Nas redes sociais, as brincadeiras e “dancinhas” do blumenauense Kauã Henrique Hausmann Wruck transmitem a leveza de uma pessoa que nem sempre encontrou motivações para manter o sorriso no rosto. Antes de se tornar um fenômeno do TikTok entre os jovens, o rapaz de 20 anos teve de vencer a violência e até mesmo a fome depois de ser exposto ao mundo do crime, quando ainda era apenas uma criança.
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A vontade de seguir uma profissão e batalhar pelo sucesso, porém, rendeu ao barbeiro uma “explosão” inacreditável na internet. Visibilidade que, hoje, Kauã entende não só como a realização de um sonho, mas um propósito para transformar outras vidas e histórias.
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De origem humilde, o blumenauense esteve ligado a um vínculo familiar conturbado desde o nascimento. A mãe engravidou na adolescência e era usuária de drogas. Já o pai foi assassinado na prisão, quando Kauã ainda era um menino.
— Eu nasci no meio de uma família muito pobre. Meu pai era traficante. E eu sofri muito quando criança. Cheguei a ser vendido por droga pelo meu pai e tinha que sair nas ruas pedindo comida — conta.
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Em determinado período da infância, a avó de Kauã tomou uma decisão para tentar manter o neto longe do mundo do crime. Com o dinheiro que tinha, ela colocou o garoto em uma creche em período integral, das 7h às 18h, para que, pelo menos assim, ele ficasse distante da realidade de casa e ainda tivesse o que comer.
Kauã relembra, porém, que, conforme o tempo passava, ele ia se tornando uma criança revoltada por tudo o que já tinha vivido. Na escola, começou a sofrer bullying dos colegas e, aos 10 anos de idade, teve de sair pelas ruas para vender orelha de gato — um doce popular em Blumenau e região. Era assim, indo de casa em casa, que ele buscava contribuir com a renda da família.
— Mas aí, nessa época, eu comecei a andar por caminhos errados, justamente por ser influenciado por uma família que fazia coisas erradas. Entrei para o mundo do crime e com 13 anos fui “preso” [apreendido] pela primeira vez — relata.
A partir daquele momento, uma chave se vira na vida do garoto que já não enxergava mais esperança no futuro. Ao ser submetido ao trabalho comunitário, Kauã entendeu que precisava de um novo rumo e que não queria para si o mesmo destino do pai.
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E foi aí que ele descobriu um novo talento.
Um amor que surgiu por necessidade
Com 14 anos de idade, enquanto enfrentava um período difícil por conta da depressão, o jovem começou a se distrair com vídeos no YouTube relacionados à barbearia. A mãe, que já não era mais usuária de drogas, pagou um curso de aproximadamente um mês para que o filho aprendesse o básico da profissão.
Ao contrário de outras pessoas, porém, Kauã nunca foi uma criança que sonhou em seguir essa carreira. No caso dele, descobrir um talento e investir naquela área era questão de necessidade. Sobrevivência.
Quando finalmente conseguiu um emprego em uma lavação de carros, ele usou o salário para comprar os primeiros equipamentos de barbearia e praticar cortes nos amigos, que serviam como “cobaias” — em troca de penteados de graça.
— Estudei bastante, meti a cara e fui pedir emprego em uma barbearia. Trabalhei lá por um tempo e nisso comecei a mudar como pessoa. Isso com 15 anos — recorda.
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Nessa mesma idade, Kauã passou a morar sozinho. A partir daí, ele já tinha um objetivo traçado: queria viver da barbearia desde que se tornasse um empreendedor. Isso porque, mesmo jovem, ele já tinha noção de que, por causa das dificuldades financeiras, não teria condições de bancar uma faculdade ou curso na área.
Além disso, com mãe, avó e outros quatro irmãos, ele tinha uma família que também dependia da renda dele e, muitas vezes, sobrevivia de doações de outras pessoas. Kauã não poderia deixá-los na mão.
— E aí eu só vi depois de uns dois meses que eu realmente gostava daquilo [cortar cabelo]. E eu só entrei nisso porque tinha essa necessidade de ganhar dinheiro — ressalta.
Um milhão de seguidores e a explosão na internet
Com a dedicação à nova carreira e autenticidade, não demorou para que Kauã conquistasse o carinho do público em Blumenau. A visibilidade aumentou, no entanto, depois que o jovem teve a oportunidade cortar o cabelo do primeiro artista que atendeu: MC Hariel, cantor e compositor de funk com mais de 13 milhões de seguidores só no Instagram.
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O contato com o músico parecia destino. Isso porque o menino, que cresceu tendo de lidar com as dificuldades do mundo do crime e da violência que o cercava, acreditava que, um dia, ainda ficaria famoso.
Ao dormir, as imagens do sucesso se repetiam em sonhos que Kauã tinha durante a noite. Ele só não imaginava que poderia alcançar essa fama na vida real, através da própria barbearia — e com a ajuda das redes sociais.
O jovem passou, portanto, a investir em conteúdos para a internet e, quando se deu conta, já tinha 1 milhão de seguidores só no TikTok. Tudo isso em questão de dois meses. Atualmente, além do número exorbitante na rede social, outras 600 mil pessoas também o acompanham pelo Instagram.
— Eu acho que o que fez com que eu explodisse na internet foi porque fui eu mesmo, desde o início. Com o meu jeito meio louco, brincalhão. E eu não tenho vergonha de mostrar isso. É a minha essência e eu percebi que o pessoal gosta — explica.
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A energia e o carisma — nos vídeos e na vida real — já viraram marca registrada do rapaz. Não à toa, cortar o cabelo com o blumenauense se tornou também uma experiência para o público mais jovem que encontrou em Kauã uma oportunidade de se divertir enquanto passa por um procedimento de beleza.
Crianças e adolescentes participam das brincadeiras e piadas do profissional, na internet, como se já fossem amigos há tempos. Até mesmo os mais pequenos, que costumam estranhar o ambiente da barbearia, parecem não se importar com as tesouras e navalhas quando os equipamentos estão nas mãos do talentoso rapaz.
— É que eu entendo a mentalidade dos adolescentes, afinal, eu saí agora dessa fase também. Por isso eu sei dos gostos e dos estilos de cortes preferidos — diz Kauã ao falar do público-alvo da barbearia.
Um sonho que virou realidade
Com vídeos que já contam com mais de 20 milhões de visualizações, pessoas de qualquer lugar do mundo podem conhecer o TikToker de Blumenau. Em uma ida recente a São Paulo, por exemplo, o garoto se impressionou ao se deparar com jovens que pediram para tirar fotos com ele no meio da rua.
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Uma realidade que nem nos melhores sonhos — literalmente — Kauã pensou que fosse se concretizar, de fato. A fama, porém, não assusta o rapaz morador do bairro Vila Nova, mas o impulsiona a chegar ainda mais longe.
— É muito legal ser reconhecido pelo teu trabalho. E isso acaba me motivando ainda mais. Claro que também tem muitas responsabilidades e eu tenho só 20 anos. Então a maior dificuldade é conseguir conciliar tudo. Mas, às vezes, não cai a ficha de que eu sou famoso — brinca.
“Hoje eu entendo o meu propósito”
Assim que conquistou maior visibilidade na internet, Kauã aproveitou o “hype” das redes sociais para investir no próprio negócio. Era o momento ideal, pensou. Assim, em questão de um mês, ele abriu a Haus Barber, inaugurada em setembro deste ano, e já pensa em expandir a franquia.
Nesse momento, porém, ele segue focado em dar aulas e palestras sobre a profissão. Em 2024, planeja viajar o Brasil para levar conhecimento a pessoas de diferentes cantos do país e, quem sabe, até ao exterior.
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Ainda nesse mês, vai se juntar a artistas, como MC Daniel, para participar de um clipe que promete ser o hit do fim de ano. No vídeo, Kauã será um dos barbeiros que vai platinar o cabelo dos músicos durante a canção que falará, justamente, da tendência de descolorir os fios — o famoso “Nevou”.
Planos, na verdade, não faltam para o garoto que está no auge dos 20 anos de idade. O maior deles, no entanto, é seguir como uma espécie de instrutor para outras pessoas e levar oportunidade de trabalho àqueles que também estão em busca de uma profissão. Afinal, como experiência própria, ele acredita que a barbearia é capaz de mudar vidas e reconstruir histórias que já foram invisibilizadas perante a sociedade.
— E hoje eu entendo o meu propósito. Não digo que Deus me fez passar por tudo isso, mas acho que o que aconteceu comigo serviu para me transformar em uma pessoa mais forte e mudar outras vidas. Essa, agora, é a minha intenção, o meu objetivo — finaliza.
*Sob supervisão de Augusto Ittner
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