Julia Moskin

O scone norte-americano é uma guloseima em crise. Inchadinho e pálido, muito grande e doce demais, acabou perdendo as características. É muffin? É bolo? Leva cobertura? É para ser comido com geleia ? e acaba se desmanchando em pedacinhos minúsculos que se espalham entre os bancos do carro?

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Nada disso. Para se deliciar com um scone macio como tem que ser, você só precisa de trinta minutos e ingredientes que qualquer um tem na despensa.

Ao dominar essa técnica, você automaticamente vai saber como preparar biscuits (que, apesar do nome, é um tipo de pãozinho rápido, à base de fermento químico). A diferença entre um e outro reside em 2 colheres (sopa) de açúcar e um ovo.

Os puristas britânicos (para quem biscuit é o equivalente ao nosso biscoito) e os sulistas (cuja receita é diferente) até rangem os dentes, mas do ponto de vista da especialista Heather Bertinetti, “os dois são praticamente a mesma coisa”. Ela é pâtissier do restaurante Four Seasons de Nova York.

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Foto: Tony Cenicola/The New York Times

Biscuits e scones às vezes parecem vir de planetas diferentes, mas têm em comum a flocosidade macia e amanteigada e a versatilidade que faz deles verdadeiros coringas. Scones caseiros são ótimos no café da manhã ou brunch; biscuits vão com tudo, de manteiga e geleia a molho e presunto; na versão mini, podem ser saboreados com queijo e ervas na hora do coquetel.

Na preparação de ambos há que se levar em consideração os mesmos detalhes: a massa deve ser manipulada o mínimo possível; manteiga é a gordura mais saborosa (embora a gordura vegetal e a banha tenham seus adeptos); sempre haverá uma forma de melhorá-los.

Stacey Eames, dona das padarias Highland de Atlanta, recentemente resolveu acrescentar uma colherada de creme azedo à sua receita básica de biscuit, o que os deixou mais substanciosos sem ficarem pesados. (Antes do advento da refrigeração, era comum usar coalhada na massa.)

“Eu queria fazer uma versão mais dinâmica”, justificou, embora a sua já fosse bem saborosa. Além de ter um currículo impecável, ela cresceu no restaurante da família em Albany, na Geórgia, onde os biscuits (sem falar nas bisnaguinhas e pão de milho) são consumidos frescos em todas as refeições.

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“Não há uma receita autêntica ou definitiva do Sul”, afirma, embora alguns requisitos tenham que ser respeitados: as bordas têm que ser crocantes e o meio, macio, mas nunca gorduroso. “Você não precisa pôr toda a manteiga no biscuit; é melhor deixar para passar um pouco sobre ele.”

O biscuit norte-americano se originou nas Ilhas Britânicas como scones, mencionados pela primeira vez na linguagem escrita no século XVI. A versão tradicional não levava açúcar, informa Elisabeth Luard, diretora do Simpósio de Comida e Culinária de Oxford e autora de The Old World Kitchen. Acredita-se que tenha surgido nas cozinhas escocesas, onde círculos de massa de aveia e cevada eram assados em chapas largas e depois cortados em pedaços. Eram uma combinação simples de alguma gordura, farinha e um líquido, e se tornaram mais macios conforme a refinada de trigo, a manteiga e leveduras como bicarbonato de sódio e fermento se tornaram populares e acessíveis.

Foto: Tony Cenicola/The New York Times

No século XIX, continuaram sendo a principal opção como pão caseiro por serem baratos e rápidos em uma época em que o fermento biológico ainda era caro e estragava fácil. (A versão seca só foi inventada em meados do século XX.)

Ao chegar aos EUA, a receita seguiu nas mais variadas direções. O biscuit se propagou no Sul, onde ingredientes comuns como leitelho, banha e farinha de trigo pobre em proteína (que produz uma versão mais macia, ao contrário da opção mais dura do Norte) eram abundantes ? e sua arte e seu prestígio alcançaram um nível tão alto que hoje há diversos restaurantes em que a iguaria é o carro-chefe bem longe da região, incluindo o Pine State Biscuits de Portland, no Oregon; o Biscuit Bitch no Pike Place Market de Seattle e o Empire Biscuit de Manhattan, aberto 24 horas/dia com o objetivo de fazer do biscuit uma comida universal. (Lema: “Café da manhã. Almoço. Jantar. Bêbado”.)

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Enquanto isso, o scone acabou meio sumido, sobrevivendo nos bolsões da Nova Inglaterra e hotéis que teimavam em servir o chá da tarde. Acabou reaparecendo nos anos 90 com o surgimento de uma cultura do café na região do Noroeste-Pacífico (Washington tem um culto à guloseima: recheados de geleia de framboesa, os Fisher Fair Scones, são preparados aos milhares todo ano na feira estadual anual, tradição que surgiu em 1911).

Assim como o macchiato e o barista, o scone tomou conta do país, abrindo caminho para novas criações: a versão de laranja e passas de Judy Rodgers no Zuni Café de San Francisco até 1997; os salgados, de queijo, da Cheese Board Collective em Berkeley, na Califórnia; os redondos clarinhos clássicos dos restaurantes Sarabeth’s e os mais escuros e enrugadinhos com notas sutis de limão e alecrim do Scratchbread, no Brooklyn.

“Você sabe que isso aí não é scone, né?”, comentou uma amiga britânica ao olhar a seleção de pãezinhos gorduchos, com frutas, geleia, aveia e chocolate com que eu a presenteei um dia.

Essas adições, porém, importam menos do que o método básico, que é exatamente o mesmo tanto para biscuits como para scones. O truque para acertar a mão, além da habilidade, é a geometria.

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Reza a tradição que os biscuits devem ser redondos e os scones, apenas simples; acontece que os biscuits de Stacey são quadradões; os scones de Heather, quadrados ou retangulares. Cortar a massa em linhas retas com uma faca larga e bem afiada ajuda as laterais a crescerem por igual ? e elimina os retalhos que devem ser amassados todos juntos e reabertos como um novo pedaço de massa (prática comum quando se usa um cortador para fazer biscoitos circulares). Cada vez que ela é aberta, absorve mais farinha, cujo glúten é reativado. Resultado: biscuits solados e crosta dura.

Uma boa altura é essencial para selar o sucesso de um bom biscuit ou scone. Joe Dobias, chef e um dos donos do Joe & Misses Doe de Manhattan, faz um dos biscuits mais altos e populares de Nova York, servido com mel amanteigado e um toque de sal grosso.

“Eu gosto de usar três métodos para fazer crescer: o calor, o fermento e a pressão.” Ele usa um cortador redondo e junta bem os biscuits, ainda crus, uns pressionando contra os outros e os lados da forma. Conforme vão assando no forte calor, tão apertados, não têm opção nenhuma de expansão a não ser para cima.

Para quem prepara um ou outro em casa, manteiga e creme produzem os melhores resultados. Assim como a massa de torta, a banha deixa o biscuit mais flocoso e a manteiga, mais saboroso ? ou seja, ela ganha. O leitelho é ingrediente tradicional no preparo porque continha mais gordura, mas hoje em dia é magro e azedo. O negócio então é usar o creme de leite integral, que deixa a massa macia e substanciosa. Muita gente no Sul usa a farinha que já vem misturada com fermento, mas é difícil encontrá-la em outras regiões dos Estados Unidos e, além do mais, ela é clareada. Heather Bertinetti garante que a farinha comum é perfeita tanto para scones como biscuits; o que a preocupa mais, aliás, é o equilíbrio entre o sal e o açúcar. O fermento em pó, usado para ambas as receitas, contém bicarbonato de sódio, que por sua vez, contém sal.

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“O pessoal não percebe que o sal não só dá sabor salgado como realça o doce ? e também ajuda a dar cor, detalhe muito importante tanto para o scone como para o biscuit.”

Há uma última semelhança que vale a pena mencionar: tanto o scone quanto o biscuit ficam velhos rapidinho ? desculpa perfeita para comer tudo assim que saem do forno.