As duas comportas da barragem de José Boiteux, no Alto Vale, foram fechadas neste domingo (8). A informação foi confirmada pelo governador Jorginho Mello no começo da tarde. A estrutura é a maior de contenção de cheias de Santa Catarina e tem impacto direto no nível do Rio Itajaí-Açu na região de Blumenau, mas estava aberta por conta de um impasse histórico entre Estado e indígenas.
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A situação gerou horas de tensão entre os envolvidos entre a noite de sábado (7) e manhã de domingo, quando houve também conflito. A história é antiga e está ligada ao fato de a barragem ter sido construída dentro da Terra Indígena Laklanõ Xokleng, demarcada legalmente. Por consequência, quando chove, a área é inundada, moradias são afetadas e a comunidade fica ilhada. É assim desde 1992, quando a obra foi entregue pelo governo federal. Aliás, antes mesmo de ficar pronta, já foi motivo de briga.
Os indígenas relatam que ao longo da história casas, escolas e plantações se perderam por causa da barragem. Citam, inclusive, mortes em decorrência das inundações. Desde então, cobram indenização por causa dos danos provocados pela construção.
Nesta semana, o nível da água em Blumenau passou dos seis metros — o que significa usar a barragem, conforme prevê o plano de ativação do Estado —, mas isso não aconteceu. O governo do Estado chegou a dizer que não fecharia as comportas em José Boiteux porque não havia segurança para a manobra. Porém, neste sábado (7), decidiu que iria operá-la.
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Os bastidores da negociação para fechar a barragem de José Boiteux e o que deu errado
O secretário de Estado da Infraestrutura, Jerry Comper, foi até a terra indígena no sábado (7) para negociar. Ouviu da comunidade indígena o pedido de um ônibus, três embarcações, quatro pontos de atendimento de saúde, cestas básicas e água potável, para atender quem seria afetado pelo fechamento das comportas e ficaria ilhado nas aldeias.
Parecia que o acordo seria fechado entre o governo do Estado e a comunidade Xokleng, mas os indígenas disseram que a liberação para acessar a estrutura só seria dada após os pedidos serem atendidos, o que poderia levar até segunda-feira (9) para ocorrer. Logo após a reunião da aldeia, o governador Jorginho Mello informou ter determinado o fechamento das comportas.
O Bope e a cavalaria da Polícia Militar foram enviados a José Boiteux e começou mais um conflito, com indígenas feridos e viatura da Defesa Civil atacada. A Polícia Federal foi para o local na madrugada deste domingo (8). No começo desta tarde, então, a operação para fechar as duas comportas foi finalizada, de acordo com o governador.
Assista ao fechamento de uma das comportas
Linha do tempo do impasse
- A Área Indígena Duque de Caxias, onde a barragem está construída, foi criada em 1926. Inicialmente eram 20 mil hectares, mas ao longo dos anos houve reduções por parte do Estado.
- Em 1965 a área foi titulada: 14.156 hectares foram registrados em favor dos indígenas.
- Em 1976 começou a construção da barragem. A maior parte do alagamento acontece na área demarcada — ocupando um total de 870 hectares. A obra terminou em 1992.
- A partir da década de 1990, índios invadiram empresas de reflorestamento em Doutor Pedrinho e destruíram casas nos arredores da barragem.
- Em fevereiro de 1997, índios ameaçaram explodir a casa de máquinas se não fossem atendidas algumas reivindicações de indenização após a construção da estrutura.
- Policiais foram feitos reféns em julho de 1998 e rodovias acabaram fechadas pelos índios.
- Em novembro de 2001 os índios acamparam novamente na estrutura de contenção de cheias do Alto Vale.
- Em agosto de 2003 o então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos assinou uma portaria ampliando as terras indígenas de 14 mil hectares para 37 mil hectares. Os 23 mil hectares a serem somados compõem terras adquiridas por agricultores, que hoje trabalham e subsistem do espaço.
- Em março de 2005, 300 índios invadiram barragem, montaram acampamento e ameaçaram danificar equipamentos, deixando a estrutura sem manutenção e operação.
- Manifestantes indígenas queriam que a Justiça impedisse agricultores de explorar área de extensão da reserva em janeiro de 2009.
- Em junho de 2014, durante uma enchente no Alto Vale do Itajaí, índios invadiram a barragem novamente. O local sofreu depredações e os maquinários sumiram, inviabilizando a operação normal.
- Em 2015 foi assinado um acordo entre indígenas e governos federal e Estadual para que se atendesse os pedidos da comunidade Xokleng e o acesso à barragem fosse liberado. Na enchente daquele ano, bem como nas duas de 2017, a estrutura foi ativada com apoio de caminhão hidráulico.
- Vídeo feito em 2019 mostrou uma operação teste na barragem, mas em maio de 2022, durante outra enchente, ela ficou fora de operação. Defesa Civil disse à época “temerário” ativá-la por causa das condições precárias da estrutura.
- Em junho de 2022, governo do Estado disse ter superado impasses para obras de recuperação e esperava assinar ordem de serviço para começo da reforma no segundo semestre deste ano. A situação não se concretizou.
- Em fevereiro desse ano, a Defesa Civil de Santa Catarina voltou à terra indígena e apresentou o plano de contingência para inundação. A expectativa, na época, era a partir dali já ter acesso liberado à barragem, mas a comunidade reivindicou as obras efetivas. O encontro terminou em frustração.
- O governo do Estado apresentou em setembro agora o plano de investimento de R$ 20 milhões para as obras determinadas pela Justiça Federal. A expectativa é começar as construções no início de 2024.
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