É começo de tarde de segunda-feira e Benedito Novo está silenciosa. O vento fraco balança as bandeiras do Brasil exibidas diante das casas e ajuda a refrescar um dia abafado, de sol entre nuvens. O rio que corta a cidade está cheio e há risco de enchente em outros pontos da região, mas não é esse o assunto do momento. Nas últimas semanas, a preocupação com o futuro do país tem sido tema mais corriqueiro entre vizinhos, colegas de trabalho e conversas de família. Uma pergunta tem ocupado a mente dos moradores e gerado discussões em busca de uma explicação:
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– Onde estão essas pessoas que votaram no Lula?
A dúvida de Elisabete Fernandes, 49 anos, resume o título que Benedito Novo obteve no 1º turno das eleições deste ano. O município no Médio Vale do Itajaí foi quem teve a maior votação proporcional para o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) em SC no dia 2 de outubro. Na cidade onde 78,41% se mostraram bolsonaristas nas urnas, ninguém esconde a preferência pelo candidato, e as pessoas têm dificuldade em acreditar que exista quem pense diferente.
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– O povo está revoltado de ter tido mais de mil votos para o PT. Você não ouve ninguém falar que vota no Lula. Como é que ganhou isso tudo? – diz Elisabete.
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Benedito Novo fica entre morros e tem a tranquilidade típica de um município de quase 12 mil habitantes. São 8.245 eleitores aptos a votar, conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No 1º turno, de acordo com o TSE, dos 6.811 que compareceram às urnas, 5.129 escolheram Bolsonaro para ocupar o Palácio do Planalto, enquanto 1.009 optaram por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que representou 15,43%. O número do petista surpreendeu boa parte dos moradores. E não é difícil entender o porquê.
Nos comércios do Centro, pequenas e grandes bandeiras do Brasil enfeitam as vitrines. Também é comum observar o símbolo nacional pendurado na frente das casas ou hasteado nos quintais. Adesivos com o número do candidato do Partido Liberal (PL) ocupam espaços nos vidros dos carros e até em cones nas ruas de Benedito Novo.

David Neitzke trabalha na borracharia do pai com um boné que leva o nome de Bolsonaro. Ele conta que comprou o item pela internet para ajudar na campanha. Para ele, só não vota no atual presidente quem tem inveja dos patrões, que ganharam mais dinheiro nos últimos anos e também quem é desinformado ou malandro.
– Por que o lado de cima (do mapa do Brasil) é vermelho? Porque lá precisam de mais assistencialismo. Aqui, não trabalha quem não quer – opina Neitzke.
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Conforme levantamento feito pela prefeitura a pedido da reportagem, 391 famílias de Benedito Novo precisam de algum tipo de ajuda governamental. Dessas, 134 sacam o Auxílio Brasil, que beneficia pessoas em situação de pobreza, ou seja, que sobrevivem com renda familiar mensal per capita de até R$ 210. Outras 141 famílias participam do Benefício de Prestação Continuada, que garante um salário mínimo ao idoso com mais de 65 anos e a pessoas com deficiência de qualquer idade.
Cidade onde tudo é muito pacífico
– Aqui, não tem necessitados, dificilmente vem alguém pedir comida (na pastelaria em que ela é dona). Os preços dos alimentos estão caros, mas dá para levar – comenta a comerciante Elisabete Fernandes.
Enquanto Elisabete responde sentada perto do balcão, a funcionária Sônia de Fátima Ribeiro, 45 anos, que lava a louça atrás dela, discorda com um franzir de testa, um aperto nos lábios e uma frase que diz firme:
– É verdade, tem bastante emprego, mas nem todo mundo tem as mesmas condições. Tem quem não consiga mais comprar feijão. Não acho que a vida tenha melhorado.
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Sônia é uma dos 143 benedito-novenses que anulou o voto para presidente no dia 2 de outubro. Ela diz não se sentir representada pelos dois candidatos e ali, discordando de algumas falas da chefe, exemplifica a pacificidade da cidade, mesmo politicamente.
Para a prefeita Arrabel Lenzi Murara (MDB), 56 anos, essa é uma das virtudes do município que lidera. Apesar de nas redes sociais alguns debates ficarem mais acalorados, na vida real não há bate-boca por divergências políticas, garante ela:
– Até porque o outro lado (esquerda) fica mais quieto, não se manifesta no dia a dia. Mas merece o nosso respeito. Aqui, tudo é muito pacífico. Acho que a cidade escolheu Bolsonaro por ser mais conservadora, por conta desse sentimento que tomou conta da nossa região – avalia.

Arrabel foi a primeira mulher eleita prefeita na história da cidade. Compactua com pensamentos mais conservadores e é do MDB, partido que alterna o poder do Executivo municipal com o PP. Não à toa, MDB e PP são maioria também na Câmara de Vereadores. Dos nove parlamentares, sete são de uma das duas siglas. Na hora de escolher o presidente, no entanto, as bases partidárias não são determinantes.
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Prova disso foi a eleição de 2018, quando Bolsonaro, então no PSL, um partido desconhecido, fez 88,54% no 2º turno. Em 2014, Aécio Neves, do PSDB, fez 77,27% no 1º turno da disputa, conforme dados do TSE. Na hora de escolher quem deve governar o país, a decisão dos eleitores de Benedito Novo é geralmente pautada em outros aspectos, observa o ex-prefeito Jean Michel Grundmann (PP):
– O perfil do eleitor é votar na pessoa, não na sigla. Os escândalos do PT fizeram com que outro candidato fosse escolhido. Outro fator é que as pessoas são de origem europeia, a qual a disciplina é fundamental. E o candidato que representa esses critérios de disciplina, da pauta da família e etc é melhor recebido – analisa ele, que foi prefeito por oito anos, até 2020.
“As maiores arrecadações vêm das indústrias”, diz secretário de Finanças
Zaqueu Ferreira de Paula, 35 anos, mora em Benedito Novo há 15 anos e trabalha com artesanato. Trocou Blumenau por uma vida mais calma e vive com a esposa e filhas em uma casa de madeira, de muros baixos, no Centro. Na varanda, pendurou uma toalha com a foto do presidente e a frase “Fechado com Bolsonaro”. Ao lado dela está a bandeira do Brasil, que o artesão não pretende mais tirar, por se sentir patriota.
Ele acredita que Bolsonaro trouxe esse sentimento de patriotismo, como existe nos Estados Unidos, e ensinou sobre a valorização da família, liberdade e conservadorismo. Acha que a mídia “tomou um lado pelo mal do país” e opta por se informar principalmente pelas redes sociais. Em uma cidade com expressiva quantidade de áreas rurais (são 700 quilômetros de estrada de chão no município), a facilidade na compra de agrotóxicos e maquinário no governo Bolsonaro também é um ponto positivo, na visão de Zaqueu.
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É o arroz o alimento que predomina nas plantações que movimentam a economia local, explica o secretário municipal de Administração e Finanças, Ronalf Schmidt. Porém, expõe que diferente do que diz o último censo do IBGE, de 2010, a agricultura já não tem o mesmo peso para Benedito Novo como tinha no começo do século 21.
– As maiores arrecadações de impostos vêm das indústrias e energia elétrica (a cidade tem a Cooperativa Geradora de Energia Elétrica, a Ceesam).
São três indústrias de papel e duas de madeiras, que exportam. Neste ano, dos 110 empregos criados no município até agosto, 66 deles foram no setor industrial, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Não há um polo industrial na cidade, já que os poucos espaços planos são cercados por morros ou rios. A colonização alemã, seguida da italiana e polonesa ditam a arquitetura de muitos imóveis, mas não só isso. A cidade carrega em si a valorização das tradições e do trabalho, destaca David Neitzke.
Na borracharia que administra com o pai, a vida laboral é intensa, e viu o lucro aumentar nos últimos anos, a ponto de expandir o galpão. Espera que Bolsonaro seja reeleito para que ele pague menos impostos e que, com isso, haja o que ele classifica como “diminuição do Estado”.
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– Tudo que é estatal é horrível, a privatização é melhor – defende.
Neitzke tem 27 anos e trancou a faculdade de Comércio Exterior, mas pretende voltar a estudar. Nascido e criado em Benedito Novo, sempre estudou em escola pública, já que nenhuma das oito creches e sete escolas da cidade são privadas. Na Saúde, o único hospital e os quatro postinhos também atendem somente pelo SUS. E sobre eles só saíram elogios entre todos os entrevistados ouvidos pela reportagem.
– A saúde é ótima aqui. O povo é consciente, não vai para o posto por qualquer coisa, então nunca tem fila. Tenho plano de saúde, mas aí para usar preciso ir a Blumenau ou outra cidade aqui perto. Então, para coisas menores, acabo usando o posto – conta o jovem empreendedor.
Foi no posto que ele recebeu a vacina contra o coronavírus e levou o pai, que não acreditava na eficácia, a também se imunizar. Segundo dados do governo federal, 7.821 moradores tomaram a 1ª dose do imunizante ou dose única, o que significa 66% da população, número inferior à média estadual, de 85%. Apenas 5.715 (48%) voltaram para tomar a 2ª dose, também abaixo dos 81% do Estado e 79% da taxa brasileira de totalmente imunizados.

“Tudo tem dois lados”, diz eleitora de Lula
Rose Mengarda é contadora do município há 17 anos. Mora na vizinha Timbó, mas gosta da rotina na prefeitura de Benedito Novo. Nestas eleições, votou e pretende votar no 2º turno em Lula. Mesmo minoria no ambiente de trabalho quando o assunto é política, diz que as provocações em tom de brincadeira “entram por um ouvido e saem por outro”.
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– A democracia tem que ser pautada em respeito. Não tem como entrar em embate, tudo tem dois lados – avalia Rose.
Para ela, a população rejeita o PT por conta dos casos de corrupção que vieram à tona durante o governo petista. E a predileção por Bolsonaro surge, entre outros, na cultura mais conservadora que a região carrega. David e Zaqueu ressaltam que o presidente não é um político de estimação. Ele representa a ideologia que a maioria da população de Benedito Novo acredita, que engloba valores como a religião, o trabalho, a família, o conservadorismo e os bons costumes.
Em SC, dos 295 municípios, 263 deram a maioria dos votos a Bolsonaro. Apenas em 32 Lula ganhou do adversário. Benedito Novo é, então, uma pequena amostra do que ocorre em outras cidades do país.
Vídeo mostra cidade mais bolsonarista e a mais lulista de SC
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