“Violência psicológica”: a expressão foi tema de muito debate nas redes sociais ao longo das últimas duas semanas, puxada pelas polêmicas do BBB 21. A edição deste ano do reality show, que começou no dia 25 de janeiro, tem chamado atenção pelos constantes conflitos entre os participantes – e uma das situações que despertou mais discussão na internet gira em torno de Lucas Penteado e Karol Conká: depois de Lucas ter brigado com praticamente todos os outros participantes na primeira festa do programa, Karol passou a perseguir o colega de confinamento, agredindo o ator verbalmente e criando diversas ocasiões em que Lucas ficou totalmente isolado dos “brothers” e “sisters”.
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Apesar de a atitude de Lucas Penteado na primeira festa ter sido, em si, muito criticada pelo público, os fãs de Big Brother Brasil logo passaram a defender o ator, classificando as atitudes de Karol Conká como injustas e desproporcionais – além de destacar que Lucas já pediu desculpas diversas vezes pelo que fez. Muitos espectadores também se indignaram com o fato de nenhum dos outros participantes ter se manifestado para defender o ator.
Na noite desta quinta-feira (4), termos como “violência psicológica” voltaram a pipocar no Twitter depois de Lucas ser excluído da Prova do Líder por Nego Di – com quem inclusive fez dupla na primeira prova de imunidade do programa. O apresentador Tiago Leifert chegou a retornar à tela depois que os brothers já haviam começado a prova, para consolar Lucas, que estava sozinho na sala da casa.
Mas o que caracteriza essa tal “violência psicológica”? Como a violência pode ser não-física?
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– Vamos começar pelo o que entendemos por “violência” – explica a psicóloga Graziela Judith Bonatti. – “Violentia”, do latim, significa agir com veemência e impetuosidade, ou “violentus”, aquele que age pela força. Violência também está relacionada a outra palavra do latim, “violare”, que significa desonrar, ultrajar ou tratar algo ou alguém com brutalidade. Portanto, a violência psicológica corresponde sempre a um ato agressivo direcionado a uma pessoa, ferindo sua identidade, sua autoestima, sua capacidade de escolha e sua liberdade. A violência psicológica geralmente se materializa no discurso, com palavras e manipulações agressivas, com o intuito de ferir quem as recebe.
Esse tipo de agressão é tão preocupante que a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem uma definição própria para ela: “Qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.” Por não deixar marcas no corpo, porém, a violência psicológica é menos visível – e sua identificação pode ser mais demorada.
– Como somos pessoas diferentes, com histórias e perspectivas muito particulares sobre o que é a vida e como vivê-la, é muito comum que encontremos em nossas relações assuntos, situações ou comportamentos em que nossas opiniões, ideias ou crenças apresentem divergências – diz Graziela. – Poder falar e ser ouvido é o que se espera de uma relação ou comunicação saudável. O problema é quando o que eu digo sofre desvalia, ou seja, é desqualificado pelo olhar do outro; seja ridicularizando, humilhando, constrangendo, ignorando, julgando, controlando, impedindo…
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– Quanto mais íntima e próxima for essa pessoa, mais violenta será a situação – a psicóloga destaca – Portanto, agressão não é só alguém gritar ou elevar a voz, mas quando em alguma conversa ou relacionamento eu me sinto desqualificado nas minhas falas ou comportamentos. Se isso acontece, é hora de ficar alerta! Sinto que estou sendo afetado na minha identidade, autoimagem ou autoestima? Tenho espaço para me expor e me sinto acolhido ou, ao menos, respeitado? Todas as pessoas têm o direito de expressar suas opiniões e formas de ser e estar nesse mundo: podemos não concordar, mas precisamos aprender a respeitar.
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Graziela confirma um aspecto que já vem sendo apontado pelos fãs do BBB 21: o de que vítimas de violência psicológica normalmente estão passando por algum momento de fragilidade emocional ou têm tendências à autodepreciação; podem estar deprimidas, adoecidas ou ainda muito ansiosas e inseguras – tudo isso facilita o ataque e a manipulação por parte do agressor.
– As situações de violência psicológica são em geral muito sutis e podem levar tempo para ser identificadas pelas vítimas – ela prossegue. – A primeira coisa a fazer ao perceber essa situação é procurar ajuda conversando com pessoas de confiança e que você sinta que realmente te amam; ou seja, que te aceitam e incentivam a ser do jeito que você é. A partir daí pode ficar mais fácil identificar as situações de agressão e violência e agir para se defender. Lembrando que violência psicológica é crime!
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Além da confusão que dificulta o reconhecimento da violência psicológica como tal, há outro ponto que faz com que muitas vezes pessoas que são testemunhas da situação não façam nada para intereferir – algo que também aconteceu no Big Brother Brasil:
– Muitas vezes o agressor passa um ar de “segurança” e de “força”, e realmente pode não ser fácil identificá-lo como um agressor; e, mais ainda, confrontar esse agressor – diz Graziela. – No caso do BBB especificamente, estamos falando de uma situação de confinamento e competição, dentro de um quadro social de pandemia e isolamento, e de um cenário político de divisão e intolerância. Todo esse caldo está refletido no que acontece lá.
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A psicóloga conclui com uma reflexão:
– Talvez só estejamos assistindo a uma amostra muito incômoda do que, sem perceber, experimentamos, também calados, em nossas vidas fora da tela… Mas que, agora, tornado público e explícito, não pode mais ser ignorado.