Ainda que sejam tempos de aperto, o Estado não tem economizado em benefícios fiscais. No orçamento previsto para o ano que vem, enviado para aprovação da Assembleia Legislativa, o governo de Santa Catarina abre mão de R$ 5,4 bilhões em tributos para empresas instaladas em solo catarinense, o equivalente a 22% de toda a receita prevista para 2017 ou 24% da receita corrente líquida (já descontadas as transferências constitucionais).
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O valor é maior do que os gastos previstos com saúde, de R$ 2,2 bilhões, e superior ao custo para manutenção do sistema público de ensino durante um ano, de R$ 4,7 bilhões. Corresponde, ainda, a 41% das despesas com folha de pagamento. O cálculo é feito apenas levando-se em conta os benefícios autônomos, isto é, os tributos que o governo poderia cobrar, mas decidiu não fazê-lo. Não entram aí as imunidades e não incidências previstas na Constituição.
Estado afirma que setor têxtil desapareceria sem benefícios
Para fazer um paralelo, em São Paulo, a renúncia fiscal em 2017, já estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias, será de R$ 13,6 bilhões, o equivalente a 11% da arrecadação prevista. Em outros Estados, como é o caso do Paraná, os números são bem menores, mas economistas e a própria Secretaria da Fazenda afirmam que SC é um dos poucos que é transparente: põe na lei orçamentária todos os valores referentes a benefícios fiscais.
Sem benefícios fiscais, setor têxtil desapareceria, diz Estado
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Na comparação relativa às despesas e receitas do Estado, o percentual é considerado alto pelo economista Arlindo Rocha, professor da Udesc. No entanto, pondera que não dá para retirar os benefícios de imediato:
— Renúncia fiscal nesse momento é uma loucura. Mas se esses benefícios vêm de algum tempo, não dá para acabar com eles de uma hora para outra. Também entendo que é uma forma de o Estado se proteger da guerra fiscal.
O economista Mauro Rochlin, professor da PUC-RJ, pensa parecido.
— Realmente me assusta esse valor (de renúncia em SC). Mas, em tese, isso ajuda a atrair investimentos e tem efeitos multiplicadores, porque a empresa que se instala gera empregos e acaba movimentando a economia ao estimular fornecedores e outros serviços. Só que não sabemos quais investimentos teriam acontecido sem o incentivo – explica.
Isenções são justificadas pela guerra fiscal no país
Deixar de arrecadar impostos para atrair empresas ou incentivar o consumo nunca foi tema pacífico em nenhum lugar do mundo. Prova disso é a decisão histórica da Organização Mundial do Comércio (OMC), divulgada ontem pelo jornal o Estado de S. Paulo, que condenou a política industrial brasileira e exige que incentivos fiscais e redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sejam abandonados, pelo menos da forma que são aplicadas.
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Em nível nacional, os benefícios ficaram a salvo das medidas de austeridade tomadas pelo governo Michel Temer. Programas que dão subsídios e desonerações tributárias para o setor produtivo, chamados de Bolsa Empresário, devem custar R$ 224 bilhões em 2017, o equivalente a 3,4% do PIB brasileiro.
Entre os Estados, o assunto emergiu no Rio de Janeiro nos últimos meses, em meio ao infindável debate sobre a crise fiscal fluminense. Para acalorar a discussão, ainda veio à tona nesta semana a informação de que joalherias instaladas no Rio tiveram o equivalente a R$200 milhões em benefícios nos últimos anos, conforme noticiado pelo G1.
O argumento de sempre para defender a política de benefícios por parte dos governos é a guerra fiscal. É para o que apela a Secretaria da Fazenda de SC. E não há como negar que se perde companhias para outros Estados e até para outros países (como o Paraguai, que virou destino de sete empresas catarinenses) que oferecem mais vantagens.
— As empresas simplesmente iriam para outros Estados que cobrassem menos impostos. Iríamos perder esses empregos – diz o secretário Antônio Gavazzoni.
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A Fazenda estadual destaca ainda que, neste momento de arrecadação em queda, torna-se ainda mais importante a revisão de incentivos fiscais, “para compreensão se ainda precisam permanecer ativos, ou se já podem ser gradualmente reduzidos ou extintos”. Entretanto, não há previsão de reduzir – nem aumentar – o montante total concedido.
O presidente da Federação das Indústrias de SC (Fiesc), Glauco José Côrte, ressalta que a carga tributária brasileira é alta demais e que a indústria ajuda o Estado a crescer. Para o economista Mauro Rochlin, é preciso questionar o quanto as próprias empresas estariam buscando recursos no mercado e se o Estado não poderia dar outras vantagens para atrair empresas:
— É uma questão de escolher se o objetivo é dar um incentivo horizontal, com vantagens para todos, ou vertical, ao priorizar determinados setores.
Na prática, o que Rochlin propõe é questionar se não valeria mais investir, por exemplo, em melhorar as rodovias – reduzindo o tão comentado Custo Brasil. A Secretaria garante: o governo está investindo nisso também.
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Falta de transparência é questionada pelo Tribunal de Contas
Embora a Secretaria da Fazenda de SC seja mais transparente que as de alguns Estados na hora de colocar no papel o montante de benefícios fiscais, não informa quais são as empresas contempladas.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) cita, no parecer de contas de 2015, um descontrole sobre isenções fiscais. O valor total do benefício concedido no ano passado seria maior do que R$ 5 bilhões, mas apenas 6% dos beneficiados teriam sido detalhados para o Tribunal.
Essa falta de controle – e de transparência – é uma das críticas feitas por especialistas. Diz o parecer técnico do TCE: “sublinhe-se que, para inúmeras demandas da sociedade o Estado, por vezes, alega falta de recursos, inclusive na manutenção dos serviços e melhoria salarial em setores essenciais como a educação, saúde e segurança pública. Porquanto sejam legais e pertinentes, merece destaque, além do montante estimado, o fato destes valores não estarem sob o controle da contabilidade do Estado”.
A Secretaria afirma que “o sigilo fiscal é forma de proteção às informações prestadas pelos contribuintes ao fisco, assegurado pelos direitos fundamentais protegidos constitucionalmente”.
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No Rio de Janeiro, esse dilema resultou, em outubro, em uma determinação da justiça estadual para que o governo abra a lista de empresas beneficiadas e os valores renunciados. No caso específico, a decisão judicial diz que é necessário “questionar se os resultados sociais e econômicos produzidos pelos crescentes ‘gastos tributários’ estão a justificar a estratégia de renúncia de receita”. O Rio vive um momento de calamidade nas contas públicas, que não é o caso de SC. Mas lá, como aqui, a falta de transparência sobre os benefícios dados gera questionamentos.
Para o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV, um caminho melhor é a concessão de subsídio ou crédito, adotada em vários países.
— Em vez de reduzir diretamente o imposto, o mais transparente seria arrecadar e, no orçamento, alocar os recursos para a concessão de subsídio. Isso exige justificar porque se preferiu gastar tais recursos dessa forma no lugar de alocar, por exemplo, para educação ou saúde. É uma opção e muitos governos fazem isso – explica o economista, que também foi coautor de um estudo sobre o tema publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O problema da guerra fiscal do ICMS, diz José Roberto, é que a decisão acaba sendo tomada de forma velada, sem justificativa aberta e debate na sociedade.
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COLABOROU HYURY POTTER