é uma idade em que aumentam a vulnerabilidade e a fragilidade psicológica. Um prato cheio para possíveis estímulos à depressão ou mesmo ao suicídio pela internet.
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– Hoje é o Baleia Azul, mas já foi outro. Sempre tem alguma moda que induz esse tipo de situação. Por isso a importância de estar se informando e acentuando esse vínculo com os professores – ressalta.
Gomes da Rosa lembrou diferenças entre as últimas três gerações e comparou o jogo de desafios com outras manifestações de rebeldia ou descontentamento, como calças jeans rasgadas, bebidas ou drogas sintéticas. O psicólogo também apontou um maior individualismo das atuais gerações em relação às anteriores, que tinham integração familiar maior, e citou isso como um fator que pode interferir na saúde mental durante a adolescência – e algo ao qual os pais devem ficar atentos, aproximando vínculos.
Ele detalhou ainda estágios da formação da criança com conceitos como corredor (o reconhecimento da mãe ou do outro), triangulação (do pai ou de um pequeno grupo) e circularização (consciência de conviver com grupos sociais maiores) e fez um paralelo sobre uma possível vulnerabilidade maior:
– Adolescentes que ficaram prejudicados em alguma dessas fases podem ficar mais suscetíveis para formas de preenchimento e devem receber atenção.
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ALERTA AOS PAIS
– Ficar atento a comportamentos que os pais não considerem adequados
– Possível de uso de drogas
– Sinais de depressão e ansiedade
– Mudança de comportamento e de horários
– Abandono de amigos e atividades sociais
– Não conseguir assumir responsabilidades diárias
– Estado emocional alterado ou instável
– Falar constantemente sobre morte
Fontes: psicólogo Antonio Gomes da Rosa e Organização Mundial da Saúde (OMS)
PEÇA AJUDA
– Se você está enfrentando uma situação que necessita de apoio, ligue 141
– Você também pode procurar ajuda no Centro de Valorização à Vida (CVV) em
Blumenau
– Endereço: Rua Professor Luiz Schartz, 169, Velha (próximo à Delegacia Regional da Polícia Civil)
– Atendimento: das 7h às 19h
– Telefone: 3329-4111
Baleia Azul: corrente instiga da automutilação e suicídio
– Na corrente, adolescentes seriam “convidados” a participar de um grupo fechado em redes sociais e lá receberiam “missões” de um curador, que verificaria se os resultados alcançados são satisfatórios e apresentariam graus de dificuldade variados: assistir a filmes de terror, acordar de madrugada, desenhar baleias e se automutilar. O 50º e último desafio seria o de tirar a própria vida.
– Nos últimos dias, a polícia passou a investigar alguns casos que poderiam estar ligados à prática do jogo Baleia Azul em Curitiba, no Rio de Janeiro, no Mato Grosso e na Paraíba. Em Santa Catarina, foram registradas ao menos três tentativas nas últimas semanas: em Lages, Tubarão e Curitibanos.