Posição de largada. Treinador com o relógio na mão. Foco na linha de chegada. Com os tênis vermelhos sujos de areia, a atleta Schirley de Souza Francisco percorre inúmeras vezes o mesmo trecho da estrada de chão batido que passa por dentro do CTG Sela de Prata, em Biguaçu, onde ela treina seis dias por semana. Aos 14 anos ela está com pressa para chegar no topo: vice-campeã nacional na categoria, a velocista está arrumando as malas para representar o Brasil no Campeonato Sul-Americano Escolar de Atletismo em Mar Del Plata, na Argentina, entre os dias 21 e 28 de novembro, depois de convocada pela Confederação Brasileira de Esportes Escolares (CBDE).

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O talento de Schirley foi descoberto quase por acaso, já que ela mal sabia da existência do atletismo até os 11 anos de idade. Foi em 2010 numa despretensiosa partida de basquete nos Jogos Escolares de Biguaçu (Jebig) que o treinador Fábio Araújo Martins percebeu que a garota podia se dar melhor em outros esportes.

– Ela tem um perfil de atleta, era mais alta e se movimentava mais rápido que os colegas. No começo não se esforçava tanto quanto poderia, já que mal conhecia o esporte, mas logo percebi bastante progresso nos treinos e nos campeonatos – explica o treinador.

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O esforço de Schirley trouxe resultados rápidos, mesmo assim o patrocínio ainda não veio e ela pena para criar uma renda fixa com o esporte.

– Considero o atletismo uma possibilidade de me ajudar no futuro. Quero cursar uma faculdade de Medicina e o esporte pode ser um meio de eu arcar com os estudos.

Treinador Fábio Martins treina outros 14 atletas no CTG em Biguaçu. Foto: Charles Guerra/Agência RBS

Se por um lado a velocista se concentra para competir em cidades cada vez mais distantes, por outro o pai Joaquim Manoel Francisco corre atrás para tentar acompanhá-la aonde for possível. Para vê-la, ele já esteve no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e São Paulo. A ida do pai coruja para a Argentina ainda não está confirmada, mas ele está procurando uma forma de viajar para ver pelo menos as corridas em que filha competirá.

– Na hora da corrida não faz diferença porque não ouço e não vejo ninguém na torcida, mas saber que ele está lá e conversar enquanto estou me preparando me faz muito bem – confessa Schirley.

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Faltam pistas de atletismo para treinos em Biguaçu

Biguaçu não tem uma pista de atletismo profissional e a estrada de areia em que Schirley treina nunca passou por nenhum tipo de adequação à prática do esporte. Emprestada gratuitamente ao técnico, a pista é utilizada por mais 14 atletas. O treinador Martins reconhece as deficiências, mas mantém o foco no trabalho e diz que muitos esportistas de destaque treinaram em locais tão inapropriados quanto este – inclusive o velocista Ricardo Mário de Souza, descoberto em Biguaçu e uma promessa para as Olimpíadas de 2016. Schirley concorda, mas reclama da falta de estrutura em geral:

– É muito pior correr na areia, nem se compara às pistas profissionais. Mas não é só isso. Nós treinamos sem nutricionista, sem uma sala de musculação, usando apenas nossos próprios equipamentos. Acredito que eu tenha chances de chegar à final no Sul-Americano da Argentina, mas é muito difícil treinar com tão pouco – desabafa Schirley.

Pista de areia não passou por nenhuma adequação à prática do esporte. Foto: Charles Guerra/Agência RBS