“Recebemos a fé para dá-la aos outros. Somos padres, devemos servir aos outros. E devemos trazer frutos que permaneçam. Todos querem deixar uma marca duradoura. Mas o que permanece?”
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Se, em abril de 2005, na missa de eleição do pontífice romano, o então cardeal Joseph Alois Ratzinger, 78 anos, falava sobre marcas duradouras, quase oito anos depois, é impossível dizer que o agora Papa Emérito marcou o mundo com um pontificado tranquilo.
Nascido em uma família tradicional da Bavária, Ratzinger admirava, desde a infância, os trajes carmim do arcebispo de Munique. Aos 14 anos, foi incorporado compulsoriamente à Juventude Hitlerista, como todos os adolescentes alemães da época.
Confira detalhes da última audiência do Papa:
Viu interrompidos seus estudos no seminário ao ser convocado para uma unidade de artilharia antiaérea em Munique durante a II Guerra Mundial. Desertou no final da guerra, sendo brevemente mantido como prisioneiro pelos Aliados em 1945.
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Entusiasta do ensino, lecionou na Universidade de Bonn entre 1959 e 1966 e foi catedrático em Teologia Dogmática na Universidade de Tübingen, cargo que deixou em razão do assombro ante a prevalência do marxismo entre os alunos. Nomeado cardeal em 1977, foi líder da campanha contra a Teologia da Libertação, movimento que prega o envolvimento da Igreja no ativismo social, algo que, para Ratzinger, aproximava-se muito do marxismo.
Sempre expressa crença de que a força da Igreja vem de uma verdade absoluta, que não se dobra com os ventos. A abordagem desapontou àqueles que torciam por modernização, pela mudança de posição em relação ao celibato do clero ou o uso de contraceptivos. Seus apoiadores, porém, viam nele o homem para liderar a Igreja em tempos desafiadores.
Apesar de ter afirmado em numerosas ocasiões jamais ter querido ser Papa, Bento XVI vestiu a mitra durante uma das mais devastadoras tempestades no Vaticano em décadas: no despontar do escândalo de abuso sexual por padres. Destacou a necessidade de uma “purificação da memória da Igreja” e declarou a “vontade de todos os católicos de cooperar pelo real desenvolvimento social, que respeite a dignidade de todos os seres humanos”.
Antes de sua eleição, em 2005, Bento XVI lamentava “a sujeira na Igreja, mesmo entre os padres”. Entre danosas acusações de que dioceses locais – e o próprio Vaticano – eram cúmplices no abafamento de muitos dos casos, prevaricando diante do imperativo de afastar e punir padres pedófilos e, muitas vezes, deslocando-os a novos postos onde continuavam a abusar, o papa insistiu no dever da Igreja de aceitar a responsabilidade cabida.
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À luz de Celestino V
Pediu desculpas abertamente às vítimas, algo até então sem precedentes, e introduziu regras mais ágeis para a destituição de padres abusadores. Em um de seus últimos atos, teria forçado a saída do cardeal Keith O’Brien, da Escócia, acusado de abusar de sacerdotes.
Antes do papado, Bento XVI foi figura central no Vaticano, na chefia da Congregação para a Doutrina da Fé – conhecida outrora como a Suprema e Sacra Congregação da Inquisição Universal. O posto lhe rendeu o apelido de “Rottweiler do Senhor”.
Infalivelmente polido, Bento XVI é um homem de muitos talentos, dizem apoiadores. A administração, no entanto, nunca foi um deles. O vazamento constrangedor de documentos de seu escritório, contendo indícios de corrupção e má gestão no Vaticano, levou à prisão de seu mordomo, Paolo Gabriele. O caso expôs uma luta aberta pelo poder.
Após sua renúncia, continua-se a especular sobre sua saúde e disputas internas. Espelhado em Celestino V, primeiro papa a abdicar para dedicar-se à reclusão, Bento XVI tenta contrariar, de certa forma, a máxima do apóstolo João: “Quando você era mais jovem, vestia-se e ia para onde queria; mas, quando for velho, estenderá as mãos e outra pessoa o vestirá e o levará para onde você não deseja ir”. Ao contrário de seu sucessor e próximo amigo João Paulo II, Ratzinger decidiu não se entregar.
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