Carnaval tem futuro. E o futuro é dos blocos. Pelo menos 50 estão no calendário oficial da folia organizada pela prefeitura de Florianópolis. Enquanto dezenas preferem a multidão anônima dos sujos, aqueles que saem à revelia, desfantasiados, sem qualquer compromisso com evolução ou harmonia. Como prega o decreto municipal número 2.150, desde 1992 o Berbigão do Boca faz a festa de abertura do Carnaval.

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Depois disso, e com a Corte do Rei Momo já eleita, é só deixar rolar que o caldo da cultura transborda pelas ruas, escadarias, praças, praias. Com ou sem corda, de camiseta ou abadá, usando fantasia ou pintando o corpo, a ordem é brincar. Esse apreço desmedido mobiliza famílias, amigos, comunidades, associações. O Africatarina é um bom exemplo. O bloco nasceu em 2001 com a pegada da partilha social e com o objetivo introduzir a cultura afro na sociedade, por meio de aulas de percussão, dança, teatro e capoeira. Apesar dos desafios, mais de duas décadas após segue oferecendo oficinas gratuitas e com instrumentos disponíveis aos interessados. Entre os integrantes, os quais formam uma grande família, têm musicista, estudantes universitários, trabalhadores, pessoas em situação de rua.

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— Nós não temos partido político, e sim posição. Se não recebemos apoio governamental fazemos nossa mobilização via Pix e com uma ou outra doação vamos nos organizando. Entendemos o Carnaval de rua como um lugar onde se testa a força do povo — conta a professora Fátima de Costa Lima, uma das fundadoras do bloco e professora da Udesc.

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Lá se vão 22 anos do bloco surgido também pelas mãos do músico Edson Roldan, o Edinho, marido de Fátima. Hoje, envolve filhos, filhas e netos do casal e centenas de pessoas empenhadas em questões afro. Na época da fundação do Africatarina, Edinho era mestre de bateria do bloco Rastafari. O que motivou a iniciativa foi a grande presença de crianças em situação de vulnerabilidade no centro de Florianópolis.

Bloco Africatarina nasceu em 2001, em Florianópolis, com a pegada da partilha social e com o objetivo introduzir a cultura afro na sociedade (Foto: Tiago Ghizoni / DC)

Beleza plástica e música

No começo, a ideia foi montar uma oficina de percussão com os instrumentos do bloco, porém, isto não foi possível. Surgiu, então, a possibilidade de montar o projeto Africatarina de Arte-Educação, com o objetivo de ensinar, pesquisar, valorizar e divulgar as artes e a cultura afro-brasileiras.

— Hoje, temos pelo menos quatro blocos afro que participam da programação oficial do Carnaval de Florianópolis (Baque Mulher, Cores de Aidê, Africatarina e Arrasta Ilha) e isso é muito relevante — conta Edinho, que neste ano é o homenageado do enredo do Africatarina com o tema “O Ibeji que escapou da morte tocando tambor”.

Edinho é um educador social e tem consciência da relevância de um bloco afro, o qual vai além dos dias de folia. Neste aspecto, também concorda o historiador, professor e escritor Luiz Antônio Simas. Para o autor do Dicionário da História Social do Samba (2015), um bloco afro tem relevância o ano todo para a vida da comunidade:

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—Este valor vai além da beleza plástica e de suas músicas. É sempre importante que as esferas governamentais reconheçam isso e privilegiem o Carnaval dessas associações, de forma a enriquecer cada vez mais e preservar a cultura das cidades — defende.

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Tambores na rua

Certa vez, alguém sugeriu que o Africatarina se transformasse em uma escola de samba. Ainda que sejam apaixonados pelos desfiles no sambódromo – Fátima é pesquisadora do tema, escreve enredos e já foi jurada, enquanto Edinho saiu como mestre da bateria –, rechaçaram a ideia.

— Gostamos de ser bloco, de colocar nossos tambores na rua e ver a moçada incendiando o Carnaval — conta Fátima.

Foto: Tiago Ghizoni / DC)

O entrudo português como origem

O Carnaval é considerado como uma das maiores festas populares da cultura brasileira. Sua origem vem do “entrudo” português, o qual por volta do século 17 acontecia no período anterior à Quaresma. Considerado uma brincadeira, as pessoas se divertiam jogando água, ovos e farinha umas nas outras. Nessa época, países como Itália e França já comemoravam o Carnaval em formato de desfiles urbanos e contavam com os personagens Pierrô e Rei Momo.

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Por volta do século 19, no Rio de Janeiro, a prática do entrudo passou a ser criminalizada, principalmente após uma campanha contra a manifestação popular. Sem a festa de rua, a elite do Império começou a se organizar, criando bailes de Carnaval em clubes e teatros. As camadas populares também começaram a estabelecer as práticas carnavalescas, recuperando a tradição das festas de rua antes da Quaresma.
Surgiram, então, os primeiros blocos carnavalescos e cordões, um movimento totalmente organizado pelo povo, que desfilava pelas ruas com carros decorados ao estilo de uma grande e animada procissão, carregada de manifestações populares e que se espalhou pelo país: foi início do movimento que hoje conhecemos como blocos de rua.

Praça XV, sempre o grande palco

Do entrudo à concentração de blocos, a Praça XV de Novembro foi sempre o palco das principais manifestações populares em Florianópolis. Desde os antigos carnavais, testemunho também da evolução da folia. Nos anos 1850, a festa popular da capital catarinense já sofria “regulamentações” para que as brincadeiras da época não ferissem a “honra” de pessoas importantes da sociedade. O motivo para tanto foram os limões-de-cheiro.

A chamada brincadeira consistia em produzir manualmente o artefato (membrana de cera com líquido dentro, podendo ser água com perfume ou outros menos agradáveis) e jogar nos outros.

– A cena era sempre impagável: senhoritas e rapazes munidos de um grande arsenal tocaiavam alguma solene figura da cidade: o juiz, o contador, o presidente, o presidente da Câmara. E zás! – banho de limões na vítima. O enfatiotado logo perdia a cartola e a compostura – escreve Átila Alcides Ramos, em seu livro “Carnaval da Ilha” (1997, ed. Papa-Livro).

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O espaço urbano sempre foi o local perfeito dos foliões. No ano de 1858, surgia a Sociedade Carnaval Desterrense, responsável pelo primeiro desfile de rua com fantasias. Anos depois, Florianópolis seguiria centros como o Rio de Janeiro, e adotaria bailes, desfiles, blocos de rua, os corsos (cortejos com veículos decorados), cordões, ranchos. E, claro, teria o grande diferencial, os carros de mutação, quando, sem qualquer tecnologia, e apenas de forma manual, abriam-se alegorias e surpresas para um público entusiasmado com a beleza do espetáculo. Por fim, surgiram as escolas de samba, a maioria nascida de blocos.