O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acendeu um alerta para os casos de crianças tiradas das famílias e enviadas à adoção em Santa Catarina. Durante uma sessão, enquanto analisavam o caso de um bebê tirado da mãe logo após o parto em Blumenau, a ministra Nancy Andrighi disse que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) precisa observar o que está acontecendo no Estado.
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— Eu chamo a atenção novamente dos colegas. Percebam que é Santa Catarina outra vez. Alguma coisa existe neste Estado que o CNJ precisaria estudar, compreender o que está acontecendo — afirmou.
Desde de julho, repercutem casos de mulheres que perderam a guarda dos filhos em Blumenau em processos, segundo elas, com falhas. O movimento ganhou repercussão nacional. As mães chegaram a fazer vigília em frente ao Fórum para chamar atenção aos processos. Em ao menos dois dos casos, novas decisões indicaram o retorno das crianças para as famílias biológicas.
Conforme o ministro relator Marco Aurélio Bellizze, o recente caso analisado pelo STJ trata de uma jovem moradora de Blumenau que disse durante a gestação ter interesse em entregar a criança à adoção para uma prima, a qual entrou com o processo para assumir o bebê ainda durante a gestação.
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— O Ministério Público, ao saber do pedido de adoção de criança que não tinha nascido, ajuizou a ação de destituição do poder familiar e a juíza determinou busca e apreensão na sala de parto, para colocar [o bebê] em uma família substituta — frisou o ministro.
Belizze ressaltou que em um processo de destituição regular, a mãe ainda teria 10 dias após a audiência para manifestar arrependimento de entregar o filho. Mesmo assim, a Vara da Infância e da Juventude de Blumenau, “precipitadamente, açodadamente, determinou a retirada [da criança]”.
— Você não pode ser punido por uma possibilidade que a lei lhe confere — disse o ministro.
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A ministra Nancy Andrighi chamou atenção também para o fato de a família extensa não ter sido priorizada, caso a mãe desejasse mesmo entregar o bebê, e a criança logo foi enviada à família substituta:
— Veja que o juiz aqui foi tão ausente que não obedeceu nem à família extensa. Porque a prima é uma família extensa que tem o privilegio de ser escolhida sobre outras pessoas que não tem esta qualificação.
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O ministro Vilas Boas Cueva chamou o caso de “aberração”.
— A genitora atualmente trabalha, está arrependida, quer criar o filho, e é um direito que a mãe tem, ao menos até o trânsito em julgado da sentença ou surgimento de outros elementos, daí sim o abandono, maus-tratos, que justifiquem análise de nova tutela de urgência — afirmou Bellizze.
Ele complementou:
— Ainda que a entrega do recém-nascido à prima e sua companheira tivesse ocorrido de forma irregular, dever-se-ia aguardar o nascimento e a sua efetiva ocorrência, tendo em vista a maternidade ser capaz de modificar os sentimentos de qualquer ser humano. […] Portanto, caberia ao Juízo da Infância e Juventude cumprir a determinação legal e primeiramente encaminhar a mãe à equipe profissional para investigar os motivos para a entrega à adoção, para que somente depois fossem tomadas outras medidas, em observância aos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança.
Por unanimidade a decisão do STJ foi pelo retorno do bebê à mãe, entregue novamente à mãe na semana passada. Atualmente a criança tem seis meses de vida.
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O Ministério Público de SC afirmou, em nota, que a atuação da promotoria foi correta. O órgão disse que, segundo o processo, a mãe da criança morava em outro Estado e teria dito que retornaria a sua cidade natal após o nascimento, sem o bebê, que deveria ser criado e educado por outras pessoas.
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Além disso, a mulher teria entrado com uma ação para que a criança “sequer fosse registrada em seu nome”, mas sim com o nome do casal para quem a entregaria. A promotoria só teria aberto a ação de destituição do poder familiar após saber do outro processo.
“O objetivo do MPSC sempre foi, e ainda é, garantir que a adoção viesse a ser realizada da forma legal, observando o cadastro único de adoções, gerido pelo CNJ, no qual inúmeras famílias aguardam por longos anos por um filho, mesmo após passarem pelos procedimentos legais que asseguram o direito e a integridade da criança”, diz a nota.
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Além disso, a promotoria alega que a ação teve como objetivo garantir a integridade da criança e que o direito de arrependimento da mãe biológica não se aplicaria ao caso, já que ele é garantido “apenas para as genitoras que entregam o filho de forma regular para a adoção, o que não aconteceu”.
Por fim, o MP frisa que seguirá “buscando junto ao Poder Judiciário todas as medidas legais necessárias para que sejam observados os ditames legais, o cadastro único de adoções do CNJ e principalmente a proteção as crianças e adolescentes, além do próprio sistema de proteção das crianças em nosso Estado”.
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O Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou que não comenta decisões judiciais e que “confirmar ou reformar uma decisão em sede de recurso”, faz parte do processo legal.
Segundo caso com o ministro Bellizze
Este não é o primeiro caso de crianças enviadas à adoção em Blumenau que fica sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellize. Em setembro, o magistrado atendeu ao pedido da Defensoria Pública de Santa Catarina e autorizou um casal de venezuelanos a rever os filhos enquanto recorriam de um processo que tirou a guarda das crianças da família.
Bellizze frisou à época que a decisão de encaminhar as crianças à adoção enquanto o processo ainda não tinha chegado ao fim é uma decisão precária e “não labora em favor da segurança jurídica e, muito menos, converge com os interesses prioritários das crianças, submetendo-as, nessa hipótese, a uma nova ruptura de laços afetivos que tentem a se formar com os pretensos adotantes”.
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No dia 24 de novembro, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina derrubou a decisão da Vara da Infância e Juventude de Blumenau e decidiu pelo retorno dos pequenos ao lar. Após quase um ano separados, os filhos voltaram para casa com os pais.
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