Mulheres se beijando. Cena comum nos últimos anos, cantarolada em 2008 por Kate Perry. Mas cena também mais antiga, como mostra um cartão-postal preto e branco de Montmartre, em Paris, com duas moçoilas em ósculo público na década de 1920.

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Em privado, mesmo, a coisa vai longe. O livro Erotica – Une Anthologie Littéraire et Artistique, também à venda lá para os lados parisienses, traz inúmeros malabaris de moça com moça em fotos, quadros e desenhos. A maioria é dos últimos cem anos, mas fora do livro podemos voltar 2,6 mil anos na história, até os tempos da poetisa Safo, nascida na Ilha de Lesbos. No final do século 19, o lugar renderia o termo que conhecemos hoje.

Vi em uma festa na última sexta-feira. Acontece muito. Duas mulheres atravessam os dedos no cabelo comprido uma da outra, a finesse começa. É lindo e eu agradeço por fazer parte de mais um dos povos e tempos que, pelo menos em certas ocasiões, tolera o ato. Se tenho um porém, é só o de que nós homens ficamos indecisos sobre o que fazer.

– Parar de ser idiota e olhar como se fosse exótico -, resmungam várias mulheres, com certa razão.

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O problema é que muitos beijos femininos não são de casais fechados e convictos. São de recém-conhecidas com preferência flutuante entre os dois sexos e, às vezes, simpatia pela ideia de agregar uma barba pinicante no meio da estripulia.

No que o beijo começa, logo fechamos uma eufórica roda de machos em volta. É como briga no colégio, mas em versão pacífica, lúdica, com safadeza & sutileza bem equilibradas. Não é vídeo universitário americano, mas uma realidade nuançada.

Como agir? Às vezes uma tem namorado, e o cabra atua de isolante enquanto é maldito pela massa.

As duas podem ser solteiras, mas não querer ser interrompidas. Estão no seu perfeito direito, mas como proibir a nós, tristes ogros atiçados, pelo menos um sorriso besta? Poderíamos aqui esmiuçar esse nosso comportamento tolo, atomizá-lo, mas me parece que o principal foi explicado pelo jornalista carioca Fausto Fawcett: algo entre dois homens diminui masculinidades, e entre duas mulheres, acentua feminilidades.

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Em um verão com 8 mil quilômetros de estrada, vá de Florianópolis até a cearense Jericoacoara com um amigo, conhecendo o máximo de litoral brasileiro no caminho. Talvez você não veja beijos femininos mas conheça, separadas, duas meninas que saem mais com meninas.

A primeira experiência será linda e triste. Vocês passarão juntos, sem drogas nem delírios como os do filme Paraísos Artificiais, 40 horas acordados. Esse tempo envolverá banho de mangueira matinal em uma rave, tarde nas falésias da Praia de Pipa, suas virilhas assadas pelo calção (lembrando a imperfeição do mundo) e, ao anoitecer, a piscina do albergue. Com sorte a menina será uma belga levemente sardenta, 22 anos. Na piscina, tudo será lento & lúdico. Mas isso para você. Para ela, será uma concessão sem replay. As mulheres, ela diz depois, realmente a interessam mais.

Mas tem ainda a segunda experiência. Você estará em Jericoacoara, em um forró psicodélico. Ela será americana com pele de índia, olhos menta. Conhecida sua há dois dias, já escancarou: prefere mulheres e, no que deu uma chance recente para o outro lado, conheceu um energúmeno que quase rasgou seu biquíni em um banho de mar.

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Forró. Sabe-se lá por que, você ganha uma chance. Nada das línguas da pornografia, agoniadas como lagartos em fuga pelo mato. Leveza, tempo de absorção.

Às vezes, um diretor coloca um casal para transar em uma praia irreal sob a calha de um barraco. Na realidade, todos esses elementos estão lá, pessoas passam. Vá para o carro.

De manhã, ela se aninha em você durante um açaí próximo do albergue. Acima dos sexos, há pessoas. Vocês se apegam. Na partida, confusão: ela fica, você vai, ela muda de ideia e telefona para ir junto, mas se depara com um celular desligado. “Onde iria dar?” é a pergunta fixa. O tempo arrefece tudo, vocês se tornam apenas contatos de Facebook.

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Muito mais bonito. E muito, muito mais triste.