As pernas de Igor Werner Fernandes agitam no ar dezenas de vezes. A atividade comum para um bebê de quase três meses contraria o diagnóstico que assustou a família quando ele ainda estava na barriga na mãe. O defeito congênito de nome difícil, mielomeningocele, indicava que a criança poderia ter problemas de locomoção e até hidrocefalia.

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Mas a correção à lesão veio sem cortes e antes do nascimento, em um procedimento inédito no continente americano. Há duas semanas, ele veio para casa em Palhoça, na Grande Florianópolis.

A saúde de Igor é resultado da dedicação dos pais e da agilidade dos médicos. Oladiane Fátima Werner, 33 anos, fez todas as consultas recomendadas desde o início da gravidez. Quando estava com cinco meses de gestação, diante da demora para conseguir um horário para o exame de ultrassom na rede pública, optou pelo exame particular.

Ouviu do ginecologista e obstetra Roberto Noya Galluzzo, que também atua no Hospital Universitário da Universidade Federal de SC (UFSC), que o bebê apresentava uma doença em que a espinha dorsal não se fecha durante a gravidez, havendo a lesão dos nervos por exposição ao líquido amniótico.

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– A gente nunca nem tinha ouvido falar nisso, foi aquela choradeira – conta o casal.

Galluzzo, que é presidente da comissão de ultrassonografia na Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, sabia do desenvolvimento de uma técnica inovadora de correção em São Paulo e encaminhou a paciente para a ginecologista e obstetra Denise Pedreira, do Hospital Samaritano.

Duas semanas de exames depois, na 27ª de gravidez, a cirurgia foi feita, no dia 23 de fevereiro. A operação, realizada com o apoio financeiro de um laboratório e do próprio hospital, foi feita por endoscopia, com os médicos atuando com base em imagens geradas por uma câmera. O procedimento, que só tinha sido realizado na Alemanha, não exige cortes e permite rápida recuperação da gestante.

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No entanto, assim como na técnica a céu aberto – que vinha sendo adotada no país -a intervenção pode antecipar o nascimento do bebê. Por isso, Oladiane permaneceu em São Paulo até o nascimento de Igor no dia 17 de março. Apesar do parto ter sido prematuro, aos sete meses de gestação, a criança nasceu com os sinais de saúde tão desejados pela mãe.

– Agora, só imagino o Igor com uma vida normal – relata a mãe coruja.

Equipe de profissionais acompanhará o caso

O menino ainda passará pelo acompanhamento de uma equipe de médicos e fisioterapeutas nos primeiros anos de vida, pelas chances de ainda apresentar problemas típicos da mielomeningocele, como disfunção urinária ou problemas de locomoção. Até aqui, só há motivos para comemorar.

– Os testes motores que fizemos nele são muito animadores. Comparando-se a crianças que não são submetidas à cirurgia antes de nascer, já são muitos os benefícios – explica a médica Denise.

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Confira como é feita a técnica inovadora

Cirurgias similares serão feitas em Florianópolis

Na Alemanha, onde se desenvolveu a técnica de correção à mielomeningocele por endoscopia, foram realizadas mais de 80 procedimentos similares aos de Igor. No Brasil, a técnica é aplicada pela ginecologista e obstetra Denise Pedreira, do Hospital Samaritano, de São Paulo.

A médica pesquisou o método por 14 anos antes de fazer a primeira cirurgia, no bebê de Palhoça. Depois de Igor, foram feitas outras duas cirurgias em abril. A realização do procedimento tem a autorização do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e integra o projeto de pesquisa de Denise. A obstetra precisa operar um total de 10 pacientes com o mesmo diagnóstico em até dois anos para comprovar a eficácia da técnica e começar a expandi-la para o país.

Em Florianópolis, o médico Roberto Noya Galluzzo se antecipa na busca pelos equipamentos necessários para a realização da cirurgia no Hospital Universitário da UFSC.

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– Nosso pensamento é equipar o hospital para a médica conseguir fazer a cirurgia aqui, até que chegará o momento em que aprenderemos a fazer também – considera.

O processo ainda pode levar alguns anos, mas será um aliado importante no Brasil onde 3 mil crianças nascem com a chamada espinha bífida. Denise ainda explica que a correção ao defeito congênito antes do nascimento diminui a chance de lesão aos nervos da criança, reduzindo os riscos de problemas de saúde. O método também tem vantagens em relação à cirurgia a céu aberto, que requer um corte de até 10 centímetros na barriga da gestante antes de se operar o bebê.

A endoscopia reduz os riscos de se romper o útero durante o procedimento e de complicações em uma segunda gestação. Mesmo com os avanços, Denise espera que a cirurgia não seja tão necessária.

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– Para os médicos é um prazer poder ajudar, mas sem dúvida o melhor é prevenir. Toda mulher, antes de engravidar, deve ingerir o ácido fólico – expõe.

Prevenção

– A ingestão da quantidade necessária de ácido fólico reduz em até 70% o risco de má formação do tubo neural, que é a estrutura precursora do cérebro e da medula espinhal, no feto.

– O ácido fólico, vitamina do complexo B, pode ser encontrado também em vegetais verde escuro, fígado, frutas cítricas, grãos e carnes. Mas para garantir a ingestão da quantidade necessária, a recomendação é se ingerir 0,4 mg da substância em cápsula um mês antes de se engravidar e continuar a ingestão até o 3º mês de gravidez.

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– Quem já teve um filho com mielomeningocele e for engravidar novamente, deve ingerir de 4 mg da substância por dia.

– As orientações para essas doses devem partir dos médicos. As cápsulas são oferecidas pelo Sistema Único de Saúde.

– Desde 2004, por determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), todas as farinhas de trigo e milho fabricadas no país ou importadas devem ser enriquecidas com ferro e ácido fólico.

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