Os protestos registrados no feriado de Dia da Independência fizeram o país vivenciar um 7 de setembro de polêmico e que pode estar longe de terminar a depender dos desdobramentos na política e na economia.
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Manifestantes a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foram às ruas para apoiar medidas defendidas pelo chefe do Executivo, como o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o voto impresso, já rejeitado pela Câmara dos Deputados.
Muitas das pautas são consideradas antidemocráticas, como o fechamento da Suprema Corte, do Congresso e pedidos de intervenção militar. Essas medidas ferem a Constituição Federal, mas já tiveram sinalizações favoráveis do presidente ou de membros do governo, como o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, e o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
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Em São Paulo, onde houve a maior concentração, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) estimou em 140 mil pessoas o público da manifestação do ultimo dia 7. O ato se estendeu por 14 quarteirões da Avenida Paulista, de acordo com a TV Globo.
O feriado de 7 de Setembro também registrou manifestações de grupos contrários a Bolsonaro, que criticaram o presidente em pontos como a crise política, a inflação que elevou preços de combustíveis e alimentos, e a condução da pandemia de Covid-19.
Os atos de 7 de Setembro foram convocados ou defendidos ao longo das últimas semanas pelo próprio presidente Bolsonaro. Os protestos contra ministros do Supremo ou urna eletrônica ocorreram em meio a um cenário de agravamento da crise econômica, com inflação de 9,68% em 12 meses, gasolina a R$ 7 por litro em várias cidades do país e desemprego ainda acima de 14%.
Este quadro, somado ao desgaste acumulado pelas ações na gestão da pandemia de Covid-19, resulta também na queda de popularidade do presidente, com reprovação que já alcançou 49% na última pesquisa Ipec.
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O cientista social e mestre em Sociologia Política Sérgio Saturnino Januário, da Exitus Comunicação e Pesquisa, avalia que mesmo com denúncias de que alguns empresários teriam bancado a participação de funcionários em algumas manifestações, os protestos desta semana mostraram que o presidente tem capacidade de mobilização. Isso, no entanto, não seria necessariamente sinônimo de força eleitoral.
Ele avalia que o sentimento de insatisfação com a política, que perdura ao longo da passagem dos últimos presidentes, ainda é o principal fator que motiva as pessoas a irem para as ruas no momento atual.
A esperança frustrada de eleger candidatos com discurso da “antipolítica”, questionamentos à Constituição e ao Congresso e a busca por “culpados” seriam outros motivadores dos grupos que aderiram à mobilização.
– O problema ainda é mais de não se vislumbrar soluções. A população está mais insatisfeita com presente do que desejando algum tipo de futuro – avalia.
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O que esperar após as manifestações
Os protestos devem, sim, ter desdobramentos no campo político nos próximos meses, na avaliação de Saturnino Januário. Segundo ele, de um lado Bolsonaro deve tentar prolongar o efeito positivo das massas nas ruas e o impacto d as imagens desse momento. De outro lado, haveria um movimento de oposição a Bolsonaro que deve passar a se organizar de forma mais objetiva.
– Os partidos já começaram a ter um posicionamento mais claro sobre pontos como o impeachment. Estão colocando a posição das peças. Não estão radicalizando, mas vão tomando posição. Outubro é uma das datas que começa processo eleitoral, com filiações. Temos esse conjunto de contrapesos em oposição a Bolsonaro, e do outro lado temos os ministros, que não têm a mesma capacidade de organização [do presidente] – avalia, lembrando que o presidente segue sem partido e que no momento é uma espécie de coordenador político do grupo que foi às manifestações.
Além das investigações do STF e das discussões sobre impeachment, outro assunto que voltou à pauta após o discurso inflamado de Bolsonaro na terça-feira foi o processo de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, que ainda está em análise pelo TSE.

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Protestos agravam crise entre poderes
Mais do que uma demonstração de força ou fraqueza do presidente no momento atual, os protestos na prática serviram para acentuar ainda mais uma crise entre os poderes. Nos discursos feitos aos manifestantes em Brasília e São Paulo, o presidente Jair Bolsonaro fez ameaças ao Judiciário, pediu a saída do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e prometeu não cumprir mais decisões judiciais do magistrado. É Moraes quem conduz, no STF, inquérito que investiga o financiamento e a organização de atos contra a democracia. É ele também quem presidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições de 2022.
Bolsonaro foi além e fez ameaças à própria democracia do país. Questionou as urnas eletrônicas e as eleições, chamando-as de “uma farsa patrocinada pelo TSE”, e disse que só sai da presidência “preso, morto ou com vitória”. Chegou a anunciar uma reunião com o Conselho da República, órgão previsto na Constituição para discutir intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio, mas a agenda não foi confirmada por nenhuma autoridade que participa do grupo.
As ameaças de Bolsonaro causaram fortes reações dos poderes. A mais enfática delas veio do presidente do STF, Luiz Fux. Na quarta-feira após os protestos, o ministro enfatizou que descumprir decisões judiciais é crime de responsabilidade e pediu atenção a “falsos profetas do patriotismo”.
— Esse Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças a sua independência, nem intimidações ao exercício regular de suas funções. Ninguém, ninguém fechará essa Corte. Nós a manteremos de pé com suor, perseverança e coragem. O STF não se cansará de pregar fidelidade da constituição — afirmou.
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Além de Fux, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também responderam à fala de Bolsonaro criticando o que chamaram de autoritarismo e “arroubos antidemocráticos” do presidente.
O cientista social e mestre em Sociologia Política Sérgio Saturnino Januário diz não acreditar em uma ruptura democrática por entender que as Forças Armadas não aceitaria assumir os papéis que seriam necessários em uma eventual intervenção, por exemplo. No entanto, a partir dos atos de 7 de Setembro deve começar uma nova etapa desse movimento de embate entre os poderes.
– Agora cada um vai organizar os próximos passos, nós vamos para as soluções. Já se fala abertamente em possibilidade de impeachment, embora isso seja um pouco difícil do ponto de vista político. O presidente deve continuar essa provocação ao ministro Alexandre de Moraes, em função do medo que as investigações resultem na sua prisão ou na prisão de pessoas próximas, mas o STF deve aprofundar algumas investigações, colocar mais coisas na mesa, ter mais informações públicas. Bolsonaro deve ter mais elementos de desmobilização – projeta.
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Bloqueios de caminhoneiros mantiveram tensão
Os atos que marcaram o aniversário de 199 anos de Independência do Brasil continuaram provocando efeitos nos dias seguintes aos protestos. Já na quarta-feira (8), caminhoneiros bloquearam pontos das rodovias de Santa Catarina e de pelo menos outros 15 estados.
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As pautas dos caminhoneiros eram semelhantes às dos manifestantes que foram as ruas em 7 de Setembro, com medidas antidemocráticas como destituição de ministros do STF e acusações sem provas à votação eletrônica.
Em SC, os bloqueios impediram o acesso de caminhões a bases de distribuição de combustíveis e postos ficaram sem gasolina em cidades como Florianópolis, Joinville e Blumenau. Diante de possível impacto à economia, o próprio presidente Bolsonaro divulgou um áudio pedindo que os caminhoneiros liberassem os pontos bloqueados das rodovias, o que havia ocorrido até a manhã de quinta-feira (9) em estados como São Paulo e Minas Gerais. A situação chegou a provocar uma corrida aos postos de combustíveis por medo de desabastecimento, como ocorreu na greve dos caminhoneiros, em maio de 2018.
O agravamento da crise política e os possíveis impactos à economia geraram tensão também no mercado financeiro já no dia seguinte aos protestos. O dólar teve alta de 2,93% e chegou a R$ 5,32, enquanto a bolsa de valores de São Paulo (B3) experimentou queda de 3,78% após os novos atritos entre Bolsonaro e os poderes.
Instabilidade política afasta investidores
O professor do departamento de Ciências Econômicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (Esag/Udesc), Adriano de Amarante, explica que o principal reflexo dos protestos desta semana na economia é uma redução ainda maior das expectativas dos investidores e agentes econômicos – que já vinham deterioradas por conta de todo o impacto da pandemia nas atividades econômicas.
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– Com o acirramento dessa “disputa eleitoral prévia”, em que parece que a eleição começou dois anos antes, parte do governo está radicalizando, afrontando e atacando as instituições. Isso, para o investidor, vai afetar no longo prazo. Ele está interessado em estabilidade, não só de emprego e inflação, mas no sentido de estabilidade das instituições – frisa.
Além da falta de previsibilidade no longo prazo, que ameaça investimentos, os protestos ainda podem trazer efeitos imediatos em função do fechamento das rodovias e desabastecimento já registrados ao longo desta semana. Segundo ele, o preço dos produtos podem sofrer aumento caso haja paralisações por mais tempo e problemas de abastecimento.
– Provavelmente existe um aumento do chamado Risco-Brasil, dado que governo vem enfrentando instituições. Com isso, o dólar tende a se valorizar, e os custos dos insumos, as mercadorias cotadas em dólar, tendem a aumentar de preços, gerando inflação – projeta o professor.
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