Cortês e simpática, a funcionária da alfândega fechou o rosto quando respondi à pergunta sobre minha profissão.
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– Periodista? E que vieste hacer en Venezuela?
Senti que tinha cometido uma bobagem ao escrever minha profissão nos papéis da aduana. Estou acostumado a ocultá-la, quando em regiões em conflito, mas imaginei que ao lado do Brasil as coisas fossem diferentes. Mas aqui em Caracas as autoridades desconfiam da mídia. Inclusive a estrangeira. Deveria ter dito que estou a turismo…
Quantos dias pretende ficar? Qual o tipo de reportagem? Que equipamento o senhor traz? As perguntas foram se sucedendo, não importando o fato de que minha bagagem já tinha passado pelo raio X e estava liberada. Nem que é época de eleição, natural que repórteres afluam ao seu país.
Para culminar, Rosário – a funcionária outrora sorridente e agora séria – pediu cópia de minha passagem de volta. Anotou os dados e avisou:
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– Coloquei aqui sua data de retorno ao Brasil. Espero que o senhor cumpra.
Agiu como agem as autoridades em países que exigem visto. Acontece que não há visto entre Brasil e Venezuela. Coisas do chavismo.
Até o guarda faz câmbio negro
Na Venezuela, o governo determinou câmbio oficial de 4,12 bolívares (a moeda nacional) para cada dólar. Ainda no avião, venezuelanos me alertaram que não é bem assim, que o sujeito com moeda americana se dá bem… Buenas, veremos.
No aeroporto, cheguei perto de um guarda e, discretamente, perguntei onde poderia trocar dólares. Mais discretamente ainda, ele me chamou para o lado, longe dos colegas, e disse: “Comigo”.
Ué, mas câmbio paralelo não é proibido?, pensei, mas não falei. Ele me ofereceu 10 bolívares por dólar, troquei no ato. Nada como uma dose de mundo real no meio do discurso oficial.
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*O repórter Humberto Trezzi é o enviado especial de Zero Hora para a cobertura das eleições presidenciais venezuelanas