Está lá no bê-á-bá do samba. Bloco é a mais festiva reunião de foliões que saem às ruas, como o nome bem diz, em bloco. Agremiação carnavalesca nascida dos ranchos e cordões. Pode ser de embalo, empolgação, enredo, limpos, sujos. Imaginemos, então, quando um grupo assim consegue brincar por décadas sem deixar de desfilar uma única vez. Mesmo quando oficialmente não tem Carnaval.

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Assim é feita a história do Batuqueiros do Limão, que neste ano comemora 49 anos. De olho em 2019, a diretoria do mais antigo prepara uma programação especial para marcar o Jubileu de Ouro. Afinal, tão longe e tão perto parece aquele 12 de fevereiro de 1969. Que o diga Deni Lopes de Carvalho, um dos fundadores e atual vice-presidente:

— A gente sente muita emoção em ver aquilo que começou como uma brincadeira continuar até hoje alegrando a tantas pessoas — explica.

Sentem orgulho também, acrescentam dois outros responsáveis pela relevância da agremiação. Um deles é Hamilton Ramos, presente desde o começo. Por problemas nas articulações, ele precisou deixar a percussão de lado. Mas gerou frutos: a filha Gisele, a Gi, íntima no paulistão (surdo), e o neto Victor, que segura no repique. Satisfação também tem José Eduardo, o Zéduardo, um dos filhos de Osvaldo Silveira, o Vadicão.

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— Estamos na quarta geração. Herdamos do nosso pai, passamos para os filhos e hoje sobrinhos e netos estão aqui no bloco — conta.

Naquele fevereiro de 1969, tempos difíceis da repressão militar, Vadicão plantava a semente que iria dar frutos no mapa da folia da cidade. O terreno era a própria casa, na Rua Belizário Berto Silveira, no bairro Saco dos Limões. Talvez por isso, às vésperas dos 50 anos, o bloco mantenha o espírito comunitário.

Quase todos os componentes são filhos do bairro. Alguns se mudaram para outras regiões da cidade, mas continuam tendo o bloco como elo. O Batuqueiros mantém a tradição de sair nos cinco dias de folia. Desfila pelas ruas do Saco dos Limões, o que sempre provoca boas lembranças. Fotografias antigas mostram muitos meninos e jovens sendo batizados na batucada. O passar dos tempos transformou eles nos senhores de cabelos brancos que seguem no ritmo da percussão. Sai também no entorno da Praça XV. Na sexta-feira passada, participou de um gesto que demonstra simpatia e inserção num dos momentos mais grandiosos do Carnaval de Florianópolis, a festa do Berbigão do Boca. A turma do Batuqueiros se reuniu na Rua João Pinto, centro histórico da cidade. Ali fez a concentração, vendeu e entregou as 120 camisetas deste ano e pouco antes do arrastão do BeBo, por volta das 19h, juntou-se à multidão. Batuqueiros do Limão é isso. É como diz o hino: “Eu sou do Carnaval, sou da emoção”.

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“Sou da Ilha da Magia, sou Batuqueiros do Limão”

(Foto: Leo Munhoz / Diário Catarinense)

De volta à presidência do bloco, Marcos Antônio Silveira, o Marquinho do Cavaco, se emociona quando recorda as origens da agremiação e das pessoas que ajudaram a consolidar o Batuqueiros do Limão. Explica a existência de duas agremiações, Batuqueiros da BB (em alusão ao nome da Rua Belizário Bento), e Pupilos do Saco, que ajudaram a germinar o futuro bloco.

Marquinho recorda de nomes como Elção, Cido, João Galão, Leleco do seu Valoca, Marinho, Mamicão, Vadinho, Dico, Paulinho da Laíde, entre outros.

— Muitos não estão mais entre nós, mas prevalece o espírito carnavalesco deles — diz.

O presidente reforça que o bloco é aberto e não faz distinção de sexo, cor, idade. Aos poucos, diz, namoradas, esposas e amigas de componentes têm se feito mais presentes. Com isso, as mulheres que sempre estiveram presentes nos bastidores ganham mais visibilidade. Batuqueiro ou batuqueira precisa saber só de uma coisa:

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— O bloco não paga cachê. Aliás, ele ou ela tem que pagar para desfilar — brinca, ao lembrar que o uso da camiseta é obrigatório.

Para o Jubileu de Ouro, a diretoria já montou uma comissão para organizar eventos. Está planejado um baile de Carnaval do verde e branco estilo anos 60 (máscaras, fantasias, marchinhas), homenagens e o lançamento de um trabalho social para crianças e adolescentes da comunidade. Com isso, incentivar as novas gerações e despertar o gosto pelos instrumentos de percussão.

Além disso, aproximar os componentes de uma atividade social que já foi tradição no bloco. Durante 14 anos consecutivos os batuqueiros realizaram festas beneficentes, como no antigo Hospital da Colônia Santana, atual Instituto de Psiquiatria (IPQ), em São José.

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— Os internos ficavam muito felizes com a nossa presença. Os funcionários contavam que alguns deles só tomavam banho forçados durante o ano, mas que entravam na fila de forma espontânea para participar do concurso de Rei Momo e Rainha.

Conforme Marquinho, o trabalho foi interrompido por uma decisão política que muito frustrou os componentes do bloco. Mas ficaram as boas lembranças daqueles momentos de folia com pessoas em situação de exclusão:

— A gente “namorava” e já saía de lá “casado”, sempre de forma respeitosa. Os pacientes eram carinhosos e na saída nos perguntavam quando iríamos voltar — recorda.

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– Vadicão era um agitador cultural. Tinha boi de mamão, bloco e ainda foi goleiro profissional. Civil de Marinha, ele conseguia barricas de pólvora vazias para transformá-las em instrumentos de percussão. Também reciclava o couro de zabumba.

– Os mais jovens podem não saber, mas houve um tempo em que os tamborins – instrumento de som agudo e que suaviza o som do surdo segurando a bateria – eram de madeira, como mostram fotografias antigas.

(Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal)

– Pela localização no bairro, Batuqueiros do Limão se identificam com a Consulado. Porém, veio do Morro da Caixa, da Embaixada Copa Lord, o primeiro paulistão do bloco. Um presente que foi carinhosamente reformado por Vadicão.

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– A percussão sempre foi a alma do Carnaval. Por muito tempo os blocos não tinham sopro e nem caixas para ampliar o som. Marquinho do Cavaco explica: a violência era rara, mas quando os blocos se cruzavam o clima podia esquentar. Especialmente se um tentasse “entrar” dentro do outro.

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