As navalhas, tesouras, toalhas quentes e loções continuam ali; o ambiente, porém, foi reconfigurado. Nada de uma saleta escura, sem muito conforto ou mordomias. Embora permaneça a tradição, as barbearias agora primam pela modernidade.
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Em Joinville, inspiradas pelos grandes centros, elas têm frigobar, música, quadros e outros itens de decoração – além de um mobiliário bonito e estilizado. Os profissionais também não ficam para trás: munidos com horas de cursos e prática, tornam o ritual de fazer cabelo e barba um serviço personalizado e cheio de exclusividade.
Fã do estilo retrô, Rodrigo de Queiroz Andrade, 28 anos, procurou decorar o Clube da Barba de acordo com o gosto pessoal, pensando no que gostaria de encontrar numa barbearia. Faz sete meses que o local existe e a clientela já está bem consolidada. O segredo, acredita, é a honestidade.
– Sou bem sincero quando o cliente pede opinião sobre um corte. E também quando não pede. Procuro sempre algo que se adapte ao perfil dele. Assim, prezo pela transparência, tentando satisfazer o gosto do cliente, mas sem deixar de falar a verdade e o aconselhar.
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Sem horário marcado, Rodrigo atende por ordem de chegada. Em média, são 20 pessoas por dia. Livres para papear e contar piadas, o barbeiro diz que seus clientes se sentem mais à vontade num espaço só deles do que em um salão misto. Inclusive na hora de solicitar serviços que por muito tempo eram apenas direcionados às mulheres, como manicure, pedicure e design de sobrancelha.
O negócio é praticamente herança de família. Rodrigo cursava gastronomia quando a sogra sugeriu que fizesse um curso de cabeleireiro, seis anos atrás. Com os utensílios para barbear que pertenciam ao seu bisavô, Rodrigo topou o desafio e mudou de profissão. Em parceria com a esposa, que é esteticista, pensa em ampliar o Clube para oferecer mais serviços.
– Muita gente enxergava barbearia como sinônimo de velharia. Tem gente que passa na frente até hoje e se espanta: “Nossa, barbearias ainda existem? Faz tempo que não vejo isso”. Porém, é importante notar que as barbearias que estão falindo pararam no tempo. É preciso sempre inovar. Procuro fazer cursos para aprender cortes radicais, porque o mercado pede isso.
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Um espaço de cuidados só para eles
O proprietário da Barbearia Ministro, Oséias Vicente de Souza, 31 anos, buscou em Curitiba e São Paulo a inspiração para o espaço que abriu há quase um ano e meio. Desde os 14 anos trabalhando como cabeleireiro para o público masculino, ele notou que os homens preferiam salões de beleza com salas separadas das mulheres. Também percebeu a falta de personalidade nos cortes, que eram feitos de modo padrão, sem muitas variações.
– Quero desfazer a impressão de que barbearia é um negócio antigo, retrógrado. O serviço não ficou no passado, nem a procura por ele. Buscamos sempre técnicas que tragam melhores resultados. Um diferencial, por exemplo, são os produtos que utilizamos, desenvolvidos exclusivamente para os pelos masculinos.
Thiago dos Reis, 30 anos, é cliente da Ministro há cerca de cinco meses. Por não se agradar 100% com o corte de cabelo, trocava constantemente de profissional. Até que, por indicação de um amigo, conheceu o espaço e não mudou mais de cabeleireiro. A maior parte dos clientes de Oséias chega assim, enviados por outros. Há também os que vêm em pequenos grupos e os que aproveitam para fazer negócios enquanto cuidam do visual.
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Enquanto bebem uma cerveja ou um cafezinho, os homens aproveitam para relaxar – seja folheando o jornal ou uma revista, assistindo a programas de esporte na TV ou conversando. Nesse ambiente de descontração, recarregam as energias. Oséias espera que seus clientes consigam se desprender do horário geralmente corrido para dar uma atenção à imagem e ao bem-estar.
– Procuramos valorizar a autoestima. Ao sair daqui, o homem se sente mais seguro. Quando está muito cansado e focado numa coisa, não consegue desenvolver. Quando desliga dos problemas, consegue explorar melhor o próprio potencial. É isso que tentamos passar.
As navalhas também são confidentes
Funcionário da Barbearia Ministro, Márcio Henrique de Oliveira, 34 anos, trabalha há cinco anos com cabelos e há três apenas com corte masculino e serviços de barbearia. Vindo do segmento de ferramentaria, ele não se sentia realizado. Márcio tem um primo que também saiu do setor metalmecânico para estética e bem-estar. Inspirado por ele, procurou cursos e mudou de área.
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Mesmo com carga horária intensa, Márcio garante que a interação, a troca de energia e informações compensam.
– A gente não conquista só os clientes, mas faz amigos – diz ele.
Um desses amigos é seu xará, o contabilista Márcio Espindola, 36 anos, cliente há quase dois anos. Para ele, frequentar a barbearia é um momento indispensável da sua semana, não apenas pela preocupação com a imagem, mas também pela boa conversa e a relação de amizade que se criou.
– O Márcio acaba sabendo de coisas, ouve confidências. Falamos de futebol, política, moto, esportes prediletos. Isso são 80% dos papos. Os outros 20% são segredo de Estado – brinca Márcio, o cliente.
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O barbeiro enxerga o negócio como um segmento que só vai para frente. Hoje, segundo ele, muitos jovens estão usufruindo de serviços que eram procurados por mais velhos.
– O homem vem com colega ou sozinho, mas nunca com mulher. Assim, se sente mais à vontade para pintar o cabelo, cuidar das unhas.
No fio da história
28 mil a.C.
Há cerca de 30 mil anos, nossos ancestrais descobriram que podiam remover a barba com o uso de lascas de pedra afiada.
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Entre 3.150 a.C. e 31 a.C.
No Antigo Egito , a barba era sinal de status: os membros mais abastados da nobreza a cultivavam, mesmo que a falta dela não indicasse necessariamente um tipo de demérito.
1900 a.C.
Na Mesopotâmia, povos como babilônios e caldeus, usavam a barba trançada. Dava trabalho: ela era lavada em óleo e depois prensada com ferro quente.
Cerca de 1250 a.C.
Na Bíblia, há o registro da ordem de Javé aos israelitas para que “não raspassem a barba pelos lados”, já que o estilo era usado pelos patriarcas hebreus.
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Entre 1100 a.C. a 146 a.C.
Entre os gregos, o uso da barba era bastante comum – a prova são as imagens que representam filósofos gregos, como Platão e Aristóteles, sempre acompanhadas de uma farta rama de pêlos. Durante a dominação macedônica, a barba foi severamente proibida pelo rei Alexandre, O Grande.
Idade Média e século 15
A barba sinalizou a separação ocorrida na Igreja Cristã com a realização do Cisma do Oriente: muitos dos clérigos católicos eram aconselhados a fazerem a barba para que não parecessem com os integrantes da igreja ortodoxa ou até mesmo com os costumeiramente barbudos judeus ou muçulmanos.
Século 18
Com o desenvolvimento comercial e o o mundo moderno, a barba começou a indicar um traço da vaidade masculina. Em 1770, o francês Jean-Jacques Perret criou um modelo de navalha mais seguro para barbear. No século seguinte, a famosa navalha em “T” foi inventada pelos irmãos americanos Kampfe.
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Século 19
King Camp Gillett percebeu a possibilidade de adotar lâminas descartáveis para os barbeadores e, com o auxílio do engenheiro Willian Nickerson, criou uma nova marca de lâminas e barbeadores que ainda é largamente utilizada por homens e mulheres de várias partes do planeta.
Início do século 20
O rosto lisinho virou sinônimo de civilidade e higiene. Muitas empresas e instituições governamentais não admitiam a presença de barbudos em seus quadros.
Anos 1960 e 70
Com a revolução da juventude, as barbas, cavanhaques e bigodes começaram a virar febre. Sinônimo de rebeldia, tinha personalidades como Che Guevara como símbolo.
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Anos 1980 e 90
A década de 80 trouxe os yuppies, “homens de escritório” que queriam vencer no mundo capitalista de terno e gravata e cara lisinha. O modelo seguiu nos anos 1990, principalmente com a febre de academias que chegaram a criar a tendência dos depilados.
Início do século 21
A associação negativa fica por conta dos terroristas do Islã. No entanto, a liberdade de se vestir a partir da própria personalidade permite que todos usem a barba do jeito que quiserem, sem que ela seja vista com tanto preconceito.