Com 72 anos, ela só queria ajudar depois de se comover com a história narrada por uma mulher que dizia ser do interior, estava com muita dor de cabeça e precisava de auxílio. Outra aposentada, de 66 anos, disposta, foi abordada repentinamente por uma mulher que chorava. A aflição da moça a fez ter piedade.

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As duas moradoras da Grande Florianópolis entregaram um total de R$ 90 mil em dinheiro a pessoas que se diziam do bem, mas na verdade são especialistas em aplicar um dos mais conhecidos contos da praça: o golpe do bilhete premiado.

Muito mais que a perda financeira, elas convivem com um sentimento de impotência, tristeza e vergonha. Afinal, como caíram num estelionato manjado em todo o Brasil?

– Essas pessoas, geralmente mulheres com mais de 60 anos e de boa fé, caíram nas mãos de uma quadrilha que tem o golpe como profissão e estilo de vida desde o berço, em que os autores se passavam por pessoas simples, doentes e fragilizavam as vítimas – diz o delegado Walter Watanabe, da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic).

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O bando foi preso há nove dias, após três meses de investigações. A polícia estima que os golpistas lucraram R$ 1 milhão em joias e dinheiro, de ao menos 50 pessoas na Grande Florianópolis. Destas, 14 já fizeram queixa na polícia e reconheceram os suspeitos.

Nos últimos dias, era grande o movimento de idosas na Deic. Levavam boletim de ocorrência e a vontade de reconhecer os autores de momentos que jamais imaginaram que passariam.

Os criminosos são de duas famílias e moram na cidade gaúcha de Passo Fundo, a 537 quilômetros de Florianópolis, onde levavam alto padrão de vida com carros de luxo. Dos 10 investigados, seis estão presos e quatro foragidos. Todos tiveram prisão preventiva decretada pela Justiça. Outras quatro pessoas ainda são procuradas. A Justiça também sequestrou as contas bancárias dos investigados.

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A polícia afirma que o grupo viajava a Santa Catarina em carros como Captiva, Polo, Focus, Cruze e Prisma. Depois de aplicar o golpe, retornava ao Rio Grande do Sul.

A quadrilha começou a ser identificada em razão de uma abordagem da Polícia Militar no dia 2 de dezembro na rua Duarte Schutel, no Centro. Por volta das 13h, Thiago Dias da Rosa estava ao lado de uma idosa quando um PM se aproximou.

Consta no inquérito que ele ficou nervoso ao ser indagado pelo policial sobre o teor da conversa, que acenou estar à procura de um endereço, mas não soube informá-lo. O policial diz que ali então houve a confissão de que buscava vítimas para o golpe do bilhete premiado.

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A PM abordou um comparsa de Rosa na mesma região central. Segundo a Deic, trata-se de Gilberto Ribeiro de Paula. Os dois não chegaram a ficar presos na época porque não houve flagrante.

Ao final da investigação, neste mês, os dois foram presos preventivamente, além de Jenifer Oliveira Moré, Vanuze de Fátima de Paula, Edson dos Santos e Daiana Fischer.

O DC tentou ouvi-los, mas sem sucesso. A polícia diz que eles também se recusaram a prestar depoimento, o que farão apenas em juízo.

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Quase especialistas em encenação

A Deic reuniu os boletins de ocorrência de várias vítimas, buscou imagens das câmeras da Polícia Militar nas ruas e identificou placas de carros dos suspeitos.

A polícia ainda descobriu que parte do grupo havia sido preso em Curitiba, há um ano, pelo mesmo golpe. Chegou também aos endereços deles no Rio Grande do Sul. Vítimas reconheceram os suspeitos na delegacia por fotografias.

Os golpistas fazem um verdadeiro teatro às vítimas. Encenam sofrimento, que são desconhecidos, chegam a fingir que estão doentes. Para a polícia, são pessoas bem articuladas e frias, que não têm pena de causar dor psicológica a pessoas idosas e indefesas.

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Além dos tradicionais protagonistas, que abordam os alvos na rua, hoje há coadjuvantes na cobertura. É como se o golpe tivesse se sofisticado nos últimos anos.

– Em qualquer evidência de envolvimento com prêmio de loteria, rifas ou jogos, fique atento, pois nada cai do céu. Na verdade trata-se de armadilha e truque. Não ajude, procure a polícia, um familiar ou até a Caixa Econômica, mas não siga em frente com a conversa – alerta o delegado Watanabe.

O alvo preferido da quadrilha são mulheres idosas, normalmente abordadas por uma senhora que demonstra ser uma pessoa pouco instruída, com vocabulário precário, que se identifica como alguém do interior à procura de um estabelecimento que vende produtos agrícolas.

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Ela afirma que a intenção é achar o dono do local para trocar um bilhete de loteria, que estaria premiado, por uma quantia, na maioria das vezes de R$ 22mil.

Na sequência, surgem outros envolvidos e um teatro que convence a vítima que aquele bilhete vale um prêmio superior a um milhão de reais.

A senhora então pede ajuda para retirar o prêmio, prometendo uma recompensa. A vítima é convencida a apresentar joias ou algum valor em dinheiro como prova de sua honestidade. E os criminosos fogem com o valor.

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ENREVISTA: Vítima de 66 anos

Diário Catarinense – Como a senhora foi abordada?

Vítima – Estava caminhando. Uma mulher apareceu chorando e falou ‘não é ladrão, não vou te assaltar’. Estava procurando de um endereço de uma loja. Logo chegou um homem bem vestido.

DC – O que eles falavam?

Vítima – A mulher falava, ‘não me deixa sozinho com ele’. Depois veio com a história se eu podia ajudar ela a trocar um bilhete premiado, se eu era uma mulher de honra e se tinha dinheiro para comprovar isso.

DC – Quanto a senhora tirou?

Vítima – Tinha um dinheiro de uma ação judicial guardado. Em 1h45min fiz oito saques de R$ 5 mil em bancos diferentes. Ele (homem comparsa da golpista) colocou o dinheiro no porta-malas por segurança. Pensei que eram pessoas de bem o tempo todo.

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DC – Como terminou isso?

Vítima – A mulher parecia estar passando mal, paramos numa loja e desci para comprar toalha de rosto a ela. Desci com R$ 50 que me deram. Quando voltei, ainda com o troco na mão, não estavam mais. Tenho vergonha de tudo isso. Acho que me deu até depressão.