Ao visitar o Parque da Cidade, em Joinville, o público encontra pistas de skate, quadras de esporte e pessoas de todas as idades, etnia, gostos e outros aspectos. A diversidade é maior ainda nas quartas-feiras à noite, quando apaixonados por hip-hop se encontram no espaço. A maioria é jovem, com estilos variados, alguns tatuados, uns trajados de camisas de time de futebol, e outros usando boné. Embora as aparências sejam diferentes, todos eles têm um objetivo em comum: a rima perfeita.

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Chegando ao parque, percebe-se uma aglomeração próxima a uma das rampas de skate, acompanhada de batidas de hip-hop que tocam em uma caixa de som, responsável por estimular as vozes que estão prestes a fazer arte. O nome disso tudo é “Rimas do Ghetto” (RDG), um evento cultural que promove batalhas de rima entre MC ‘s da cidade.

Considerado um movimento de periferia, a RDG costuma ser marginalizada por parte da sociedade, conta uma das organizadoras e técnica de enfermagem, Zelize Fernanda, de 31 anos.

— É uma contracultura que não é respeitada e valorizada. Temos que lutar contra isso também, mas ao mesmo tempo ter essas dificuldades é um motor, te coloca para frente.

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MC´s duelam em busca da melhor rima (Foto: Marcelo Henrique / A Notícia)

As batalhas

Mesmo com dificuldades, a batalha se mantém de pé com a resistência do grupo que se reúne todas as semanas. Antes de começar o evento, o público se encontra para conversar, ouvir música e até ensaiar algumas rimas. A partir das 20h30min, as pessoas voltam às atenções para o apresentador e MC “Dejota”, que chama a atenção de todos e dá início à batalha. Ele chama duas pessoas de forma aleatória e pede dois números, o próximo passo é olhar o celular onde consta a tabela do ranking de MC´s, pois o número equivale à posição deles.

Dessa forma, os competidores são escolhidos, a batida é tocada em uma caixa de som, a plateia é formada em volta dos oponentes e, enfim, começam as rimas.

Como surgiu a RDG?

Fundada em 12 de janeiro de 2022, a Rimas do Ghetto coleciona inúmeros gêneros musicais de arte urbana, como: rap, boombap, hip-hop, trap, detroit e plug. Quem afirma isso é uma das organizadoras, a estudante Vitória Araújo, de 23 anos.

Vitória diz que o número de espectadores das batalhas varia, há eventos com participação de 20 a 30 pessoas, como também há ocasiões em que mais de 100 pessoas “brotaram” no parque.

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Mas o que move esse público a comparecer na RDG? Um dos motivos, segundo a estudante, é a influência que os ensinamentos da batalha podem proporcionar.

— Ela foi um braço aberto tanto para os MC´s quanto para a gente. Eu era uma pessoa que não tinha muito discernimento da vida, muitas metas e também não conseguia me encontrar. Então, quando eu comecei a vir na Rimas do Ghetto, foi um negócio que me salvou — relata Vitória.

Nessa mesma linha, o estudante e MC, Djhon Andrew, o Dejota, acredita que a música pode atuar como ferramenta de união entre pessoas diferentes.

— Para mim, o hip-hop é tudo. Porque querendo ou não, ele é união, a gente costuma dizer que é uma família de rua. Eu sei que posso contar com qualquer pessoa da minha família de rua — diz o rapper de 18 anos.

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Integrantes da RDG se tornaram uma família para Dejota, apresentador e MC da batalha (Foto: Marcelo Henrique / A Notícia)

Já Vitória afirma que as palavras ditas na batalha geram identificação para quem ouve, e as histórias relatadas geram aprendizado ao público.

— Às vezes tu pode pensar: ‘Não sei o que fazer da minha vida’. Mas tem outro mano que está falando da vida, das vivências e das experiências dele. Então, se o cara conseguiu, por que eu não consigo também? — questiona.

Esse olhar de pertencimento ao grupo também aconteceu com um dos MC´s, Victor Martins, chamado de “DMartins”. O jovem de 23 anos, que quando não está rimando trabalha como auxiliar administrativo, encontrou na cultura urbana uma saída para os problemas da vida, entre eles o racismo.

— É um lugar onde eu senti que as pessoas escutavam a gente, nessa necessidade de troca de ideia, conhecimento e de sentir ter voz em algum lugar. Porque dentro da sociedade, é difícil essa parada do preto ser escutado. Eu vejo a cultura como uma forma de luta — desabafa.

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DMartins enxerga o rap como ferramenta de combate ao preconceito (Foto: Marcelo Henrique / A Notícia)

Os protagonistas da batalha

Os “manos” e “minas” que comunicam suas histórias dentro das rodas são os MC´s, responsáveis por criarem a arte das rimas. As falas, que abordam qualquer assunto, carregam inúmeras referências culturais. DMartins, por exemplo, é um artista que escuta diferentes vozes que o inspiraram, tais como: Emicida, Milton Nascimento e Beyoncé.

Não bastasse compartilhar as visões de mundo, é necessário transmitir a mensagem por meio de um ritmo rápido e de uma semelhança no som das palavras ditas nos versos. É nessa construção que o improviso surge.

Segundo DMartins, é uma prática que exige o raciocínio veloz, a resistência ao lidar com a pressão de superar o oponente em questão de segundos e a capacidade de entregar a melhor rima para a plateia.

— É uma das partes mais difíceis, tem que encontrar um equilíbrio entre o que tu quer falar e o que público quer ouvir — explica.

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Dessa forma, a combinação e a harmonia das palavras que levam o público ao delírio se tornam o combustível de quem faz a arte acontecer.

— Quando você acerta aquela rima de impacto e a plateia inteira sente a vibe do momento, é simplesmente incrível. O seu olho brilha na hora — descreve Dejota.

Sob supervisão de Lucas Paraizo

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